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sábado, 22 de setembro de 2012


Estatuto da diversidade sexual criminaliza homofobia e propõe políticas públicas

Lei de iniciativa popular precisa de 1,4 milhão de assinaturas para ser apresentada ao Congresso; pede tratamento igualitário a todos os cidadãos, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero

Evelyn Pedrozo, da Rede Brasil Atual 
Advogada especialista em direito homoafetivo, Berenice Dias
está à frente da proposta do Estatuto da Diversidade Sexual
(Foto: Ricardo Jaeger)

São Paulo – A falta de legislação contundente contra a homofobia em nível nacional e para garantir direitos fundamentais a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais coloca o Brasil em uma posição desconfortável perante organismos internacionais. A advogada especialista em direito homoafetivo Maria Berenice Dias, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) federal, afirma que o índice de crimes de natureza homofóbica no país é assustador. Estatísticas de 2011 apontam 266 homicídios .

"Esta é uma realidade que só pode ser alterada pela via legislativa porque a garantia de direitos pela via jurídica é morosa e muito difícil", disse Berenice, ex-desembargadora de Justiça. Desse entendimento nasceu, no âmbito da OAB, o anteprojeto que cria o Estatuto da Diversidade Sexual, uma lei de iniciativa popular que precisa da adesão de 1% do eleitorado brasileiro, cerca de 1,4 milhão de pessoas, para ser apresentado ao Congresso Nacional.

O documento, lançado em 17 de maio passado, Dia Mundial de Combate à Homofobia, tem 109 artigos, criminaliza a homofobia e cria regras de direito de família, sucessório e previdenciário. Além disso, propõe políticas públicas para todas as esferas governamentais. A proposta é apresentá-lo aos deputados nesta mesma data em 2013.


Para aderir ao abaixo assinado do Estatuto da Diversidade Sexual:



Na exposição de motivos do estatuto, os juristas da OAB ressaltaram que a inexistência de lei não significa ausência de direito e nem pode deixar ninguém à margem da tutela estatal. "A democracia é o direito de todos, não só da maioria. Aliás, as minorias alvo do preconceito e da discriminação merecem tutela diferenciada e mais atenta para terem seus direitos reconhecidos", diz o texto.

Os advogados destacam que, atento à realidade de discriminação e de "descaso do legislador", o Poder Judiciário, há uma década, tem reconhecido direitos ao público LGBT, tanto no âmbito estadual quanto federal. Por exemplo, desde 2001 são reconhecidos aos casais homossexuais direitos previdenciários, pensão por morte e inclusão em planos de saúde. Já há mais de mil decisões.

Ante o alto número de decisões judiciais, algumas passaram a ser adotadas administrativamente, como as de pensão por morte, auxílio-reclusão, pagamento do seguro obrigatório de veículos (DPVAT), expedição de visto de permanência ao parceiro estrangeiro e inclusão do companheiro como dependente no imposto de renda.

O estatuto destaca a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com as mesmas garantias da união estável heteroafetiva. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, existiam 60 mil casais declarados homoafetivos no Brasil.

A OAB argumenta que ninguém duvida que existe um direito subjetivo à livre orientação sexual e à identidade de gênero. Mas que por se tratar de segmento social vulnerável há necessidade de regras protetivas diferenciadas. O documento incorpora alguns projetos de lei que tramitaram e tramitam no Congresso sem atenção do Poder Legislativo.

O anteprojeto destaca que é chegada a hora de acabar com a invisibilidade jurídica da população LGBT, alvo de perversa discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero. "Impõe-se verdadeira mudança de paradigma a toda a sociedade. Todos precisam aprender a conviver com a diferença. Não só no mundo público, mas nos mais diversos segmentos da iniciativa privada. A postura omissiva, que acabava por chancelar o assédio social e moral na escola, no ambiente de trabalho não tem mais espaço. Do mesmo modo é preciso dar um basta à homofobia. Criminalizando que se arvora o direito de desprezar, ferir e matar."

Para a OAB, sem uma lei federal, as decisões judiciais se baseiam nas leis vigentes e no entendimento de cada juiz. Já com o estatuto, o tratamento de todos passaria a ser igual.

Troca de nome
Berenice Dias, que advoga em Porto Alegre, destacou que a Justiça gaúcha vem admitindo o direito à troca de nome e da identidade de gênero depois da cirurgia de troca de sexo (transgenitalização), em atenção ao pedido de transexuais. Após a decisão, elas levam o documento para averbação em cartório e depois das retificações nos campos "nome" e "sexo" podem retirar nova carteira de identidade, CPF e demais documentos. É praticamente um renascer.

No caso de travestis, segundo a advogada, é um pouco mais complicado obter o direito à troca do nome pelo fato de elas não passarem pela cirurgia. "Temos um único antecedente, uma decisão inédita da Justiça do Rio Grande do Sul, que admitiu à travesti alterar o nome", destacou Berenice.

Existem também algumas decisões favoráveis para a troca do nome social antes da cirurgia. "São aquelas que apresentam documentos que provam terem feito dois anos de tratamento psicológico e psiquiátrico. No entanto, elas não querem esperar mais. O problema é que as cirurgias feitas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) estão suspensas no Rio Grande do Sul por falta de verba", lamentou Berenice Dias.

Abaixo alguns trechos da proposta:



  • O estatuto visa a inclusão de todos, o combate à discriminação e a intolerância por orientação sexual (leia entrevista a respeito com o psiquiatra Ronaldo Pamplona), identidade de gênero e criminaliza a homofobia para garantir igualdade de oportunidades e a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos. Reconhece igual dignidade jurídica a heterossexuais, homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, intersexuais, individualmente, em comunhão e nas relações sociais, respeitadas as diferentes formas de conduzirem suas vidas, de acordo com a orientação sexual ou identidade de gênero.
  • Ninguém pode ser discriminado e nem ter direitos negados por sua orientação sexual ou identidade de gênero no âmbito público, social, familiar, econômico ou cultural. 
  • É considerado discriminatório, em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero: proibir o ingresso ou a permanência em estabelecimento público, ou estabelecimento privado aberto ao público; prestar atendimento seletivo ou diferenciado não previsto em lei; preterir, onerar ou impedir hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares; dificultar ou impedir a locação, compra, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis; proibir expressões de afetividade em locais públicos, sendo as mesmas manifestações permitidas aos demais cidadãos.  
  • Todas as pessoas têm direito à constituição da família e são livres para escolher o modelo de entidade familiar que lhes aprouver, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. 
  • A união homoafetiva deve ser respeitada em sua dignidade e merece a especial proteção do Estado como entidade familiar e faz jus a todos os direitos assegurados à união heteroafetiva no âmbito do Direito das Famílias e das Sucessões
  • É indispensável a capacitação em recursos humanos dos profissionais da área de saúde para acolher transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais em suas necessidades e especificidades. 
  • É assegurado acesso aos procedimentos médicos, cirúrgicos e psicológicos destinados à adequação do sexo morfológico à identidade de gênero. 
  • É garantida a realização dos procedimentos de hormonoterapia e transgenitalização particular ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS).   

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