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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A escola ideal, a melhor e 3 milhões sem nenhuma das duas

ISABEL CLEMENTE
Nas duas últimas semanas, foram tantas as más notícias sobre Educação no Brasil que soa muito fora do tom debates sobre os motivos que fizeram a escola tal cair do topo para o subtopo do ranking do Enem. Dá vergonha.

O Enem virou uma referência importante sobre o ensino no país, eu sei, um termômetro bem-vindo numa emergência desprovida de primeiros socorros e sobretudo de vacinas contra essa epidemia geral da ignorância. E é natural também a ansiedade da família em saber como está cotada a escola do filho. Só que o mais grave revelado pelo Enem é a presença rara de escolas públicas entre as melhores. Isso nos diz o seguinte: nossos filhos estarão condenados a viverem numa sociedade muito desigual, violenta e intolerante por muito tempo ainda. Colocá-los numa bolha não é a solução.

Enquanto muita gente, de olho nos jornais, se perguntava se era o caso de tirar o filho da escola A e botar no colégio B, muito mais bem colocado no Enem, o Plano Nacional da Educação era aprovado numa esvaziada sessão da Comissão de Educação do Senado. Para quem não conhece, esse plano trata, entre outras metas, da universalização do ensino. Ainda estamos discutindo no Brasil a entrada de 3,2 milhões de crianças e adolescentes na escola. Se isso não é uma catástrofe social, não sei que nome dar. E o plano não entrou em vigor, aliás, falta cumprir todo o ritual legislativo (iniciado em 2010!) até virar lei. Pressa pra quê?

Nossa incompetência para educar foi novamente comprovada pelo exame do PISA. O Brasil, que sempre deu vexame nesse ranking internacional da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) continua mal. É o 58º entre 65 nações que tiveram alunos avaliados, a despeito de algum progresso no desempenho dos alunos em Matemática (tema principal da prova deste ano) ao longo de dez anos. O ministro da Educação, Aloisio Mercadante, exagerou no teatro governamental classificando a ligeira melhora dos alunos em Matemática como um “triunfo“. Também senti vergonha alheia. Como disse Sergio Besserman, em comentário na rádio CBN, na semana passada: quem está entre os últimos lugares só pode melhorar mesmo. O problema é que nunca avançamos o suficiente e estamos longe, infelizmente, de dar o salto necessário. Quantas gerações mais continuarão condenadas ao ensino público de baixa qualidade?

A última má notícia veio do MEC cancelando 270 cursos superiores por ineficiência. O MEC suspendeu 44 mil vagas de cursos que foram reprovados, duas vezes seguidas, numa avaliação que o ministério realizada a cada três anos. Fora as faculdades repreendidas por outros resultados ruins, que estão impedidas de criar cursos e ampliar vagas.

É bom lembrar que nem o Enem nem o PISA captam o pior da nossa história.  Falo das escolas onde os alunos - desprovidos de sonhos e perspectivas - sequer se inscreveram no exame nacional de acesso à universidade (Enem) porque, para eles, cursar o ensino superior, ainda que fosse um desses sofríveis cursos que o MEC interditou, é uma meta irrealizável. De fora do PISA ficaram não só os milhões que não estão na escola mas uma parcela considerável de estudantes com mais de dois anos de atraso escolar. Imagina se todos tivessem feito a prova? O resultado, segundo especialistas, seria ainda pior.

Enquanto isso, continuam discutindo qual a melhor escola para matricular os filhos em cima de migalhas, diferenças de pontos que não dizem nada sobre o potencial de uma escola para formar bons cidadãos porque a melhor nem sempre é a ideal.  São muitos os ingredientes da tal felicidade e realização pessoal.

Sem desmerecer o diagnóstico dado pelo Enem, há muitos critérios que precisam ser levados em conta como por exemplo a integração da criança ao ambiente que ela frequenta. Vivemos numa sociedade competitiva. Somos compelidos à comparação, mas nem todas as competências trabalhadas numa escola têm como ser comparadas nem todas as crianças se adaptam a um clima de competição acirrada. O saber, esse eterno cobiçado que nem ascendeu à condição de notório ainda, é uma costura delicada de lições e convívio.

O pesquisador José Francisco Soares, professor de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, em entrevista à Folha de São Paulo, afirma que "os fatores que estão fora da escola respondem por mais de 70% de seu desempenho". Por isso eu levo em conta critérios como quem são os amigos e os pais dos amigos das minhas filhas. Partilham dos meus valores? Não é só uma questão de encontrar gente legal, e sim de encontrar afinidades sobre o essencial da vida. Pode ser que o meu essencial seja diferente do seu. Tem gente que dá sentido à vida consumindo. Eu gosto de compartilhar experiências. Seria muito ruim nutrir um permanente desconforto diante dos demais responsáveis, mas há quem ache isso normal em escolas onde os pais sequer se conhecem. Isso não está no Enem. Você não precisa se tornar o melhor amigo do pai do melhor amigo do seu filho. Só que faz sentido alguma aproximação.

Responsáveis integrados à vida escolar é um pilar essencial da boa escola, pública ou privada. Não basta pagar e checar o ranking do Enem depois. Tem que ir lá.

Eu prezo ainda critérios como diversidade, estímulo à curiosidade intelectual e à leitura, incentivos às artes e ao esporte. Quero uma escola que ensine minhas filhas a se expressar para que elas consigam se virar, seja lá qual for o caminho profissional escolhido. Desejo uma escola que some esforços com os meus na missão de formar jovens com consciência crítica, e isso o Enem também não avalia. Sobre inclusão, algo que muita escola privada ainda não entendeu pra que serve (fora o risco de baixar a média geral no vestibular, algo que não pega bem na propaganda), faço minhas as palavras do professor Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais:"a política de você atrair só o bom aluno é detestável socialmente".

Sabemos que se houvesse uma debandada da classe mais abastada para a rede pública, o resultado das escolas sofreria um impacto considerável. Quase uma revolução. Pense em tudo que você gasta com educação e imagine se você, num ato de extremo desprendimento, doasse apenas um terço para melhorar aquilo que é obrigação do governo oferecer para todos, conforme está na Constituição. No auge do sonho, imagine ainda que você não precisasse se preocupar com o conteúdo nem com os professores, porque eles teriam bons salários e boas propostas de carreira e aprimoramento, voltando ao patamar de reverência e referência do qual desfrutavam no passado. Escolas públicas passariam a figurar no topo das melhores das cidades.

Agora pode acordar e não se sinta pressionado. Ainda que a gente (ou um grupo de loucos) quisesse fazer tudo isso, não haveria vagas para todos.

Revoluções dão muito trabalho e estamos muito ocupados para tratar disso a uma hora dessas.

Sabe qual é o problema? Ninguém se sente responsável pelos três milhões e 200 mil crianças que nem estudam.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/isabel-clemente/noticia/2013/12/b-escola-idealb-melhor-e-3-milhoes-sem-nenhuma-das-duas.html?folder_id=171

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