Por Jones Figueirêdo Alves
Estado de espírito, sonho humano, sentido de realização pessoal, garantia de paz, a felicidade é a concretude ideal da pessoa humana em sua existência. Intrínseca e imutável à própria dignidade das pessoas, a felicidade também é um valor social e uma questão política de educação pública. Cogita-se pensar, agora, encontrarmos um conceito jurídico da felicidade, enquanto bem da vida, bem juridicamente considerado.
Este foi o tema central do IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado entre 20 e 22 de novembro), em Araxá (MG), quando nada obstante seja amplamente complexo um conceito geral de felicidade, filosoficamente fundado, Eduardo Carlos Bianca Bittar — palestrante da abertura — chega a afirmar que “somente uma rede de direitos pode tornar possível as condições para a afirmação dos múltiplos projetos de vida (...) que buscam, aos seus modos e de suas formas, diversos meios de afirmação de felicidade.”
Nesse contexto, a felicidade, ou mais precisamente a sua busca, apresenta-se como um direito social de primeira relevância, em magnitude de um escopo constitucional que a coloque ao lado de direitos socialmente expressivos como o direito à moradia digna, à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança, e muitos outros (artigo 6º da Constituição), essenciais a atuarem, uma vez arregimentados, como indicadores fundantes de uma felicidade coletiva.
Em seara do Direito de família, e a partir da família, em suas diversas manifestações como grupos, arranjos familiares ou entidades devidamente identificadas, esse direito à felicidade revela-se como fonte primária de realização dos projetos de vida, parentais e institucionais, que a própria família tece no conjunto de suas expressões.
Felicidade como bem jurídico extrai-se do bem-estar social, que deve ser alcançado nas diversas relações sociais que uma sociedade complexa, multifacetária e conflituosa experimenta em seu cotidiano, e bem por isso deve significar, antes de mais, uma felicidade coletiva.
Com inegável acerto, Bianca Bittar sustenta:
“A chave da normatização e da efetivação do direito à felicidade, enquanto Direito Social, parece uma boa alternativa. No âmbito da família isso é ainda mais importante, pois somente diálogo, amparo, tolerância, compreensão, cuidado, proteção, mediação de conflitos, assistência social, solidariedade, respeito, podem tornar possível as formas de realização deste tecido de valores que permitam um ambiente familiar capaz de resistir às ondas de transformação do mundo moderno.”
De fato. A família precisa da felicidade como premissa de base maior para a sua subsistência permanente, independente dos influxos que a modernidade possa sugerir em suas ambiguidades ou contradições. A família não é somente um retrato na parede.
Assim, o direito à felicidade é um exercício de instrumentação à própria dignidade da família, à medida que serve à própria sociedade, como um todo, ante a especial circunstancia de a sociedade ter origem em cada um de seus núcleos familiares.
Pois bem. Não custa lembrar que a busca da felicidade como direito já tem assento em diversas Cartas Politicas que orientam os ordenamentos jurídicos de diversos países. Esse direito personalíssimo, inerente a cada uma das pessoas, serve como objetivo maior do Estado, em edificação de uma sociedade mais justa e harmônica.
Com efeito, a Declaração de Independência dos Estados Unidos (4 de julho de 1776), instituiu dentre determinados direitos inalienáveis, a vida, a liberdade e a busca da felicidade, quando escrita por Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e outros juristas e intelectuais, servindo de Carta Política da nação fundada. Esse direito aparece pela vez primeira como intrínseco à natureza dos homens, criados iguais pelo Criador.
Tal direito de busca também se acha insculpido em outras Constituições, a exemplo do Reino do Butão (artigos 9º e 20, 1), Japão (artigo 13) e Coréia do Sul (artigo 10); a partir da assertiva finalística de o Estado promover as condições necessárias de fomento a efetivar uma felicidade coletiva.
Nessa diretiva, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1798, França) também preconiza a felicidade coletiva, prevendo que as reivindicações pessoais devem sempre se destinarem à obtenção de uma felicidade geral.
De tal conduto, importa assinalar que Proposta de Emenda à Constituição brasileira 19, de 2010, de autoria do senador Cristovam Buarque, altera o artigo 6ª da Carta de 1988, para incluir o direito à busca da felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito.
A emenda propõe a positivação do direito da busca de ser feliz, sob o pálio de o Estado cumprir corretamente suas obrigações para com a sociedade e, para além disso significando que “a busca individual pela felicidade pressupõe a observância da felicidade coletiva”.
Mais precisamente, haverá a felicidade coletiva sempre quando adequadamente for atendida toda a pauta obrigacional do Estado na satisfação dos mais elementares direitos sociais já constitucionalizados. Em menos palavras: “uma sociedade mais feliz é uma sociedade mais bem desenvolvida, em que todos tenham acesso aos mais elementares direitos sociais”.
Segue-se daí, a propósito, o Índice Nacional de Felicidade Bruta – INFB - que a Carta Politica do Butão estabelece como indicador macro (art. 9º) reunindo todos os indicadores sociais que empreendem a medição do padrão de vida e qualidade de governo, como formas que sinalizam o bem-estar social.
Ora bem. Qualidade de vida também está prevista no artigo 4º da Lei 8.078, de 11.09.1990 — Estatuto de Proteção do Consumidor — quando a norma assinala que a politica de relações de consumo tem por objetivo, dentre outros, o respeito à dignidade do consumidor e a melhoria de sua qualidade de vida.
Isto implica dizer que a melhor qualidade de vida é uma das formas da busca da felicidade como direito impostergável.
Quando agora a felicidade ganha uma dimensão ético-normativa, e seu direito de busca apresenta-se como direito social à dignidade das pessoas, sinalizando-se uma urgente conveniência de efetiva-lo como um direito estatuído e regulado, nada melhor que o “locus” da família, como primeiro universo normativo desse referido direito.
O homem sempre teve fome do absoluto. Antes de mais, cumpre, portanto, a lei orienta-lo melhor nessa busca incessante de sua felicidade.
Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Revista Consultor Jurídico
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