Um bem durável é aquele que não se extingue por seu uso e cujo desgaste demanda um certo tempo. A utilização do produto compete ao consumidor, e mesmo se usá-lo em uma ou 20 ocasiões, caso possua tal característica, ele será enquadrado como bem durável. Assim, mesmo que adquirido para ser utilizado —normalmente — em apenas uma ocasião, um vestido de noiva não deve ser tratado como se fosse um bem não durável. Nesta situação, o prazo para reclamação de vícios no produto é de 90 dias — válido para bens duráveis — e não de 30 dias, como ocorre com bens não duráveis.
Esta análise baseou a decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao acolher Recurso Especial de uma mulher e sua mãe e determinar o retorno dos autos à vara de origem. Elas alegam que compraram um vestido de noiva avaliado em R$ 10 mil, para o casamento de mulher, em 2006, parcelando o pagamento em seis prestações. Após quitar quatro parcelas, as mulheres perceberam diversos problemas no vestido, sustaram os últimos dois cheques e contrataram um estilista para reformar a roupa, o que custou quase R$ 4 mil.
Foi apresentada notificação formal por vícios no produto, mas a loja responsável pela venda rejeitou a tese, levando as clientes a entrarem com ação. Elas pediam a devolução da diferença entre os dois cheques sustados e o valor pago com o estilista, além de R$ 3 mil para cada a título de danos morais. O feito foi extinto em primeira instância sob o entendimento de que, como só é utilizado uma vez, o vestido de noiva é um bem não-durável, e o prazo para reclamação seria de 30 dias, como previsto no Código de Defesa do Consumidor, com a demanda sendo apresentada após o prazo. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Relator do caso no STJ, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que nenhum produto é eterno, tendendo a um fim material em algum momento, e rejeitou a tese de que o uso normalmente único de um vestido de noiva comprado o torna um bem não-durável. De acordo com ele, levando em conta o aspecto de durabilidade, o bem durável “é a qualidade da mercadoria, os cuidados que lhe são emprestados pelo usuário, o grau de utilização e o meio ambiente no qual inserido”.
Eletrodomésticos e livros
O relator citou como exemplos automóveis, eletrodomésticos e livros, contrapondo a estes alimentos, remédios e combustíveis, que classificou como bens não duráveis pois “findam em um único ato de consumo”. Em relação às roupas, segundo ele, algumas são mais duráveis do que eletroeletrônicos, inclusive com instruções de uso e lavagem que prolongam sua vida útil e, em determinadas situações, acabam doadas após alguns anos, exatamente porque preservam o estado de uso.
No caso em questão, o ministro classificou o vestido de noiva como bem durável, uma vez que não se extingue pelo mero uso, inclusive sendo guardado e repassado para as futuras gerações por algumas noivas. Em outras ocasiões, continuou ele, as recém-casadas acabam guardando o vestido para possível reforma, aproveitando o material ou mesmo alugando a roupa. Villas Bôas Cueva se posicionou, então, pelo prazo decadencial de 90 dias para a alegação de vícios aparentes no produto.
O prazo começa a contar da entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço, como previsto no parágrafo 1º do artigo 26 do CDC, e não da manifestação dos problemas, como ocorre com vícios ocultos, segundo ele. Além disso, afirmou o relator, houve interrupção do prazo decadencial no momento em que as clientes apresentaram notificação extrajudicial à empresa que vendeu o vestido. O ministro disse que, mesmo sem definição em lei sobre a forma específica para apresentação da reclamação, o STJ entende que a simples reclamação verbal é suficiente para interromper a decadência, desde que comprovada e direcionada aos responsáveis.
Ele classificou como irrefutáveis “a angústia e a frustração de qualquer pessoa que contrate um vestido para uma ocasião especial, tal como o dia da cerimônia do casamento, cujos preparativos permeiam expectativas e sonhos das partes envolvidas, inclusive de familiares e amigos”. Villas Bôas Cueva votou por acolher o REsp e reenviar os autos à primeira instância, para que seja analisado o mérito do pedido de indenização por danos morais e materiais, sendo acompanhado pelos colegas de turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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Revista Consultor Jurídico
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