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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Entre dois momentos

As transições são bem mais significativas do que os eventos para os quais temos um nome.

POR
Gustavo Gitti

Edição 135
  
Acabei de voltar de Val d'Orcia, região da Toscana, na Itália. Mentira: nunca se chega lá. O gps está certo, as fotos saem lindas, mas o corpo não consegue abraçar toda a paisagem. No máximo você toca um cipreste, bebe um Brunello di Montalcino, come a bistecca alla Fiorentina da osteria Acquacheta, passa por microexperiências vaporosas, e a Toscana, como qualquer espaço, segue inatingível.

No tempo, é também impossível fincar os pés. Não vivemos antes, nem depois ou agora. Vivemos entre. Nunca verdadeiramente partimos ou chegamos. No budismo tibetano, há uma palavra para tal estado intermediário: bardo. "Bar" significa "entre"; "do" significa "suspenso", "ilhado". É como se nunca conseguíssemos especificar um ponto de começo ou fim. Estamos sempre no meio do caminho.

Em vez do clássico mantra hedonista "Aproveite o momento!", eu ouviria algo assim: "Aproveite aquilo que você não considera um momento digno de sua atenção completa". Tão ou mais importantes do que os principais eventos de nossa vida são as transições. É nos instantes de passagem que nos distraímos e originamos brigas, confusões, sem saber ao certo de onde vieram. No corredor entre o quarto e a cozinha, no trânsito para a festa, na hora de ir embora, quando reabrimos a porta de casa...

Saber direcionar boas transições não só prepara as experiências de pico: tudo muda, pois 99% do mundo vivido é feito de momentos entre-deux. Em geral, como damos valor apenas para ações ilusoriamente pontuais (reificados por nossa linguagem: sexo, almoço, show, reunião, aula), acabamos criando transições rápidas. Por que tanta pressa em sair da cama? Podemos notar que acordamos e manter os olhos fechados, observar como está a mente, relaxar, começar lentamente a esticar o corpo... Ou, antes de dormir, soltar as tensões, presenciar a respiração, desgarrar das preocupações - ações simples que aumentam a qualidade do sono. O mesmo vale para processos maiores, de início ou término de relações, trabalhos, qualquer coisa. Se começarmos a focar nisso durante nossas conversas, por exemplo, não duvido que surja uma nova palavra para nomear a transição entre ouvir e responder.

Reinhard Flatischler, criador da TaKeTiNa (método que usa o ritmo para o desenvolvimento humano), diz que um dos segredos para um trabalho transformador está nas transições: se mal feitas, geram cansaço, desconfiança, separação no grupo. Grande desafio lembrar disso a cada fade in e fade out da vida.

Gustavo Gitti é professor de TaKeTiNa e trabalha em espaços de transformação

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