Desconstruir o mito de que mulheres são todas inimigas é um
passo importante no combate ao machismo.
Por Aline Valek, no blog Escritório
Feminista
Inimigas. Invejosas. Recalcadas. Fofoqueiras.
Foi isso que nos ensinaram: que não poderíamos confiar umas
nas outras. Cochicharam em nossos ouvidos que mulher é tudo falsa. Nos disseram
que as outras eram interesseiras, traiçoeiras, que roubariam nossos namorados,
que tentariam chamar mais a atenção, que eram vagabundas, sempre uma ameaça.
Ensinaram a lição e mostramos que aprendemos quando dizemos
que “mulher trabalhando junta não presta”, ou quando nos orgulhamos ao dizer
“não tenho amigas mulheres”, ou quando odiamos aquela garota sem motivo algum,
ou todas as vezes que julgamos a sexualidade da colega ou ainda quando
atacamos, humilhamos ou desprezamos a outra apenas para buscar as migalhas da
aprovação masculina.
Como pudemos acreditar nessas mentiras por tanto tempo?
É tentador acreditar que “somos diferentes das outras” para
tentar colher as recompensas por ser uma “boa garota”. Eu sei. O problema é que
essas recompensas nunca virão. Se hoje odiamos as outras mulheres e não
hesitamos em julga-las, atacá-las ou exclui-las, nada impede que amanhã os
dedos que apontam para elas se voltem para nós mesmas. Hoje, a vagabunda é a
“outra”; amanhã pode ser eu ou você. Nenhuma de nós está imune – e por isso
mesmo, por mais diferentes que sejamos, há muito mais em comum entre nós do que
você possa imaginar.
Colocaram entre nós essa espessa cortina de rivalidade para
que não sejamos capazes de nos enxergar de verdade. Para nos isolar. Para que,
divididas, nos enfraqueçam. Consegue imaginar a quem isso possa interessar? Se
eu e você sempre nos considerarmos inimigas, vamos poder esquecer de combater
as estruturas da sociedade feitas para nos manter nos nossos devidos lugares.
Se eu e você nunca nos considerarmos aliadas, seremos mais facilmente vencidas.
Parece até teoria da conspiração, mas basta olhar ao seu redor. Basta olhar
para a sua própria vida.
Então está na hora de tentar ver além dessa cortina e, ao
invés de olhar para o que nos difere, tentar encontrar aquilo que nos aproxima.
Talvez você se surpreenda ao encontrar do outro lado não esse estereótipo
odioso que nos venderam, mas uma mulher igual a você. Um ser humano tão único,
multifacetado, com falhas e atributos positivos, assim como você mesma.
Mas tome cuidado: transpor essa cortina, apesar de simples,
é algo tão poderoso que vai deixar muita gente nervosa. Terão ataques de raiva,
vão querer te ridicularizar, te calar, fazer você voltar para o seu estado
anterior. Para muita gente, nada que mude pode ser algo bom. Mas você pode
imaginar o motivo, né? Normal que essa gente fique tão insegura. Afinal, quando
descobrimos que não precisamos lutar umas com as outras, podemos fazer coisas
incríveis.
Imagine quanta coisa pode ser diferente se, ao invés de
cerrarmos os punhos, estendermos a mão para aquela outra mulher. Imagine poder
olhar para nossas irmãs negras, brancas, indígenas, jovens, velhas, cissexuais,
transsexuais, heteros, bi, lésbicas, magras, gordas, com ou sem deficiência,
baixas, altas e ver que mesmo com tantas diferenças há algo profundo que nos
conecta.
Com essa simples mudança de atitude e de pensamento vamos
rasgar em mil pedacinhos e ainda sapatear em cima de uma das mais perversas
mentiras que contam sobre nós. E, de quebra, ainda podemos conhecer novas
amigas. Mulheres com quem vamos poder nos divertir, compartilhar momentos e
contar com elas para o que der e vier.
Que possamos mandar um recado para as outras mulheres e não
seja de ódio, desprezo ou julgamento; mas um “estamos juntas”. Porque juntas
somos mais fortes para combater as armadilhas machistas do nosso mundo. Porque
só juntas sobreviveremos.
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