Precisamos olhar para o passado, em especial para a infância, onde nascem nossas fragilidades.
POR
Diana Corso
Edição 132
Tive todas as oportunidades de emburrecer com a babá eletrônica. Fui uma criança apaixonada pela telinha em preto e branco. Ansiava muito pela hora da tevê começar e me sentia miserável ao término da programação. Dessas extensas jornadas restam muitas memórias, mas uma evocação é insistente: a Kryptonita, proveniente dos desenhos do Superman.
Trata-se de uma arma que era usada contra seus superpoderes. Aproximar dele um fragmento dessa pedra, um mineral verde luminoso, deixava-o indefeso. O mais enigmático é que a Kryptonita era uma das raras coisas provenientes do seu planeta natal, Krypton. Do mesmo lugar de onde se originaram os poderes veio o calcanhar de Aquiles. Essa história sobreviveu na memória por portar uma verdade e um alerta: há um lugar, nossa origem, que determina o que somos, mas é também de onde nossa derrota pode se insinuar.
Não posso omitir a cilada do meu inconsciente: meus dois sobrenomes contêm a palavra "stein" (pedra, em alemão), ou seja, meu passado é uma "pedreira". Mas não só o meu, também o seu, o de todos. A infância, quando os outros são grandes e nós pequenos, é lugar de proteção, mas também de submissão, passividade, medos. O mundo dos pequenos é uma massa escura que não enfrentamos sem uma mão para segurar. Não é fácil lembrar disso. Tornamo-nos fortes e grandes graças ao exílio desse planeta natal da fragilidade. Só ficamos "super" porque crescemos.
Ao voltar à casa dos pais, mesmo velhinhos, sentimos a sensação de que lá o tempo congelou. Perdemos os bons modos, catamos no prato, distraímo-nos ao som da voz da mãe, testamos a força do pai, ficamos irritadiços, por vezes irreconhecíveis.
Os lugares do passado são magnéticos, atraem à superfície fragmentos, cacos sobreviventes de outras eras. Atravessar a porta familiar dessa casa é como a queda de Alice no assustador País das Maravilhas. Não é porta, é portal, do outro lado esperam memórias que nos tomam de assalto. Assombrados pelos nossos outros "eus" do passado, descobrimo-nos, como Alice, viajantes surpresos num país de pesadelos, dentro de um corpo que encolhe, espicha e nunca nos abriga direito.
Faz diferença como encaramos e como nos contamos as experiências que vivemos, a mesma história pode ser enquadrada por diversas lentes. Mas nem tudo pode ser posteriormente resgatado, sempre há restos, alguma pedrinha nociva que incomoda. O passado é esse planeta natal, fonte de nossa força e vulnerabilidade.
Diana Corso é psicanalista. Em parceria com o marido, Mário Corso, escreveu o livro Fadas no Divã.
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