É mais fácil para os deficientes falar sobre discriminação no emprego e educação do que sobre sexualidade
É mais fácil para os deficientes falar sobre discriminação no emprego e educação do que sobre sexualidade
Foram menos de 30 segundos para o encontro passar de promissor a muito ruim. Depois de algumas conversas on-line, Steve* estava animado para encontrar Kayla, de 24 anos, uma assistente de juiz com quem ele se conectou no site de relacionamento Plentyoffish. Eles decidiram se ver no pub Bull and Firkin, em Toronto, em um começo de noite de agosto de 2012. Ele a viu primeiro: cabelo loiro acobreado, lábios carnudos – ainda mais atraente pessoalmente. Steve, um assessor de imprensa, de 27 anos, tem paralisia cerebral, usa muletas ou uma cadeira de rodas para se movimentar. Naquela noite ele foi de cadeira de rodas. Ele sorriu para ela e foi em direção à mesa. Ao se aproximar, ele viu a calma expressão de Kayla mudar. Ela pareceu confusa, diz ele, como uma criança perdida. Os olhos dela foram direto para a cadeira de rodas.
Steve ficou imaginando por que ela estava tão confusa: seu perfil no site de encontros o mostrava claramente sentado em uma cadeira de rodas. De mais a mais, foi Kayla quem mandou a mensagem primeiro. Talvez ela não tivesse visto a foto dele? Talvez ela tivesse pensado que Steve estava vestindo uma fantasia de Halloween? Com dois minutos de conversa, Steve sabia que “talvez” não importava – estava claro, ele diz agora, que Kayla não estava mais interessada. O encontro durou 45 desconfortáveis minutos, antes que eles decidissem rachar a conta. Nem ela nem ele mencionaram, na conversa, a cadeira de rodas. Foi isso o que mais o desapontou: ele entendeu por que ela estava desinteressada, sem que ela tivesse dito alguma coisa.
Quanto aos encontros para namoro, para Steve são um campo minado por desafios: antes de se preocupar com o que dizer ou vestir em um encontro, ele - como muitas pessoas com deficiência - sente que tem de convencer a mulher de que ele também é um ser humano. Ele deve convencê-las, diz, de que sua deficiência física não anula sua capacidade ou desejo de namorar e fazer sexo - considerando os desafios, não é uma tarefa fácil.
Foco positivo
Aqui, uma revelação espantosa: muitas pessoas acreditam que aquelas com deficiência não podem, não vão e não devem contribuir com o futuro da raça humana, escreve Tobin Siebers, professor da Universidade de Michigan, num ensaio publicado no livro "Sex and Disability" (sexo e deficiência). Essas pessoas acreditam que aquelas com deficiências não são capazes da reprodução, mas se conseguirem, os resultados serão ruins.
Assim, não é difícil imaginar que uma cultura do silêncio tenha enclausurado a comunidade de deficientes. “A sexualidade é, com frequência, a fonte de nossas mais profundas opressões e dores”, diz Anne Fringer, ativista e escritora norte- americana focada em questões de deficiência, que se tornou deficiente após contrair poliomielite quando bebê. Ela diz que é mais fácil para as pessoas com deficiência falar – e traçar estratégias para mudanças – sobre discriminação no emprego, educação e habitação do que entrar a fundo na questão da exclusão da sexualidade e reprodução. Os direitos sexuais não são prioridade para o movimento dos direitos dos deficientes, diz Anne, mas, sim, criar uma imagem de “deficiente apto”.
Em 2011, Tim Rose e sua mulher, Natalie Sanborn, fundaram o Rose Centre para jovens adultos com deficiências. Em parte, a missão do centro é promover discussões e conscientização sobre deficiência e sexualidade (a meta secundária é promover o foco positivo no público em geral nas questões como deficiência, relacionamentos e sexualidade). Tim, de 28 anos, tem paralisia cerebral, enquanto Natalie tem o corpo fisicamente capaz. Eles se conheceram por meio de um amigo comum. Recém-casados, Tim diz que com frequência eles recebem olhares estranhos e perguntas. “Perguntam a ela se é minha mãe ou minha enfermeira”, diz ele. Ainda assim, o casal prefere se manter alegre. Essa atitude positiva levou à criação do Rose Centre: sem recursos para ajudar os deficientes a se encontrarem, os dois decidiram criar um espaço próprio em que isso fosse possível. O centro não tem um local permanente (ainda), mas realiza noites mensais de discussões e eventos sociais na Universidade Ryerson, uma das maiores do Canadá, em Toronto.
Tim diz que pessoas de todas as origens e deficiências participam dos encontros promovidos pelo centro. “Muitas pessoas que vêm dizem que nunca tiveram ninguém com quem falar sobre isso”, diz. “Elas sempre guardam essas coisas para si.” Muitos dos que participam não têm experiência ou não sabem como é um encontro amoroso. Quando se chega ao que se sabe sobre encontros e relações românticas e sexuais, ele diz, muitos participantes estão bem atrasados em seus conhecimentos. E, talvez, sem graça de falar sobre o assunto. Em situações como essas, Tim e mais seis voluntários podem começar a conversa falando das próprias lutas – como Tim não gostava de fazer sexo até que ele “redefiniu” sexo e o tornou confortável para ele – e formas de superá-las.
Tópico controverso
O que, com certeza, não ajuda é o sexo ser um assunto tabu. Quando se trata do mundo dos encontros amorosos, o sentido de tabu pode se traduzir de maneiras esquisitas e humilhantes. Helena*, 33 anos, com atrofia muscular, é aluna de mestrado na Universidade de Toronto e tem um parceiro há dois anos, de quem ficou noiva. Ela está feliz. Mas nem sempre foi assim. Na casa dos 20 anos, ela lembra, muitos caras a viam “somente” como uma amiga ou parceira sexual – mas não como alguém com quem pudesse ter um relacionamento.
Helena sentiu que tinha de decidir se queria ficar sozinha e não experimentar intimidade – ou se deveria se dar a chance, conhecer homens on-line e explorar sua sexualidade. Escolheu abraçar sua sexualidade. Ela e quaisquer pessoas com as quais trocasse mensagens expressavam francamente o interesse em ter sexo. Mas ela também procurou parceiros românticos. Helena acha que o sexo é uma parte natural e bonita da experiência, que deve ser celebrada.
Muitas pessoas têm atração sexual por pessoas com deficiência física – justamente por causa da deficiência. São os chamados “devotos”. Sem surpresa, os devotos são um tópico muito controverso. Entre as muitas preocupações estão: se o tipo de relacionamento explora pessoas com deficiência; se transforma as pessoas em objeto de fetiche; e que tipo de mensagem está sendo enviada quando a deficiência é colocada pela primeira vez. Raymond J. Aguilera é deficiente, escritor, mora na Califórnia e escreve sobre questões de LGBT e deficiência. Ele diz que embora alguns devotos entrem na categoria de “preocupantes”, há homens e mulheres deficientes que escolhem ter relacionamento com um devoto.
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