por Annabell Van den Berghe, da IPS
Cairo, Egito, 18/11/2013 – A egípcia Nihal Saad Zaghloul, de quase 30 anos, enfrenta como outras jovens o risco cotidiano de ser assediada sexualmente nas ruas do Cairo. Mas a revolução em seu país a levou a perceber que as pessoas podem se unir e que ela mesma pode fazer a diferença. No Egito aumentam as violações cometidas por gangues, no contexto da instabilidade política e da perda de segurança desde a revolução.
Junto com uma amiga, Zaghloul fundou a organização Basma, para conscientizar sobre o assédio sexual nas ruas desta metrópole de 30 milhões de habitantes. Após reunir dezenas de voluntários, no ano passado se mobilizaram pela primeira vez nas ruas próximas à Praça Tahrir e dentro das estações centrais do metrô. Zaghloul acredita firmemente que a educação é o princípio de tudo, e a isso se dedica.
“Nosso sistema educacional está falhando. As escolas do governo funcionam mal e as particulares são muito caras. E isto faz com que a maioria dos jovens egípcios não se eduque. E é exatamente esse grupo que encontramos nas ruas. Estão aborrecidos com a vida, maltratando as mulheres”, pontuou a jovem.
O assédio contra mulheres é bastante normal e até aceito no Egito. Segundo um estudo feito em abril pela ONU Mulheres, 99,3% das egípcias consultadas disseram que foram assediadas sexualmente. Contudo, com a Basma, Zaghloul começou a lutar contra isto. Cada vez que chega uma menina vítima de assédio, ela e sua equipe de voluntários se aproximam dos rapazes ou meninos para sensibilizá-los.
Os primeiros meses foram uma verdadeira luta para a organização. A polícia, que tem entre seus efetivos alguns que costumam participar ativamente do assédio, não levou a sério a iniciativa e causou mais problema, em lugar de oferecer apoio. Apesar disso, Zaghloul observou uma mudança nos últimos meses. Pela primeira vez a polícia está apoiando a iniciativa e participa ativamente da prevenção. Outro fenômeno importante é o aumento de mulheres policiais que patrulham o metrô. A coronel Manal e suas nove colegas mulheres estão especialmente ansiosas em promover a segurança nas estações.
O assédio é um problema cotidiano, mas com a El Eid, uma das principais festividades muçulmanas, realizada na semana passada, estiveram em pleno funcionamento iniciativas públicas e privadas de prevenção. O centro do Cairo sempre foi um lugar onde o fenômeno alcançou níveis máximos. E, ao lembrar a grande quantidade de ataques sexuais que aconteceram durante o mesmo período do ano passado, muitas mulheres têm medo de andar pelas ruas de sua cidade.
Houve uma pausa no assédio durante os primeiros dias da revolução de 2011, quando a Praça Tahrir estava repleta de famílias e o clima era jovial. Mas, quando Hosni Mubarak (1981-2011) foi derrubado, o assédio voltou ao seu ponto máximo. O problema não se relaciona diretamente com nenhuma corrente política ou religiosa específica, sendo mais uma característica da cultura egípcia ao longo das últimas décadas.
Há duas semanas, Manal patrulha o metrô do Egito para conscientizar sobre essa situação. Muito influenciada pela iniciativa Basma, disse que agora a polícia tem mais autoridade e pode prender os responsáveis. Em contraste com os primeiros dias da Basma, atualmente essa força está disposta a cooperar. Na semana passada, Zaghloul e Manal trabalharam lado a lado.
Desde a década de 1990, as mulheres podem viajar no metrô pela cidade em vagões a elas reservados. Mas essa norma é violada com frequência. Os homens aproveitam a oportunidade logo antes de as portas do metrô fecharem para saltarem dentro dos vagões que são apenas para mulheres. Ocasionalmente, entram neles por acidente, mas a maioria o faz de propósito, sabendo que estão cheios de mulheres.
“Se um homem entra no vagão logo antes de fecharem as portas o que podemos fazer? Às vezes as mulheres se irritam, mas, principalmente, sentem medo e olham para o outro lado enquanto ele assedia uma de suas companheiras de viagem”, contou Zaghloul. “Mas, quando uma delas se defende, todas as outras a seguem. É por isso que criamos essa iniciativa, para fazer com que todas se defendam”, destacou.
Há apenas um ano, e pela primeira vez na história recente do Egito, uma jovem chamada Samira apresentou queixa contra um dos vários homens que a atacaram durante um protesto contra o regime militar. E ganhou a causa. “Essas histórias ainda são incomuns. Continuam mostrando as mulheres como as instigadoras e não como vítimas dessas ações. Assim, preferem manter em segredo o que sofreram”, explicou Zaghloul.
“Além disso, se uma mulher recorre à polícia, frequentemente é assediada pelos próprios policiais. Por isso ter mulheres policiais cuidando desse problema é um dever absoluto”, acrescentou a jovem. Até há pouco não se via mulheres policiais nas ruas do Cairo. Esse era um trabalho reservado exclusivamente para os homens. Por meses, Zaghloul e uma dezena de voluntários da Basma patrulharam o lotado metrô e as movimentadas ruas da capital. Atualmente, a coronel Manal lhes dá plena assistência.
Jornalistas são vistos com suspeita, em particular os estrangeiros. O regime interino que governou o país após a derrubada do presidente Mohammad Morsi, em julho, lançou uma campanha contra a imprensa, apresentando-a como espiã e colaboradora da Irmandade Muçulmana. Por isso, Manal também recebeu a IPS com receio. Contudo, uma referência à Basma serviu para quebrar o gelo.
“Há 50 anos, havia tantas mulheres como homens na polícia. Temos que voltar a esse equilíbrio. Só dessa forma as egípcias se sentirão seguras nas ruas do Cairo”, declarou Manal. Como as leis não são claras, ainda é difícil combater o assédio sexual. Porém, a policial pede que todas as vítimas apresentem queixa.
Nem todas as mulheres acreditam que haverá avanços. Hend Elbalouty, de 25 anos, foi testemunha do ataque sexual que uma gangue cometeu, no começo desse ano, contra sua irmã na Praça Tahrir. As acusações que apresentou contra os responsáveis nunca receberam o devido tratamento. “Estamos de novo no ponto de partida”, lamentou a jovem. “Temos um Estado policial que não funciona. O fato de as mulheres terem mais poder agora não muda o caos que domina o sistema legal do Egito”, acrescentou.
Mohammad Jamees, um passageiro que viaja no vagão dos homens, não é a favor dessa iniciativa. “Combater a delinquência não é um trabalho de mulheres. Inclusive para seus colegas homens, essas situações costumam ser incontroláveis, assim, como podem as mulheres abordá-las?”, questionou.
As leis e os valores tradicionais, bem como uma divisão de tarefas para homens e mulheres, ainda estão profundamente arraigados na sociedade egípcia. Mas Zaghloul é otimista. “A polícia, finalmente, está assumindo a responsabilidade. Levará um tempo para os homens aceitarem a autoridade das mulheres, mas isso é, definitivamente, um passo na direção correta”, enfatizou. Envolverde/IPS
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