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domingo, 1 de março de 2015

O estupro como tortura

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Há evidências de que o governo do Sudão usa a violência sexual para aterrorizar civis
Nos anos 2000, um conflito brutal entre o governo do Sudão e rebeldes no Sudão Ocidental causou a morte de centenas de milhares moradores de Darfur e o deslocamento de milhões como refugiados. Em 2004, os Estados Unidos classificaram como genocídio as ações do Sudão. Depois desse momento de atenção, o mundo praticamente esqueceu Darfur. Infelizmente, o governo do Sudão não esqueceu.
Como o governo sudanês rotineiramente exclui jornalistas da região de Darfur e restringe o acesso de trabalhadores humanitários, qualquer janela para a vida na região é limitada. O governo reduziu ao silêncio a missão de paz conjunta dos Estados Unidos e da União Africana com o fechamento do escritório de direitos humanos das Nações Unidas na capital, Cartum, obstruindo o trabalho da equipe que investigava as denúncias de abusos e pressionando a força de paz a se retirar.
Ainda na semana passada, o regime teria convencido a missão de paz a sair de áreas que, segundo ele, estão estáveis. Com isso, as atrocidades em massa continuam a ocorrer em Darfur sem testemunhas de fora. Este é o caso também de Nilo Azul e dos Montes Nuba, duas regiões meridionais devastadas pela tática de terra arrasada do governo.
Mas de vez em quando surge um sinal de evidência. Nos últimos anos, jornalistas locais e defensores de direitos humanos de Darfur e dos Montes Nuba contrabandearam vídeos mostrando ataques com bombas e aldeias incendiadas. Imagens capturadas pelo Satellite Sentinel Project dos EUA confirmaram a queima sistemática e a explosão de bombas improvisadas em pelo menos meia dúzia de aldeias na zona oriental de Jebel Marra de Darfur no ano passado.
Para evitar a vigilância, o governo gastou milhões de dólares fornecidos pelo Catar para criar “aldeias modelos” onde procura assentar darfuris deslocados pela violência. A Human Rights Watch documentou recentemente um arrepiante incidente de estupro em massa em uma dessas aldeias, Tabit.
Após reunir mais de 130 depoimentos de testemunhas e sobreviventes por telefone, os pesquisadores concluíram que 221 mulheres foram estupradas por soldados do Exército sudanês num período de 36 horas em outubro. As tentativas dos agentes da paz de investigar o incidente foram obstruídas, e suas breves entrevistas com habitantes foram realizadas num clima de intimidação.
O Exército, que tem uma base nos arredores, vinha controlando a cidade desde 2011 e não estava tentando expulsar a população de suas casas para ganhar território. A violência sexual não tem nenhum objetivo militar; é uma tática de controle social, dominação étnica e mudança demográfica. Ao agir com impunidade, as forças governamentais vitimam a comunidade inteira. A subordinação racial também é uma mensagem subjacente, já que grupos não árabes são escolhidos para o abuso.
Tribunais de direitos humanos de todo o mundo já decidiram que estupros praticados por soldados ou policiais podem constituir tortura.
Ao emitir suas conclusões sobre os crimes na Bósnia, o Tribunal Internacional para a Antiga Iugoslávia determinou que os estupros de mulheres em dois campos foram atos de tortura, já que a violência sexual foi usada como instrumento de terror. Os estupros em massa em Tabit seguem o mesmo padrão.
Durante nossas visitas a Darfur, aos Montes Nuba e a campos de refugiados em países vizinhos, ouvimos incontáveis histórias como as de Tabit. Esses “estupros de tortura” são apenas uma ferramenta no arsenal criminoso do Sudão, que também inclui o bombardeio aéreo de hospitais e campos agrícolas, a queima de aldeias e a negação de ajuda alimentar.
Com o passar do tempo, a indignação internacional se deslocou de Darfur. Mas nos dois últimos anos Darfur tornou-se importante para o governo sudanês quando grandes reservas de ouro foram descobertas na região norte, que inclui Tabit.
Quando o Sudão do Sul conquistou sua independência, em 2011, a parte do Sudão que ficou para trás perdeu sua maior fonte de receita em moedas estrangeiras: o petróleo. Assim, o ouro se tornou o novo petróleo do Sudão.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), as vendas de ouro renderam US$ 1,17 bilhão ao Sudão no ano passado. Boa parte dele vem de Darfur e de outras zonas de conflitos. O governo tentou consolidar seu controle sobre as minas de ouro do país por meio de uma limpeza étnica violenta.
Infelizmente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas está dividido demais para responder com ações aos crimes que estão sendo cometidos em Darfur e em outras partes do Sudão. Rússia e China, que têm laços comerciais com Cartum por meio da venda de armas e de negócios com petróleo, não estão dispostas a aplicar uma pressão que poderia alterar os cálculos do governo de Cartum. Mas isso não significa que a comunidade internacional não tenha influência.
Bancos internacionais, refinadores de ouro e associações como o Dubai Multi Commodities Center e a London Bullion Market Association deveriam colocar alertas para ouro sudanês e iniciar auditorias para rastreá-lo até suas minas de origem para assegurar que as compras não estão alimentando crimes de guerra em Darfur. A indústria do ouro já adotou uma abordagem parecida com os fornecedores da República Democrática do Congo.
A comunidade internacional impôs sanções irregulares e sem garantias de aplicação suficientes. Os Estados Unidos e outros países deveriam expandir as sanções e avançar na sua aplicação para pressionar o Sudão a observar os direitos humanos e negociar a paz. Mais importante, a próxima onda de sanções americanas deveria ter como alvo os facilitadores, entre eles os bancos internacionais e sudaneses que fazem negócios com o regime.
Os “estupros de tortura” em Tabit são um lembrete de que as mesmas condições que levaram à declaração de genocídio dos Estados Unidos sobre Darfur ainda persistem. Não devemos esquecer dos sobreviventes e precisamos impor medidas para conter os orquestradores e seus facilitadores.
George Clooney, John Prendergasct e Akshaya Kumar/Tradução de Celso Paciornik

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