Resumo
Considerando o compromisso do Estado brasileiro de coibir e prevenir a violência contra a mulher, firmado em várias conferências internacionais e tendo em vista a promulgação da Lei 11.340/06 – a Lei Maria da Penha –, este artigo tem como objetivo realizar uma reflexão sobre a incorporação dos homens e da perspectiva de gênero nos esforços de prevenção e atenção à violência contra as mulheres. Apesar do crescente interesse da literatura científica e da intervenção em saúde com o envolvimento dos homens, em especial, no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, comparativamente, reflexões e intervenções com homens autores de violência contra a mulher têm recebido bem menos atenção de órgãos governamentais, não-governamentais e pela academia. O artigo apresenta alguns conceitos e dados sobre a violência contra as mulheres e descreve um panorama sobre a conexão entre gênero, saúde e masculinidades; analisa trabalhos que abordam os temas homens e violência contra as mulheres e apresenta algumas ações voltadas à prevenção dessa forma de violência junto à população masculina; e por fim tece algumas considerações finais sobre o tema.
Palavras-chave: Homens; Masculinidades; Gênero; Violência contra a mulher.
Daniel Costa Lima - Psicólogo. Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: costalima77@gmail.com
Fátima Büchele - Doutora em Enfermagem. Professor Adjunto II da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: buchele@mbox1.ufsc.br
Danilo de Assis Clímaco - Bacharel em Ciências Sociais. Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: daniloclimaco@hotmail.com
Publicado originalmente em Saúde Soc. São Paulo, v.17, n.2, p.69-81, 2008
Introdução
Em 1996, a 49ª. Assembléia das Nações Unidas declarou que a violência é um grande e crescente problema de saúde pública ao redor do mundo, tendo consequências de curto e longo prazo para indivíduos, famílias, comunidades e países (Krug e col., 2002). A questão da violência se transforma em problema para a área da saúde na medida em que afeta a saúde individual e coletiva, demandando a formulação de políticas públicas específicas e a organização de serviços voltados à prevenção e tratamento (Minayo, 2005).
Como apontado por Wieviorka (2006), as diferentes formas de violência, assim como as suas representações, não podem ser encaradas como fenômenos a-históricos e destituídos de subjetividade. Por meio desse olhar, torna-se possível a compreensão da complexidade das violências e como as suas diferentes formas são ora toleradas e ora condenadas, de acordo com momentos históricos e diferentes circunstâncias (Minayo, 2005).
O presente artigo aborda uma das formas de violência que por mais tempo permaneceu tolerada e até estimulada socialmente: a violência de homens contra as mulheres.
A Organização das Nações Unidas afirma que a violência contra as mulheres persiste em todos os países do mundo como uma violação contundente dos direitos humanos e como um impedimento na conquista da igualdade de gênero (ONU, 2006). Ela reconhece ainda que a violência contra as mulheres é um grave problema de saúde pública, pois afeta profundamente a integridade física e a saúde mental das mesmas (Krug e col., 2002).
De acordo com Sheiham (2001), um problema de saúde pública deve contemplar algumas condições: a doença ou agravo deve ter alta prevalência; ter consequências severas nas sociedades e indivíduos; dispor de efetivos métodos de prevenção, alívio ou cura e o custo para sociedades e indivíduos ser alto.
Estudos e pesquisas nacionais e estrangeiros realizados sobre o tema, desde a década de 1990 (Heise, 1994; Fundação Perseu Abramo, 2001; Krug e col., 2002; Brasil, 2003; OMS, 2005; Pesquisa Ibope, 2006; ONU, 2006; Schraiber e col., 2007 etc.), comprovam que a violência de homens contra mulheres contempla todas as condições apontadas por Sheiham (2001). Todavia, Castro e Riquer (2003) alertam sobre a existência de um paradoxo nas investigações em torno da violência contra a mulher na América Latina, já que mesmo sem respostas conclusivas sobre as causas do problema, parece existir uma sensação de esgotamento do tema.
Dentre as várias respostas ou reflexões que não foram dadas, ou realizadas, uma das mais marcantes (pela sua invisibilidade) refere-se à inclusão dos homens autores de violência no processo de prevenção e atenção à violência contra as mulheres. A IV Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em 1994, no Cairo, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em 1995, em Beijing, são marcos do debate sobre a importância do maior envolvimento dos homens, em especial no campo dos direitos sexuais e reprodutivos. Nesses dois fóruns de discussão, afirmou-se como diretriz a busca de uma maior participação masculina na promoção da saúde, sendo a prevenção da violência contra mulheres e crianças um campo especial de atenção. Porém, apesar dos avanços observados nos últimos anos, até o momento, poucas experiências concretas com homens ou que aliam saúde da mulher e homens/masculinidades foram implementadas na América Latina (Arilha, 2005).
Rothman e colaboradores (2003) e ONU (2006) referem que a maioria dos países já desenvolveu recursos legais, médicos e sociais para lidar com a violência contra a mulher (o que não significa que os mesmos estão sendo efetivamente implementados), contudo, comparativamente, intervenções com os homens autores dessa violência têm recebido bem menos atenção de órgãos governamentais, não-governamentais e pela academia.
Relatório de 2006 da ONU cita o envolvimento próativo de homens e garotos no desenvolvimento de estratégias e na implementação de ações de prevenção da violência contra a mulher, como um dos princípios
norteadores de práticas promissoras na prevenção dessa violência. O relatório indica que programas de reabilitação com autores de violência contra a mulher representam uma possível estratégia de prevenção e
enfatizam a necessidade de mais estudos para avaliar o real impacto dos mesmos.
Organizações não-governamentais brasileiras, que atuam com o público masculino há mais de 10 anos, destacam o impacto positivo de ações que incorporam a abordagem de gênero e masculinidades e homens de todas as idades em ações voltadas à saúde. Sobre as intervenções direcionadas à prevenção e atenção da violência, Saffioti (2004) aponta: As pessoas envolvidas na relação violenta devem ter o desejo de mudar. É por esta razão que não se acredita numa mudança radical de uma relação violenta, quando se trabalha exclusivamente com a vítima. Sofrendo esta algumas mudanças, enquanto a outra parte permanece o que sempre foi, mantendo seus habitus, a relação pode, inclusive, tornar-se ainda mais violenta. Todos percebem que a vítima precisa de ajuda, mas poucos vêem esta necessidade no agressor. As duas partes precisam de auxílio para promover uma verdadeira transformação da relação violenta (2004, p. 68).
O momento propício para este debate no Brasil pode ser ilustrado pelos recentes acontecimentos: 1) Intenção do governo federal de instituir a Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem; 2) A promulgação da Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, em 2006, que tem gerado visibilidade nunca antes vista para a temática da violência contra a mulher e para os homens autores dessa violência; 3) Promulgação da Lei 11.489, em junho de 2007, que institui o dia 6 de dezembro como Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Assim, baseado, por um lado, na escassez de informações sobre esse tema e, por outro, no cenário atual que sugere um maior interesse pelo mesmo, este artigo objetiva realizar uma reflexão sobre a incorporação dos homens nos esforços de prevenção e atenção à violência contra as mulheres.
Para tal, são apresentados alguns conceitos e dados sobre a violência contra as mulheres, e descrito um panorama sobre a conexão entre gênero, saúde e masculinidades. Em seguida, trabalhos que abordam os temas homens e violência contra as mulheres são analisados e algumas ações voltadas à prevenção desta forma de violência são apresentadas. Por fim, são elaboradas algumas considerações finais.
Acesse na íntegra em pdf: Homens, Gênero e Violência Contra a Mulher, por Daniel Costa Lima, Fátima Büchele e Danilo de Assis Clímaco (2008)l
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