Por Ana Flávia Oliveira - iG São Paulo
Sociólogo diz que lógica do poder público para diminuir casos de violência de gênero está "calcada na punição"
Aumentar a rede de proteção para a mulher vítima de agressão e trabalhar com os agressores podem ser mais eficientes do que apenas punir na tentativa de diminuir o número de casos violência de gênero. A opinião é do sociólogo e filósofo Sérgio Barbosa, coordenador do serviço de responsabilização para homens autores de violência, da ONG Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.
Segundo Barbosa, que usa reflexões e discussões filosóficas sobre o papel dos gêneros na sociedade para trabalhar com homens enquadrados na Lei Maria da Penha, um dos maiores entraves para reduzir índices de violência doméstica ainda é a burocracia do serviço público. “A sociedade tem que aumentar a rede de proteção à mulher, ampliar número de delegacias especializadas, captar equipes nos bairros para que o primeiro ato de violência gere uma denúncia e homem e mulher envolvidos sejam ouvidos [na delegacia e/ou justiça] e alguma coisa seja feita. Tem que esperar o homicídio para a polícia e órgão públicos atuarem?”
Ele diz que, contrariando a “lógica [dos órgãos públicos] calcada na punição”, o índice de reincidência de homens que participaram dos grupos reflexivo promovidos pela ONG é muito baixo em comparação aos que não o frequentam. “A gente só sabe se ele de fato comete violência novamente ao sair daqui, se houver nova denúncia. Mas de 162 homens atendidos, apenas três voltaram”. Os grupos foram implantados na ONG em 2009. Fora do programa, diz ele, o índice de reincidência beira os 70%.
A participação em 16 sessões é uma obrigação imposta pelo Juizado Criminal da Violência Doméstico. Dos cerca de 20 agressores atendidos atualmente em dois grupos diferentes, apenas dois são voluntários. Frequentar o grupo mantém o agressor em liberdade, ao não ser que ele desrespeite a lei novamente. A pena para os enquadrados na Lei Maria da Penha varia de três meses a três anos de prisão.
Mudança de discurso
Para Barbosa, além do baixo índice de reincidência, a eficiência do programa está na mudança de discurso do agressor com o passar do tempo. Ele diz que, nas primeiras sessões, os homens encaram o programa como uma “punição” e se sentem “vítimas” da situação, mas vão entendendo que a responsabilidade é deles e mudam o discurso após cerca de seis encontros.
“No começo, o discurso [do homem] é revanchista. Eles dizem que foram injustiçados, que não foram ouvidos no fórum ou na delegacia, têm raiva da mulher que o denunciou e é muito comum acusarem a companheira para reverter o quadro e justificar a atitude deles”, diz Barbosa.
Abordando assuntos como violência de gênero, masculinidade, a parternidade, sexualidade, drogadição e alcoolismo, direitos humanos, família, Lei Maria da Penha, cidadania e relações de gêneros, os agressores vão, aos poucos, mudando a forma de pensar e agir, segundo Barbosa.
“A vida toda dele foi construída sobre uma grande pressão sobre o que é ser homem, que ele tem que ter o domínio e o predomínio da situação. Aqui muda a forma de pensar porque fazemos um debate profundo sobre a vivência de ser homem. O objetivo é criticar essa postura masculina na sociedade de resolver os conflitos por meio da violência e trazer elementos para que ele possa ressignificar a vida toda. Após ele entender o processo, fica mais atento aos seus reflexos nas ações cotidianas”, diz Barbosa.
Segundo ele, a violência é um traço social e não pode ser tratado como doença. “A violência parte do prima sócio-histórico e não é uma patologia. É uma doença social que legitima a violência contra as mulheres”.
Violência Sexual
Para o ginecologista Jefferson Drezett, coordenador do projeto “Bem Me Quer” do hospital Pérola Byington, na região central de São Paulo, referência no atendimento de mulheres e crianças vítimas de violência sexual, o poder público deve garantir tratamentos diferenciados a vítimas e agressores para reduzir também os índices de violência sexual.
“Acompanhamento psicológico e tratamento psiquiátrico para o estuprador é a única maneira de mudar o cenário que a gente tem. A punição com prisão é a pior forma. Ele vai preso, depois sai sem nenhuma alternativa para aquele comportamento. Não há nenhuma garantia de que que ele não vai estuprar de novo. Mas países que investiram em tratamento psicológico têm uma taxa de reincidência muito menor que os que não ofereceram”, diz.
Além disso, ele critica os sistemas de proteção para as vítimas de violência sexual. “O sistema é feito para a sociedade, que espera que a mulher se adeque a ele. O sistema é burocrático, é insensível com as mulheres. As pessoas não têm preparo para atender vítimas de estupro, fazem piadas com a situação, delegados acham que a mulher facilitou. O assunto é tratado com pouca seriedade porque o sistema é retrógrado e ineficiente”, diz Drezett.
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