Uma das formas mais elevadas de generosidade é a paciência para ouvir o que o outro tem a dizer.
POR
Soninha Francine
Edição 130
Ainda me lembro de uma aula de psicologia, no 2º ano do Magistério, em que a professora enumerou as "cinco necessidades fundamentais do ser humano", baseada em apostila rodada no mimeógrafo: "alimento, água, sexo, trabalho e repouso".
O que tornou o momento inesquecível foi a terceira "necessidade fundamental". Em pleno "fervor" da adolescência, adorei o aval. Gostei também do "trabalho e repouso" e nem me interessei em ampliar a lista, tão rústica e limitada. Seria divertido fazê-lo agora; mais ainda, com colaboração. Que tal para o mês que vem? Cartas para a redação!
Nos últimos anos, uma das necessidades foi ficando cada vez mais evidente: as pessoas querem e precisam desesperadamente ser ouvidas. O indefectível "louco de palestra", por exemplo, já mereceu mais de uma crônica descrevendo suas características. Ele diz que vai ser breve e fala sem parar. Pontua a exposição com três ou quatro "concluindo...". O mediador pede objetividade, ele se revolta. A plateia se inquieta. A mesa insiste: "Sua pergunta, por favor!". Ele precisa falar. Ele quer que a gente ouça. No gabinete de vereadora, na Subprefeitura ou na campanha eleitoral, as pessoas iam discutir, protestar, reivindicar, mas na verdade elas queriam outra coisa: falar, falar e falar.
Minha faxineira, querida dona Helena, fala o tempo todo. Sozinha, com as plantas, com a televisão, comigo. Antes eu resistia. Montava a trincheira para tentar me proteger da torrente de histórias. Minha vontade era dizer "para de falar, pelo amor de Deus". Eu prestando atenção ao noticiário, ela falando. Escrevendo um texto, fazendo contas, ela falando. A estratégia falhava, o ruído ininterrupto me incomodava e eu, na véspera da terça-feira, já me inquietava: "Como é que eu vou fazer para fugir?".
Um dia eu resolvi ouvir. Prestei atenção, fiz comentários e até perguntas! "E aquela história do seu sobrinho, como ficou?"
Minha irritação baixou sensivelmente. Depois de uns 40 minutos ou uma hora de prosa, eu consigo dizer: "Agora eu vou me fechar no quarto para trabalhar, se você precisar de alguma coisa, me chama". E deu certo!
Minha Lama (mestre budista) sempre diz: "Você se acha muito generoso, mas não aguenta ouvir 15 minutos a sua mãe no telefone? Tsc, tsc". Você pode fazer uma atividade voluntária de alta relevância: ouça. A vizinha, o jardineiro, o taxista. E, se discordar de alguma coisa que não seja assim tão importante, deixa pra lá. Outro dia alguém vai te ouvir.
http://vidasimples.abril.com.br/colunistas/fala-eu-te-escuto-749176.shtml
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