As mulheres de um bairro carente de Campinas se organizaram para impedir a violência doméstica. Lá, homem que bate fica sem sexo. E pode apanhar
THAIS LAZZERI
O sotaque cearense não sumiu em dez anos no Estado de São Paulo. O ritmo acelerado da líder comunitária e cozinheira Maria do Carmo Pereira de Sousa, de 44 anos, está em sua voz, que não se calou para as agressões contra mulheres no Jardim Colúmbia, uma área carente na periferia de Campinas, em São Paulo. Sem Twitter ou Facebook, Maria do Carmo montou um grupo de autoajuda que reúne 200 mulheres que lutam contra a violência doméstica. O trabalho ganhou destaque porque elas não apenas falam, mas agem de diferentes maneiras contra os agressores. “Quando as moradoras perceberam que quem estava com a gente não apanhava, se juntaram”, diz Maria do Carmo. Na quarta-feira passada, a voz de Maria foi ouvida fora de sua comunidade. Chegou à Universidade Estadual de Campinas, espaço onde ela depôs no primeiro fórum sobre violência contra a mulher.
Maria do Carmo foi uma das primeiras a chegar à comunidade, em 2008, depois da morte de um filho, vítima de dengue no Rio de Janeiro. Hoje, há cerca de 200 casas. De líder para assuntos sobre a posse da terra – o terreno onde vivem foi invadido –, ela avançou para dentro das casas na primeira vez que viu a violência de perto. O rosto de uma moradora da comunidade foi queimado. Para Maria do Carmo, ela disse que encostara o rosto no fogão. Não contou que o marido a arrastara e segurara seu rosto até ser consumido pelas chamas. Revoltada com a violência e a impunidade, Maria do Carmo organizou um grupo de 12 mulheres, para coibir os abusos.
A primeira vítima a defender apareceu no fim de semana seguinte. Maria do Carmo diz que os homens, no fim de semana, chegam em casa bêbados, com vontade de bater. Os gritos de uma moradora encheram a madrugada, e o grupo de mulheres – que Maria do Carmo chama de “chapa” – reagiu. Elas enfrentaram a raiva do agressor e conseguiram contê-lo. Ali mesmo, decidiram uma punição para o sujeito: 15 dias sem direito a lazer, bebidas alcoólicas e sexo. A regra vale até hoje, pouco menos de dois anos depois. “Homem só transa se a mulher quiser. Se não, é estupro”, afirma. As mulheres de Campinas seguem, assim, as mulheres de Atenas da peça Lisístrata, de Aristófanes, escrita em 411 a.C. As atenienses da ficção se recusaram a fazer sexo enquanto a guerra contra Esparta prosseguisse – e conseguiram a paz. Na literatura, Jorge Amado descreveu, no romance Tereza Batista cansada de guerra, uma greve das prostitutas de Salvador liderada pela personagem-título do livro. Coube à ativista liberiana Leymah Gbowe levar essa ideia para a vida real. Em 2002, ela passou a pregar a greve do sexo como forma de dar fim à guerra civil que consumia seu país. O conflito terminou no ano seguinte, e Leymah recebeu o Nobel da Paz.
A “chapa” de Maria do Carmo vai além. Em alguns casos, o agressor de mulheres apanha das mulheres. Bater, afirma Maria, foi o jeito encontrado por elas para amedrontar os recalcitrantes. Ela justifica esse comportamento condenável pela falta de alternativas. “A polícia não se interessa por mulher que apanha”, diz.
Para a secretária executiva da Secretaria de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves, a sensação de impunidade sentida por Maria do Carmo e seu grupo tem duas razões. A primeira é a lentidão da Justiça brasileira. O caso da atriz Luana Piovani, agredida pelo também ator Dado Dolabella, levou cinco anos. O segundo motivo é a falta de informação quanto à legislação. A Lei Maria da Penha, de 2006, é reconhecida erroneamente como a lei que prende o agressor. “Se não for flagrante ou descumprimento da decisão do juiz, o homem permanece em liberdade”, afirma Aparecida.
O método de ação direta das mulheres de Campinas tem seus próprios problemas. Maria do Carmo conta que na semana passada, depois de sete meses sem nenhuma queixa, a “chapa” voltou a agir num caso em que um dos moradores foi acusado de trair a mulher com uma vizinha. Ele apanhou e foi expulso. “Não batemos para machucar. É só para passar vergonha”, diz Maria do Carmo. De defensor da integridade física das mulheres, o grupo passou a defender a honra delas. Trata-se de um abuso evidente de poder, que pode ter consequências perversas.
Maria do Carmo diz que seus métodos funcionam: “Os homens amansaram”.
O método de ação direta das mulheres de Campinas tem seus próprios problemas. Maria do Carmo conta que na semana passada, depois de sete meses sem nenhuma queixa, a “chapa” voltou a agir num caso em que um dos moradores foi acusado de trair a mulher com uma vizinha. Ele apanhou e foi expulso. “Não batemos para machucar. É só para passar vergonha”, diz Maria do Carmo. De defensor da integridade física das mulheres, o grupo passou a defender a honra delas. Trata-se de um abuso evidente de poder, que pode ter consequências perversas.
Maria do Carmo diz que seus métodos funcionam: “Os homens amansaram”.
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