30.10.2015
Adital
O projeto "Viravida: histórias de vidas transformadas”, idealizado pelo Conselho Nacional do Sesi [Serviço Social da Indústria] e executado pelo Museu da Pessoa (instituto que tem como objetivo registrar, preservar e divulgar a memória através da coleta de histórias de vida), reúne relatos de pessoas que, de alguma forma, tiveram suas vidas transformadas com a ajuda do projeto.
No total, foram realizadas 90 entrevistas, sendo 46 jovens atendidos pelo projeto, 11 familiares desses jovens, 13 profissionais que fazem parte da equipe do Viravida, 14 representantes de instituições parceiras e seis representantes de empresas, em 19 cidades do Brasil. Estes relatos resultaram no livro "Histórias de vidas transformadas”.
O Viravida é um projeto socioeducativo, criado pelo Sesi, em 2008, que atende a jovens de 16 a 21 anos, vítimas de abuso sexual ou que estejam em situação de exploração sexual. A maioria dos jovens atendidos pertence às classes sociais mais pobres e têm baixa escolaridade. Muitos desses meninos e meninas já passaram por experiências relacionadas ao trabalho infantil, gravidez precoce, uso de drogas e mendicância.
O projeto utiliza uma tecnologia de intervenção social que oferece aos participantes a oportunidade de adquirirem os conhecimentos necessários ao desenvolvimento de suas habilidades. Para que suas vidas sejam transformadas, por meio da inserção no mercado de trabalho. O objetivo é a garantia de direitos e a elevação da autoestima desses jovens, de uma forma que revele suas potencialidades, para que, assim, alcancem a autonomia e o desenvolvimento pleno de suas vidas.
Esses meninos e meninas abriram seus corações e mentes para contarem suas histórias de vida. São relatos de superação, conquistas e realizações. Os nomes e informações que poderiam revelar suas identidades são omitidos, para proteger suas intimidades, e não ficarem mais expostos às atitudes discriminatórias que sempre fizeram parte de suas vidas.
Capa do livro "VIRAVIDA Histórias de Vidas Transformadas” |
O primeiro capítulo do livro, intitulado "Guerreiros”, reúne os relatos dos alunos e ex-alunos do Viravida, que sofreram maus-tratos desde quando nasceram, tiveram suas vidas entregues ao mundo das drogas e da prostituição, e viveram abandonados nas ruas. Eles contam como conseguiram superar as piores fases de suas vidas, como se levantaram do fundo do poço e voltaram a construir sonhos.
Antes de participarem do curso do projeto, alguns jovens se prostituíam para ganharem dinheiro e comprarem drogas. Eles usavam essas drogas para conseguirem se prostituir. Eliane e Danielle são duas jovens que passaram por isso.
Eliane começou a usar drogas aos 12 anos de idade, quando entrou em uma escola estadual, e começou a se envolver com as alunas mais velhas, que se drogavam. "Elas usavam droga e eu me sentia na obrigação de usar também. Não queria ser diferente. Comecei a fumar maconha, mas não gostava, usava só por usar”. A partir dos 15 anos, começou a misturar a maconha com o crack, porque se achava gorda e queria emagrecer. "Comecei a usar maconha misturada com crack para perder peso. Fui fumando, fumando, fumando... Fiquei bem magrinha, bem bonitinha. Aí eu disse: ‘Tá bom, vou parar, senão, vou ficar magra demais e o pessoal em casa vai perceber.’ Mas não consegui mais parar, já estava viciada”, conta Eliane.
Ela diz que, durante um tempo, conseguiu sustentar o vício apenas com o trabalho, mas, depois, começou a roubar e a se prostituir. Quando os pais dela descobriram, foi parar na rua. "A única saída que encontrei foi me prostituir. Quando as pessoas não sabiam pra que era, davam até um dinheiro legal, 70 reais, 50 reais. Mas, quando todo mundo ficou sabendo que eu era drogada, ninguém queria dar mais do que 10 reais por um programa”.
Quando tinha 17 anos, engravidou e parou de usar drogas, mas, depois de algum tempo, quando sua filha completou um ano e um mês, voltou a usar crack novamente. "Queimava as mãos, os lábios, o nariz, a boca. A fissura era tanta! Nem percebia que estava me queimando. Não comia, não dormia. Vivia só para as drogas”.
Eliane começou a usar drogas aos 12 anos de idade, quando entrou em uma escola estadual, e começou a se envolver com as alunas mais velhas, que se drogavam. |
Depois de ficar grávida pela segunda vez, Eliane soube do projeto Viravida e decidiu se inscrever. "Quando eu fui selecionada, foi uma coisa muito boa, porque eu já estava querendo sair das drogas, aí eu vi como uma chance. O Viravida foi uma chance pra eu sair daquela vida”. Hoje, Eliane tem 24 anos, vive com seu filho e seu marido, trabalha como vendedora e tem o sonho de ser feliz e esquecer tudo o que aconteceu no passado.
Outro caso parecido com o de Eliane é o de Danielle, que entrou no mundo da prostituição e das drogas por causa do pai, traficante e usuário de drogas, e da mãe, viciada, traficante e prostituta. Além da mãe, a irmã também fazia programas. "Eu também queria ganhar dinheiro, comprar roupas, sapatos, bijuterias, maquiagem... Ter o que elas tinham”, conta Danielle.
Ela relata que sempre foi uma boa aluna na escola, apaixonada pela língua portuguesa e que sempre foi incentivada pela avó e pela tia. "Minha vida passou a ser assim, dividida entre o modo de vida da minha mãe, prostituta, viciada e traficante, e o da minha avó e minha tia, evangélicas. Graças a elas, eu me mantive na escola e consegui cursar o Magistério até o terceiro ano”.
Mas, infelizmente, Danielle começou a usar drogas. "Logo, comecei a me drogar a pedido dos clientes, ou para ter estômago para enfrentá‑los. Cheirava loló, fumava maconha com crack, tomava muitos comprimidos de tarja preta porque, às vezes, não tinha condições de encarar o homem e satisfazer todos os seus desejos”.
Danielle entrou no mundo da prostituição e das drogas por causa do pai, traficante e usuário de drogas, e da mãe, viciada, traficante e prostituta. |
Danielle relata que, às vezes, fazia programas junto com a mãe e a irmã. "Algumas vezes, fazíamos programa juntas. Quem acertava era minha mãe. Não sei quanto cobrava. Eles contratavam as três juntas. Era horrível, não gosto nem de lembrar!”
Um dia, ela saiu para um programa com sua irmã, e as duas foram estupradas por seis homens. "Depois que fui estuprada, passei a ter medo de encarar a rua, passei a fazer programas eventuais e a ajudar meu pai e a minha mãe a traficar”.
Aos 18 anos, Danielle ficou grávida de um cliente que não quis usar camisinha. "Passou um tempo, ele estava assumindo a pensão da menina, certinho, depois parou. Eu botei ele na justiça. E, hoje em dia, ele dá quando quer”.
Quando Danielle começou a participar do Viravida, ainda fazia alguns programas; depois de alguns meses, parou e começou a frequentar a igreja com sua avó. Atualmente, tem 24 anos, concluiu o Ensino Médio, está empregada como ajudante de serviços gerais e tem o sonho de ter uma casa, se formar e dar um bom estudo para sua filha. Ela está batalhando para realizá-lo.
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