Reforma do Código penal e Lei Maria da Penha: alerta para retrocessos!
O que representa o novo Código Penal para nós mulheres? A proposta da comissão de juristas já foi encaminhada ao Senado e @s parlamentares estão trabalhando nas suas emendas. As bancadas religiosas e os grupos conservadores já estão preparando estratégias de incidência e precisamos nos apropriar do que representa esta mudança, para garantir que os avanços se concretizem e impedir retrocessos, especialmente no que refere à Lei Maria da Penha. O prazo para apresentar propostas de emendas é 05 de outubro.
Sistematizamos aqui alguns temas que nos atingem mais diretamente e suas implicações práticas. De forma geral, a proposta da comissão de juristas traz retrocessos em diversos temas. A principal diretriz da reforma é tornar o Código Penal central no que refere a legislações punitivas e diminuir ao máximo as legislações extravagantes, dentre elas a Lei Maria da Penha.
Principais Focos de Retrocessos:
1. Lei Maria da Penha:
• A reforma prevê a substituição da pena (por medidas alternativas), no crime de lesão corporal, e isso inclui os casos de violência doméstica (art. 129, § 6º).
• Esta reforma é a continuidade de um processo que visa a colocar a violência doméstica no rol de crimes de menor potencial ofensivo, como consta na proposta de reforma do Código de Processo Penal, que atribui competência aos juizados especiais civis e criminais (JECCs) para julgar as ações referentes à violência doméstica. Isso representa um retrocesso importante, pois os procedimentos de atribuição dos JECCs têm como uma das características a celeridade e a mediação como instrumentos de garantia de "solução" dos casos, o que não deveria ocorrer nos casos que envolvam a LMP, por todas as implicações e conquistas que representam um juizado específico. A prisão preventiva e outras medidas cautelares também correm sérios riscos se a alteração ocorrer.
• Ainda no que se refere ao art. 129, fica extinto o parágrafo 9º, que havia sido incluído pela Lei Maria da Penha e previa uma qualificadora (aumentando a pena) em caso de violência doméstica. Com a reforma, o item fica excluído.
• No que se refere ao crime de ameaça, de acordo com novo código, ele volta a necessitar de representação, ou seja, a mulher terá que entrar com uma queixa-denúncia e poderá retirá-la a qualquer momento.
• Não é mencionada a proibição de substituição de pena em caso de violência doméstica por prestação de serviços à comunidade ou cestas de alimentos.
• Também não se leva em consideração o crime de sequestro realizado por cônjuge, companheiro(a), marido.
2. Dignidade sexual:
• A proposta prevê a exclusão do estupro mediante fraude, ou seja, aquele estupro realizado por meio de drogas ("boa noite cinderela" e bebidas alcóolicas, e etc) ou outras formas que impossibilitem o consentimento da mulher.
• Não se menciona o estupro coletivo (realizado com o concurso de várias pessoas ou por um agente em várias mulheres), nem o estupro corretivo (aquele realizado com a finalidade da "cura" da homossexualidade).
• É reduzida a idade de meninas em que se presume o estupro. Com a proposta, ela diminui de 14 para 12 anos.
• A reforma do código equipara exploração sexual à prostituição.
3. Infanticídio:
• Mulheres durante o estado puerperal (durante ou pós-parto) ou sob o efeito "perturbador" deste continuam sendo punidas, com pena de 1 a 4 anos. Isso porque, nessa lógica, mesmo que a mulher esteja fora do seu estado psicológico normal, a perturbação mental não pode ser considerada com excludente de ilicitude.
4. Feminicídio:
• O novo código não menciona este crime, apenas inclui como qualificadora ao crime de homicídio aquele realizado "em contexto de violência doméstica ou familiar". Isso pode gerar dúvida em relação à sua aplicabilidade, por exemplo, no caso de namorado que mata a namorada, sem viver em contexto familiar.
5. Bullying:
• O código cria um novo tipo penal chamado "intimidação vexatória" que só procede mediante queixa, podendo ser retirada a qualquer tempo. Esse novo tipo penal coloca sob a mesma tutela crimes como "assediar sexualmente" ou "discriminação racial", deixando-os para serem analisados criminalmente em função da subjetividade da pessoa envolvida.
Diante dessa proposta, consideramos urgente a necessidade de instalarmos um debate sobre nosso posicionamento com respeito à proposta acima, considerando a conjuntura ultraconservadora e fundamentalista no Legislativo, o poder das bancadas religiosas para fazer valer suas posições retrógradas, e, ainda, o contexto das eleições municipais.
Histórico
A comissão de juristas (formada por procurador@s, juiz@s, defensor@s públic@s e advogad@s e presidida pelo ministro Gilson Dipp), foi criada pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e concluiu os trabalhos de formulação de proposta para mudanças do Código Penal em junho de 2012. Em alguns estados, como SP e RJ, foram realizadas audiências públicas.
Em seguida, a proposta foi encaminhada ao Senado, onde tramita atualmente.
Uma vez recebida pelo Senado, instalou-se a Comissão Especial com a seguinte composição de senador@s: Presidente: senador Eunício Oliveira (PMDB/CE) e Vice, senador Jorge Viana (PT/AC); Relator, senador Pedro Taques (PDT/MT). Demais membros: Marta Suplicy (PT/SP), José Pimentel (PT/CE), Ana Rita (PT/ES), Sérgio Souza (PMDB/PR), Vital do Rêgo (PMDB/PB), Luiz Henrique (PMDB/SC), Jayme Campos (DEM/MT), Eduardo Amorim (PSC/SE), Gim Argello (PTB/DF), Lídice da Mata (PSB/BA), Ricardo Ferraço (PMDB/ES), Benedito de Lira (PP/AL), Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP), Clovis Fecury (DEM/MA), Magno Malta (PR/ES) e Armando Monteiro (PTB/PE).
O prazo para apresentar emendas ao projeto vai até dia 5 de outubro. Poderá haver relatório-geral e relatórios parciais e a proposta de realização de audiências públicas está em aberto.
Vale destacar que há, de parte do Senado Federal, esforço e vontade política no sentido de votar ainda esse ano a reforma do CP. Depois, o projeto segue para a Câmara, onde o trâmite deve ser mais lento.
Brasília, 12 de setembro de 2012.
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