Giovanna Balogh 28/10/2015
Foram milhares de relatos nos últimos dias de abusos sexuais sofridos na infância por meninas que, agora mulheres, conseguiram escrever sobre o assunto nas redes sociais com a hashtag #PrimeiroAssedio. O psicólogo Alexandre Coimbra Amaral conta que ficou lendo – e remoendo – vários desabafos de amigas e de desconhecidas e que ficou incomodado ao ver como é comum a violência sofrida diariamente por elas na rua, no trabalho ou em uma simples caminhada até a padaria da esquina.
Foram milhares de relatos nos últimos dias de abusos sexuais sofridos na infância por meninas que, agora mulheres, conseguiram escrever sobre o assunto nas redes sociais com a hashtag #PrimeiroAssedio. O psicólogo Alexandre Coimbra Amaral conta que ficou lendo – e remoendo – vários desabafos de amigas e de desconhecidas e que ficou incomodado ao ver como é comum a violência sofrida diariamente por elas na rua, no trabalho ou em uma simples caminhada até a padaria da esquina.
Pai de três meninos, com idades entre 8 e 2 anos, ele diz que acordou de madrugada e decidiu escrever uma carta para os filhos, que estavam em outra cidade enquanto ele dava aulas em Salvador (BA). A publicação em sua página pessoal no Facebook ganhou tamanha repercussão que ele já começou um projeto para escrever um livro infantil tratando de forma lúdica a questão do abuso sexual.
“Sinto que nós, pais, sentimos dificuldades para abordar esse tema com nossos filhos. Costumamos ficar entre a negação [“Se Deus quiser isto nunca acontecerá com os meus filhos, porque eu cuido muito bem para que eles não tenham contato com isto''] e a excessiva fobia [“Prefiro criá-los numa bolha'']'', comenta o psicólogo. Para ele, as duas estratégias parecem falhas pois uma hora eles vão ficar longe dos nossos olhares, então, o melhor é informá-los. “O caminho é o empoderamento, assim como em tantas outras dimensões da vida'', comenta Alexandre, que por dez anos trabalhou com o tema da violência familiar, sobretudo do abuso sexual infantil.
Confira a seguir a carta do psicólogo e leia para os seus filhos:
Meus filhos amados,
Eu preciso que vocês sentem aqui comigo, eu vou explicar porque eu chorei, porque estou com esta cara triste hoje. É sobre todas as mulheres do Brasil. Todas. É muita gente, é muita história, e tem uma parte triste que eu preciso contar-lhes, infelizmente. Podem se assentar, fiquem à vontade. Se eu não conseguir falar e chorar, eu lhes peço um abraço daqueles mágicos, que fazem tudo ficar melhor num instante.
Somos quatro homens, eu e vocês três, e precisamos fazer um combinado, talvez o mais sério que já tenhamos feito até hoje. Lembram da história da Chapeuzinho Vermelho? Que ela estava andando pela floresta, com o coração cheio de alegria, indo visitar a avó dela, e de repente aparece o Lobo Mau? O que ele tenta fazer com ela? Tenta comer. Para isso, ele vai até a casa da vovozinha, se deita na cama dela depois de tê-la comido, e fica ainda esperando pela Chapeuzinho. Por isso ele é Mau naquela hora, porque quer pegar o corpo da Chapeuzinho e fazer deste corpo uma comida para ele.
Há muitas mulheres andando por aí, nas ruas, que são como a Chapeuzinho. Deixaram suas capas vermelhas em casa, mas simplesmente vão pelas ruas com medo de aparecer algum Lobo Mau, querendo comê-las. Sabem, há alguns homens que leem está história da Chapeuzinho e querem ser como o lobo, vocês acreditam nisso? Eles ficam nas ruas, às vezes dentro das casas mesmo. Esperando alguma menina se distrair, às vezes até quando ela brinca. E vão lá e atacam, às vezes com palavrões, às vezes agarrando elas. Isso é uma das coisas mais horríveis que nós, homens, podemos pensar em fazer nesta vida.
Nós podemos querer ser tantos personagens de histórias… podemos ser um Gepeto que cria coisas de madeira, como o Beto nosso vizinho aqui. Acho até que, de repente, ele vai conseguir criar um menino do tamanho de vocês, aí é só a gente pegar o pó de pirlimpimpim que o Ravi ganhou da Fada do Dente para fazer dele um garoto de verdade. Podemos ser fotógrafos, como o Homem-Aranha, e fazer nossas fotos subirem nas paredes e virarem obras de arte para o mundo todo apreciar. Podemos ser o Harry Potter, e soltar nossa voz, em grito, dizendo “Expectro Patronum!'' para combater todos os Você-Sabe-Quem que ainda estiverem escondidos nas trevas e nos cantos escuros da vida.
Por isso, é um combinado que vamos fazer, aqui. Se vocês virem ou sentirem qualquer coisa estranha com um homem maior que vocês, se vocês acharem que este homem leu a história da Chapeuzinho e ficou com vontade de ser o Lobo Mau e comer qualquer garota que estiver por perto, chamem imediatamente outro adulto que vocês sintam que quer ser como o Caçador. Ele não vai matar aquele homem que quer ser lobo, só vai afastar a garota daquele perigo. Se vocês acharem que há alguém assim perto de vocês, querendo ser Lobo Mau com vocês, façam o mesmo. Há homens que querem ser Lobos Maus de meninos, ainda que vocês achem estranho sair por aí vestidos de Chapeuzinho. E, por favor, voltem para casa e contem tudo pra mim e pra sua mãe, não importa o que este Lobo tenha lhes dito. Lobos ameaçam crianças, mas Lobos são Bobos; se esquecem que o amor e a confiança entre pais e filhos é muito maior que qualquer ameaça.
E o nosso último e mais sério combinado: vocês vão crescer, e andar sempre juntos com um monte de gente, meninos e meninas. Se algum dia um garoto destas turmas de vocês falar pra vocês que é legal, que os homens ficam poderosos e famosos na turma por serem Lobos Maus, digam não. Digam não, mesmo que eles digam que vão deixar de ser seus amigos. Amigos verdadeiros não deixam de ser amigos só porque um não fez o que o outro mandou. Digam que vocês fazem parte dos homens que vão ajudar o mundo a não ser mais o lugar em que as mulheres precisam sair correndo pelas ruas, com medo dos Lobos Maus. E voltem para casa, que a gente conversa de novo sobre estas coisas, vocês ganham colinho e amor de mim e de sua Mãe, sempre. Eu sorrirei, gargalharei de alegria por vocês terem resistido à tentação de serem lobos que se acham poderosos e maiorais.
Há outro caminho, meus filhos. Gepeto, Aranha, Harry. E tantos outros que podemos passar a tarde lembrando. Nenhum deles fez nenhuma mulher se sentir humilhada, chorar uma dor que não é do corpo, mas do coração machucado por ter sido atacada por um lobo. Vamos juntos. Nós quatro, hoje, estamos começando aqui nesta família a Liga dos Homens Que Não Querem Ser Lobos Maus. Eu tenho certeza que há muitos homens querendo fazer parte deste grupo conosco, precisamos chamar mais gente.
Juntos somos parte de um mundo que pode ser melhor com as mulheres. É por isso que eu estava chorando. Estava triste pelo que as mulheres, tantas, já viveram com os lobos por aí. Mas o nosso combinado me enche o coração de esperança de novo. Muito grato por vocês serem, sempre, a esperança que vence a tristeza.
Vamos juntos, sempre. Agora, nesta Liga pelo respeito às mulheres.
Eu amo vocês, meus filhos.
(Agora, por favor, eu estou precisando daquele abraço de montinho, todos os três em cima de mim, até eu gargalhar de tanto amor).
Nenhum comentário:
Postar um comentário