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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Um livro sobre criar filhos funcionou comigo

Muitos autores escrevem histórias inspiradoras e didáticas sobre educação de crianças que sempre deixam lições, mas eu nunca tinha visto um efeito tão rápido

ISABEL CLEMENTE

Na casa de todo mundo, tem choro e gritaria. Tem bronca quase todo dia. Tem criança respondona. Tem pai irritado, mãe cansada. Na casa de todo mundo, tem alegria diária, demonstrações de carinho e uma bagunça danada.

Na casa de todo mundo, tem gargalhada na hora errada, agitação no lugar da calmaria. Na casa de todo mundo, comida cai na mesa e parede aparece rabiscada.

Na casa de todo mundo, tudo dá errado de vez em quando porque dar limites e educar não é uma delícia 24 horas por dia. E é por isso que a gente gosta tanto de ler artigos, reportagens e livros que nos ofereçam alguma luz para contornar imprevistos, domar hábitos ruins ou lidar melhor com tudo isso.

Foi com esse interesse que meus olhos foram fisgados pelo título do livro da americana Pamela Druckerman. Crianças francesas não fazem manha (Editora Fontanar). O livro foi um best seller da lista do inglês Sunday Times e ficou em destaque nos estandes das melhores livrarias do Rio por muito tempo. Pudera. Quando vi o título pensei "como é que é?". O título é ótimo.

Por algum tempo, o livro repousou acanhado e permaneceu soterrado sob promessas de leitura mais antigas empilhadas na cabeceira. Eu só me lembrava dele quando minhas filhas estavam abusando do direito de encrencar. Um belo dia, eu li. Antes de contar como esse livro surtiu efeito lá em casa, deixa eu comentar um pouco a proposta dele.

O livro surgiu do aprendizado da autora, americana, diante do choque cultural com famílias francesas. Observadora atenta dos outros e de si mesma, Pamela tem o mérito de tirar lição dos contrastes e de se surpreender com tudo. Por identificação e estranhamento, ela questiona o próprio modo de vida e a cultura da qual está impregnada. Europeus e americanos são muito diferentes. Se for para generalizar e rotular, em tempos de globalização, hábitos importados e comportamentos aprendidos, eu diria que os brasileiros têm um pouco dos dois e mais um monte de características que nos tornam únicos também.

Pamela Druckerman trata desde a gestação até o ótimo sistema de creches francesas com pessoal treinado onde as mães deixam seus filhos, mesmo não tendo que trabalhar.  Segundo Pamela, as francesas grávidas estão mais preocupadas em relaxar e curtir do que se abastecer de informações sobre recém-nascidos. Elas são também mais magras do que as americanas, Pamela observa. A jornalista notou que as mães de lá, de maneira geral, reagem com tranquilidade ao chamado estridente de recém-nascidos, não se apressam e conseguem que seus bebês “cumpram“ a noite toda com poucos meses de vida. Ela percebeu também o quanto a cultura francesa está determinada por seus rituais de cozinhar e comer com tempo – algo que ensina as crianças a saber esperar. Mas também encontrou defeitos que a incomodaram, como a pouca dedicação à amamentação.  Algumas francesas, diz Pamela em determinado trecho do livro, “ficam perplexas por eu ainda estar amamentando minha filha aos 9 meses“.  Bem informada, a escritora leu os principais teóricos franceses sobre pedagogia infantil para beber da mesma fonte que influenciou as famílias que lhe causam perplexidade. Conclui que os franceses são muito firmes com as crianças, mas lhes oferecem uma enorme liberdade de experimentação dentro dos limites estabelecidos. São mais tranquilos do que os americanos, estes sim, ávidos por antecipar o aprendizado dos rebentos. Os franceses não se sentem culpados por deixar as crianças lidar com o tédio e aprenderem a brincar sozinhas. Gostei disso. Para ela, os franceses de maneira geral não se acorrentam a um ideal de perfeição nem buscam isso. Gostei bastante desse trecho também. Bem humorado e bem escrito, o livro é a vida de uma americana morando em Paris, daí só quem já sentiu na pele o tratamento ríspido que os parisienses dispensam a estrangeiros pode imaginar como essa aventura de ter uma família adaptada à cidade luz deve ter sido sofrida.  Ela mesma não se furta a dizer que a expressão de desprezo deve ter nascido em Paris. Em resumo, apreciei o que li.

O mais incrível é que o livro começou a agir lá em casa antes mesmo de eu ler a primeira página. Foi assim que aconteceu: um dia, minha filha mais velha viu a capa do livro na minha mesa e leu o título.

“Crianças francesas não fazem manha. O que é manha?“, ela pergunta.
“Pirraça, crianças francesas não são malcriadas“, digo.

A reação dela foi parecida com a minha na livraria.

“Não fazem!??“, perguntou, olhos arregalados. “Sério isso?“
“Sério. Não fazem. É o que o livro diz. Incrível, né?“, disse, mantendo a radicalidade da afirmação na minha fala.

Ainda chocada, ela observou o desenho da capa, com uma mulher tomando café e um casal de crianças comportadas à mesa.

“Mas...“, balbuciou a menina de 8 anos. "Eu vou SUMIR com esse livro!", disse, quase confiscando a publicação subsversiva.
"Vai nada. Eu comprei para aprender como se faz!“
“Ma-mãe!?“ – diz, olhar de incredulidade pra cima de mim.
“Quié? Com esse livro vou conseguir que vocês nunca mais façam manha, pirraça. Nunca mais me darão respostinhas. Saberão se comportar enfim!“, digo, cheia de decisão.
“Eu...vou ficar toda fresquinha e arrumadinha? Comportadinha?“

Segurei a vontade de rir, olhei para ela como quem encontrou o Santo Graal e ainda fiz suspense antes de responder.

“...vai!“
“Nãooooooooo!“, gritou, antes de sair correndo.

Ela foi contar a terrível novidade para a irmã, que voltou mansa e com um apelo sob encomenda.

“Mamãe, por favor, não usa esse livro com a gente não“, disse a caçula, 4 anos, impregnada pela preocupação da irmã.
“A gente melhora!“, disse Letícia, prometendo mundos e fundos, acompanhada pela irmã que com tudo concordava.

Enquanto minha mente rolava de rir, mantive meu papel.

“Sinceramente, não sei. Eu vou ter que ler para conhecer todos os segredos primeiro“.
“Mas mamãe...a gente não quer ficar fresquinha, cheia de coisinha...“
“A gente vai ficar sentada sempre num restaurante?“
“SEM-PRE!“
“Nãooooooo!!!!“
“A não ser que vocês me obedeçam...sem fazer manha!“.
“Obedecemos!!!“.

De repente, eu tinha duas crianças brasileiras sem fazer nenhuma manha para me atender. Era um milagre. Pamela Bruckerman candidata a beatificação. A partir daquele dia, usei este artifício mais algumas poucas vezes diante de uma pirraça iminente.  “Vou usar os truques do livro já já, hein!“, eu dizia, ameaçadoramente debochada.

Devo confessar, porém, que o efeito durou pouco. Elas já fugiam rindo do livro, como se da capa fosse sair um feitiço imediato. Minha credibilidade foi por terra na primeira gargalhada. Se bem que a criança mais velha continua ressabiada. "Mamãe, criança faz manha, não tem jeito". E ri junto comigo das nossas dificuldades.

Como brasileira, não posso ser mãe de duas francesinhas, por suposto, mas gosto muito de conhecer novas ideias. Porque na casa de todo mundo...você sabe.

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