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sábado, 26 de abril de 2014

POR QUE AS CRIANÇAS FRANCESAS NÃO TÊM DÉFICIT DE ATENÇÃO

Artigo: classificar como transtorno, tratar como doença e entupir as crianças de remédios pode transformar precocemente comportamentos sociais em sintomas médicos

Nos EUA, Ritalina para a falta de concentração; na França, psicoterapia ou aconselhamento familiar
Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%. Como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?

TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos EUA, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento preferido também é biológico — medicamentos psicoestimulantes, tais como Ritalina e Adderall.

Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, veem o TDAH como uma condição médica que tem causas psicossociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social de fundo com psicoterapia ou aconselhamento familiar. É uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.

Os profissionais franceses não usam o mesmo sistema de classificação de problemas emocionais infantis utilizado pelos psiquiatras americanos. Eles não usam o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou o DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como uma resistência à influência do DSM-3. Esta alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores band-aids farmacológicos para mascarar os sintomas.

Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e reparar o que estava errado no contexto social da criança, menos crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que tende a “patologizar” muito do que seria um comportamento normal da infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças sintomáticas, e também os incentiva a tratar as crianças com produtos farmacêuticos.

Juventude medicada: 9% das crianças em idade escolar nos EUA foram diagnosticadas com déficit de atenção

A abordagem psicossocial holística francesa também permite considerar causas nutricionais para sintomas do TDAH. Mais especificamente, como o comportamento de algumas crianças piora após a ingestão de alimentos com corantes, certos conservantes, e/ou alérgenos. Os médicos que trabalham com crianças com problemas — para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH — estão bem conscientes de que as intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos EUA, o foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o comportamento das crianças.

E depois, claro, as filosofias empregadas na educação infantil norte-americana e francesa são muito díspares. Estas filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro, Bringing up Bébé. Acredito que suas ideias são relevantes para a discussão, pois o número de crianças francesas diagnosticadas com TDAH em nada se assemelha aos números que estamos vendo nos Estados Unidos.

A partir do nascimento dos filhos, os pais franceses oferecem um firme cadre — que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de quatro meses.

Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França.

Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes inversa.

Tradução por Jeanne Pilli, do blog Cultivando o Equilíbrio
* Artigo publicado originalmente no site da revista norte-americana Psychology Today, aqui a continuação do debate (e aqui, traduzido)

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