por Yvonne Maggie
Daniel Alves, lateral direito do Barcelona, correu para cobrar o escanteio em um campo na Espanha. Das arquibancadas ecoou o epíteto que há onze anos o jogador brasileiro vem ouvindo nos estádios europeus: “Macaco!!” Dessa vez, jogaram uma banana. O mulato de olhos claros não teve dúvida. Pegou a banana, descascou-a, comeu-a, jogou a casca fora e chutou a bola que, em curva, parou aos pés do companheiro de time.
Um gesto arrebatador, um poema, uma forma brasileira de lidar com a vida, uma resposta tropicalista. Lembrei-me de Carmen Miranda, de José Celso Martinez Correia, da Tropicália e dos apelidos pejorativos – urubu e pó-de-arroz – que acabaram sendo incorporados como símbolos dos times do Flamengo e do Fluminense respectivamente.
Confesso que não conheço futebol, mas gosto de ver a bola rolando e os jogadores dando dribles e voando com suas chuteiras e movimentos de beleza e precisão monumental. O que mais me impressiona no futebol é que este jogo espelha a nossa alma. Como diria João Saldanha, o futebol é um resumo de nossa sociedade. E que resumo! Nosso rei é um negro, o Pelé que encantou multidões e é o personagem brasileiro mais conhecido mundo afora.
É essa maneira brasileira de responder ao preconceito e ao racismo que sempre me impressionou nos nossos jogadores desde 1959 quando o time da Portuguesa Santista se recusou a entrar em campo na África do Sul porque os anfitriões não permitiam jogadores negros e brancos em um mesmo escrete. Foi nesse dia que o time brasileiro organizou um protesto fazendo com que o presidente Juscelino Kubitschek mandasse um telegrama oficial para as autoridades da África do Sul e que o Brasil se tornasse o primeiro país fora da África a romper com o regime do apartheid.
E não é que o Daniel Alves deu uma banana para os gringos e comeu-a em pleno jogo? A banana saiu dos campos e passou a fazer parte das conversas nas redes sociais e apareceu até em camisas. O gesto simbólico do Daniel Alves virou selfie de seus companheiros de equipe. E o mais querido entre a garotada, o também mulato e goleador Neymar, apareceu em vídeo no Instagram comendo uma banana com seu filho louro abraçado a um brinquedo de pelúcia representando uma enorme banana ao estilo Andy Warhol. O vídeo iniciava a campanha #somostodosmacacos.
E a música de Braguinha ecoou forte:
Yes nós temos banana,
banana pra dar e vender.
Banana, menina, tem vitamina,
Banana engorda e faz crescer.
Yes nós temos banana,
banana pra dar e vender.
Banana, menina, tem vitamina,
Banana engorda e faz crescer.
Vai para a França o café, pois é,
para o Japão o algodão, pois não.
Pro mundo inteiro,
Homem ou mulher,
Banana pra quem quiser.
Daniel Alves tirou a tristeza estampada no rosto dos cariocas desde a morte do bailarino DG e desde que os tiros voltaram a assombrar as comunidades onde nossos sonhos de paz pareciam poder virar realidade. Os tiros vieram de cima para baixo e de baixo para cima e tiraram a vida de um jovem brasileiro. Tiros e violência que ceifam a vida de milhares de jovens brasileiros anualmente. O povo deprimido, quase acreditando no velho jargão de que nada aqui dá certo, que os traficantes estarão sempre presentes porque essa polícia não presta, quase esquecendo de que há quem lute para mudar a polícia e acabar com a guerra das drogas. Guerra que já provou ser inócua e fez mais vítimas por morte violenta do que benefícios.
Pulsou com mais força ainda em meu coração a vontade de abraçar a corajosa mãe de DG que me lembrou a luta de muitas outras mães para que a morte de seus filhos não fosse mais uma entre tantas. Lembrei-me de Zuzu Angel e de sua coragem de enfrentar os militares que torturaram e mataram seu filho Stuart Angel nos porões da ditadura militar.
Daniel Alves mostrou ao mundo com o seu gesto poético e antropofágico, com sua banana simbólica e significante, que somos brasileiros e temos muito a ensinar ao mundo além do futebol,como disse Gustavo Poli em crônica magistral.
E tem mais, aos que criticaram o gesto, a banana e tentaram desqualificar a campanha #somostodosmacacos, iniciada por Neymar no Instagram e que como um rastilho de pólvora se espalhou em um movimento de muitos brasileiros, quero dizer que sem poesia e sem arte é impossível viver nesse mundo de racistas, sexistas e balas traçadas de cima para baixo e de baixo para cima. A poesia de Daniel Alves, a performance deste jovem mulato brasileiro ganhou o mundo e mostrou que somos muito, muito mais do que apenas futebol. Somos arte, somos muitos a dizer não ao racismo, à violência e venceremos o complexo de vira-latas na expressão popularizada pela genialidade de Nelson Rodrigues.
Obrigada Daniel Alves! Se Garrincha assombrou o mundo com seus dribles e suas pernas tortas, o mulato brasileiro, lateral direito do time espanhol, afastou o medo de sucumbir à tristeza diante do racismo e das mortes prematuras de tantos outros mulatos, escuros, pretos, brancos, claros e pobres que lutam para viver uma vida com arte.
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