Marco Sanchez
Em "All Love’s Legal", inglesa apresenta simplicidade e leveza sonoras que escondem ideias complexas e uma forte mensagem política sobre questões de gênero.
Pode-se amar ou odiar o trabalho de Planningtorock, projeto da artista multimídia inglesa Jam Roston, mas não se pode dizer que ele seja entediante.
Em 2011, o prestigioso selo americano DFA – de James Murphy, do LCD Soundsystem – lançou W, o segundo disco da artista baseada em Berlim, transformando Planningtorock na grande queridinha da cena musical berlinense.
A música era marcada por um clima sombrio, com orquestrações eletrônicas e ruídos distorcidos e estranhos, acompanhados por uma mudança física no rosto da artista.
"A minha imagem para aquele disco veio da manipulação vocal que eu construi no estúdio. Queria não só brincar com a minha imagem, mas também com a questão do gênero", declarou a artista à DW Brasil em 2011.
Foi exatamente desse ponto que Roston partiu para construir seu mais recente trabalho. No novo álbum, ela refinou seus conceitos para poder alcançar o que realmente queria com suas ideias.
All Love's Legal pode, à primeira vista, parecer um álbum fácil, mas, a cada nova audição, a música e as ideias da artista se revelam, mesmo que de uma maneira simples, e mostram sua complexidade, sem vergonha ou máscaras.
"Foi uma decisão consciente que a música desse novo disco fosse feliz, divertida e convidativa, para eu poder adicionar letras com uma forte mensagem política. Minha ideia era tornar fácil e acessível o ato de pensar sobre algo difícil e complexo", conta a artista.
Música útil
Novo álbum tenta alinhar ideias complexas e música acessível |
Depois que voltou da turnê deW, Roston teve uma espécie de crise criativa. Ela percebeu que queria criar música que a fizesse se sentir livre e inspirada. "Durante o verão de 2012, eu me propus o desafio de criar uma música sobre o patriarcado. Assim nasceu Patriarchy Over & Out. Depois que terminei a faixa, se tornou claro para mim como o novo disco deveria ser", diz a cantora.
Com o fim da crise criativa, Planningtorock percebeu que seu propósito em fazer arte era "criar música que fosse útil". Assim, ela começou o processo de concepção, composição e gravação de All Love's Legal, que durou cerca de dez meses.
Em seu disco anterior, a artista mapeava suas intenções políticas através de sombrias instrumentações eletrônicas e da distorção de suas feições, usando próteses e máscaras, o que algumas vezes tinha um resultado dúbio. Já em All Love's Legal, a temática e as letras funcionam em perfeita sintonia com as batidas marcadas e orgânicas, e com as belas orquestrações eletrônicas.
As letras, que muitas vezes podem soar simplistas, fazem sentido no espectro sonoro criado por Roston. O resultado é agradável na primeira audição, mas, com o tempo, ganha uma densa complexidade, sem perder a leveza.
Em All Love's Legal, as letras, a música e o conceito por trás de ambas parecem ter a mesma importância, elevando a sonoridade de Planningtorock para um agradável e instigante processo.
"All Love's Legal" mostra uma artista sem máscaras
Mas a escolha por esse caminho, a princípio simples, não tira a força de um álbum ambicioso, onde simplicidade, mensagem política e beleza não deixam de ser intrigantes. O tema principal de All Love's Legal é a questão do gênero e o disco prova que se despir de gêneros funciona melhor para a artista do que colocar uma máscara.
"Música é uma linguagem tão sofisticada e versátil, capaz de comunicar tantas coisas. Seria ótimo se as pessoas usassem a música para expressar suas ideias políticas, mas a música deve ser diversificada e não apenas uma coisa ou a outra. Usamos a música em diferentes momentos e situações", comenta Roston.
Abolir o próprio gênero
O disco marcou também outra grande mudança para a artista. Em sua técnica de diminuir o tom e processar a voz, ela buscou uma sonoridade que abolisse o entendimento de gênero.
Cansada de uma sociedade onde o gênero tem um papel profissional tão importante, Roston compôs, gravou, tocou e produziu todo All Love's Legal e, como parte do processo e do conceito do projeto, aboliu seu próprio gênero.
"Mudar meu nome de Janine para Jam foi o desejo de ter um nome sem gênero e isso se entrelaça com outras questões tratadas no disco. All Love's Legal foi motivado pela necessidade de aproximar minha vida real e minha música", afirma a artista.
Perturbações e interferências não são palavras normalmente associadas à música pop, mas Planningtorock busca quebrar as normas. Em certo momento do álbum, ela canta que "gênero é apenas uma mentira", não deixando dúvidas sobre sua opinião em relação à igualdade.
O mais impactante é que o direto e de certa maneira simples discurso do disco não esconde seu caráter altamente político, mas nunca é didático ou esquemático.
Planningtorock mudou seu nome de Janine para Jam, buscando se livrar de definições de gênero |
Ela consegue atacar fortemente o patriarcado sem ser pedante, estimulando a reflexão através de sua eletrônica mais pop e dançante e, ao mesmo tempo, criando um espaço para discussões. Seu ataques são claros e pontuais, como quando ela manda o patriarcado "sair do seu caminho".
Parece que Planningtorock achou algo que faltava na sonoridade e no conceito de seus discos anteriores: o senso de humor. Sua mensagem, em som e letras, está mais acessível e ao mesmo tempo mais efetiva.
A nova atitude da artista também pode ser vista, ouvida e sentida nas apresentações ao vivo. "O novo show é divertido e aberto. Estou tentando falar mais com o público, compartilhar ideias e risadas. Acabei de terminar a primeira turnê do disco e aprendi muito com esses shows. Devo preparar novos vídeos para uma nova turnê mais para o final do ano. Adoraria voltar ao Brasil, meus shows por lá foram muito divertidos", conta.
No palco e fora dele, o visual continua sendo uma parte importante do trabalho de Planningtorock. A própria artista é responsável pela direção dos videoclipes de All Love's Legal. Entre turnês, produção de novos artistas e o lançamento de um novo EP nos próximos meses, ela quer ainda ampliar a relação entre música e imagem. "Estou escrevendo a trilha sonora para a nova animação de Marjane Satrapi, que dirigiu Persepolis". Fãs e curiosos mal podem esperar.
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