por Larissa
Saram
A diretora executiva da CEE-HOPE, uma das mais
importantes organizações que defende os direitos das crianças na Nigéria, fala
com exclusividade sobre como a população está encarando uma das mais
assustadoras tragédias da história do país
Poderia ser um
roteiro de um filme hollywoodiano, mas é real e muito assustador o sequestro de mais de
200 jovens de uma escola localizada no vilarejo Chibok, na Nigéria. Em 14 de abril, as
meninas faziam seus exames finais quando foram levadas por homens armados,
membros do grupo extremista Boko Haram. Inicialmente uma seita religiosa, o
movimento age em nome de uma suposta "guerra santa" e contra o modelo
de educação "ocidental" seguido no país. Para eles, lugar de mulher é
em casa.
As informações
sobre a localização das crianças e adolescentes e em que condições estão
sobrevivendo são poucas e muito confusas. Há relatos de sessões de violência e
estupros diários. Na última segunda-feira (5), um vídeo obtido pela agência
France Presse mostra o líder do
grupo islamita, Abubakar Shekau, prometendo vender as reféns. A declaração fez o mundo
todo prestar ainda mais atenção neste quase inacreditável caso de violação dos
direitos humanos e lançar uma campanha na internet, chamada #bringbackourgirls. Celebridades como Angelina Jolie, Madonna e até a primeira dama
da Casa Branca, Michelle Obama já aderiram ao
movimento.
Depois de
muitas trapalhadas, o governo nigeriano recebeu ajuda recente de países como
Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. No entanto, ainda não há respostas sobre
como e quando as meninas voltarão para casa.
A diretora
executiva do Center for Children’s Health, Education, Orientation and
Protection (CEE-HOPE Nigeria), Betty Abah é uma das ativistas envolvidas no caso. Em uma entrevista exclusiva
para Marie Claire, a nigeriana, especialista em direitos da criança, fala sobre o clima no país
e quais são os próximos passos rumo à libertação das sequestradas.
MARIE CLAIRE: O mundo todo está com os olhos voltados para este caso das
crianças sequestradas por um grupo terrorista. Isso acontece com frequência na
Nigéria?
Betty Abah: Este é um caso completamente
isolado em todos os sentidos na história da Nigéria, seja no número de
envolvidos como na faixa etária deles. Já tivemos outros casos de sequestro,
mas a maioria envolvia adultos. Esse rapto em massa de inocentes, cuja única
culpa é querer ter algum tipo de educação, é ao mesmo tempo inédito, criminoso
e condenável. Por isso está chamando tanto a atenção. Como sabemos, algumas das
meninas foram vendidas em casamentos forçados e também como escravas sexuais. Achamos também que algumas
delas já foram mortas, porque nos disseram isso. Esperamos que mais vítimas
sejam evitadas. É uma realidade angustiante.
MARIE CLAIRE: O mundo todo está com os olhos voltados para este caso das crianças sequestradas por um grupo terrorista. Isso acontece com frequência na Nigéria?
M.C.: Como o povo
nigeriano está encarando esta situação
B.A.: É um caso de cortar o
coração, uma questão que certamente deu facadas na consciência do mundo. A
maioria dos nigerianos está em pé de guerra contra esses demônios repugnantes
do Boko Haram e foram abertamente contra eles em vários fóruns e de várias
maneiras. Estamos unidos contra este mal e lutando pela alma do nosso
país.Tenho trabalhado em conjunto com outros ativistas e jornalistas. Acredito
que todos sentem uma necessidade urgente de trazer nossas meninas de volta para
casa, em segurança. Elas poderiam ser nossas filhas!
M.C.: A campanha #BringBackOurChild ganhou força na internet. Celebridades como Angelina Jolie, Madonna e até a primeira dama da Casa Branca, Michelle Obama, já aderiram. O que mais o mundo pode fazer para ajudar neste caso?
B.A.: A campanha tem sido extremamente
bem sucedida em obter a atenção do mundo e queremos que continue assim.
Felizmente, os Estados Unidos e outros países concordaram em nos ajudar e
quantos mais quiserem se juntar a nós, melhor. A Organização das Nações Unidas
deve dar um passo decisivo nos próximos dias. Imploramos cada vez mais pela
solidariedade global.
M.C.: Você acha que falta um posicionamento das autoridades internacionais?
B.A.: É óbvio que leva tempo para
que haja um engajamento. Muitas pessoas, incluindo celebridades norte-americanas,
se perguntaram no início por que os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e outros
países não pouparam recursos na tentativa de intervir em casos como o voo da
Malásia e o desastre da balsa sul-coreana, mas não estavam olhando para o caso
das crianças nigerianas. Ficamos inquietos também e começamos a nos perguntar
qual era o nosso valor perante o mundo. Mas tudo está bem quando acaba bem e
esperamos que, com a ajuda dos Estados Unidos e de outras nações, teremos um
resultado positivo.
M.C.: O governo da Nigéria afirma que esta situação, na verdade, é uma propaganda difamatória e, inclusive, mandou prender uma das mães que estava protestando em frente à Assembleia Nacional. Como você analisa esse posicionamento?
B.A.: É uma vergonha. É lamentável
que o Governo Federal ou, melhor dizendo, o presidente e a primeira-dama
estejam mais interessados em salvar seus rostos do que em salvar as vidas de as
inocentes e vulneráveis crianças nigerianas, cuja única falha é tentar estudar
para melhorar suas vidas e de suas famílias. É uma manobra para encobrir uma
situação ruim e, agora que todos já viram a mentira, espero que tenham
aprendido a lição. O governo não apertou o cerco em torno desses insurgentes
quando deveria. Quando o sequestro veio à tona, ao invés de usar todos os meios
necessários para resgatar as meninas, mentiu que elas tinham sido resgatadas.
Foi aí que surgiu a teoria da conspiração. Em seguida, a primeira-dama passou a
dar declarações escandalosas sobre como seu marido estava sendo injustiçado. Se
a agonia de quem está no poder não é sobre as pobres meninas, mas sobre a
"má fama", então posso dizer que algo está errado! A resposta do
governo foi tardia e nós só queremos ação. Queremos as meninas de volta!
M.C.: O Boko
Haram, grupo islâmico radical que sequestrou as meninas, alega a ação por uma
questão religiosa. Qual é o panorama religioso na Nigéria?
B.A.: A população nigeriana é
dividida quase que igualmente entre muçulmanos e cristãos, e a religião não é
assim tão importante. Para a maioria de nós, o Boko Haram não representa uma
religião sensata. Acho que nenhum tipo de crença apoiaria o horrível
assassinato de crianças inocentes e o rapto em massa, estupro e maus tratos. É
uma aberração horrível e deve ser visto assim.
M.C.: Quais são os próximos passos para trazer as meninas de volta e evitar que mais delas sejam sequestradas?
B.A.: Estamos conscientes de que
ganhamos reforços na equipe de agentes de segurança. Os Estados Unidos e outros
países já estão intervindo e o presidente Goodluck Jonathan, em uma recente
entrevista, deu a garantia de que tem como compromisso encontrar as meninas.
Estamos orando. Estamos marchando e mantendo as esperanças. Comícios estão em
andamento em várias cidades da Nigéria e também em todo o mundo. Só podemos esperar
o melhor para as nossas meninas. Queremos que elas voltem para casa vivas!
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