O novo Código de Processo Civil trouxe uma mudança substancial nos conceitos de ação de família e ações de estado, o que implica em mudanças na forma de citação e até na possibilidade de ser ajuizada no Juizado Especial.
Nas ações de família a citação do réu deve seguir desacompanhada de cópia da inicial, possibilitando-se, contudo, sua consulta a qualquer tempo, conforme artigo 695 do novo CPC, sempre privilegiando a mediação e conciliação.
A citação por oficial de justiça é exigida apenas para ações de estado, sendo que nas ações de família pode ser feita por correio, nos termos do artigo 247, I, do novo CPC, o qual remete ao artigo 695, §3º, da mesma lei, apenas para estabelecer a necessidade de a citação ser na pessoa do réu, ainda que por correio, mas não para definir que são o mesmo conceito.
Já o disposto no parágrafo 1º, do artigo 694, determina que o mandado de citação não conterá cópia da petição inicial (contrafé) e citará o réu para comparecer à audiência de conciliação, ao invés de citá-lo para defender-se no prazo legal.
O novo CPC diferenciou ações de estado e ações de família. No entanto, não estabeleceu o que seria "ações de estado", apenas definiu no artigo 693, o que seria “ações de família”, considerando como tal as seguintes ações:
divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.
Contudo no artigo 388, parágrafo único, do novo CPC, diferencia claramente entre ações de estado e ações de família.
Art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos:
I - criminosos ou torpes que lhe forem imputados;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo;
III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível;
IV - que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III.
Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de estado e de família.
Em tese, são ações de estado apenas aquelas que estão diretamente ligadas ao direito de personalidade e dignidade humana, como alteração de nome, de sexo, de nacionalidade e similares. Muito embora, as ações de divórcio usem a terminologia "estado civil", esta palavra não se insere no conceito de "ações de estado".
O artigo 3º, §2º, da Lei 9.099/95 veda apenas o as ações relativas ao estado e capacidade das pessoas.
Art. 3º....
§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
Além disso, o artigo 8º da Lei do Juizado Especial estabelece que: não poderão ser partes, no processo instituído por esta lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
Em razão disso, uma ação de investigação de paternidade é ação de filiação, logo ação de família, e pode ser proposta no juizado especial, exceto se uma das partes for menor de 18 anos ou interditada, ou preso. Também, não é possível a ação exclusiva de alimentos, pois o artigo 8º da Lei 9.099/95 veda pedidos de natureza alimentar.
Contudo, na eventual ação de divórcio de partes capazes, a fixação de alimentos no divórcio, é apenas um pedido acessório, sendo que na maioria das vezes, o alimentando é a criança, o qual não é parte na ação de divórcio. Neste caso, é possível o pedido de divórcio no juizado, ainda que litigioso, desde que haja intervenção do Ministério Público. Ressaltando que nada impede que a ação de alimentos seja em separado, ou até mesmo posterior pedido de Revisão, mas neste caso não pode ser no Juizado Especial, pois é pedido principal.
Apesar de haver pouca discussão sobre a competência do juizado especial, em razão de resistências corporativas, é perfeitamente possível também aviar pedidos de alvarás para levantamento de valores oriundos de depósitos na conta do falecido decorrentes de aposentadoria, FGTS e similares, por exemplo, pois quando a lei 9.099/95 veda "resíduos", são resíduos de ações judiciais que tramitaram na vara comum. Ou seja, se o falecido tem mais bens, e que demanda inventário, isto deveria ser feito na vara comum, mas se o depósito é o único bem do falecido, e não extrapola o valor limite do Juizado Especial (40 salários mínimos), então pode ser protocolado no Juizado Especial.
Também ações como usucapião de bem móvel (e não imóvel) podem ser ajuizadas no juizado especial, pois o usucapião de bem móvel não tem rito especial, apenas o usucapião de bem imóvel.
É preciso com os mitos tradicionais do ensino jurídico que ensinam que “ações de estado” são aquelas em que o Estado têm o interesse em intervir na relação privada e familiar. Afinal, divórcios consensuais, sem filho incapaz, já podem ser feitos nos cartórios extrajudiciais, e até mesmo ações de divórcio litigioso, sem menor ou incapaz, não têm mais intervenção do Ministério Público. Logo, ocorreu uma mudança estrutural no conceito legislativo de “ação de estado” e “ação de família”, embora pouco discutido no meio jurídico.
Logo, no juizado especial é vedado apenas ações de estado como as de nacionalidade, mudança de sexo, interdição, alteração de nome (não mero retorno ao nome de solteira), alteração de idade, pois o mero "estado civil" não é uma ação de estado, pois não se insere nas qualidades da personalidade e da dignidade humana.
Portanto, pode-se concluir que é possível ajuizar as ações de família, previstas no artigo 693 do novo CPC, no Juizado Especial, desde que menores não sejam parte, em virtude da vedação do artigo 8º da Lei 9.099/95, inclusive a citação deve ser feita pelo Correio, como regra. Nada impede que divórcio, ainda que litigioso, e com filho menor incapaz ou interditado, seja aviado no Juizado Especial, pois não são tecnicamente parte, mas neste caso, haverá necessidade de intervenção do Ministério Público.
André Luis Alves de Melo é promotor de Justiça, mestre em Direito Público pela Unifran e doutorando pela PUC-SP
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