Babá leva crianças para um clube na zona oeste de SP (Foto: Carlos Cecconello – 24.fev.2011/Folhapress) |
A cena descrita acima mostra uma clara terceirização da criação de uma criança. Mãe e pai não se preocuparam em nenhum momento em acalentar o filho. E a terceirização seguiu durante o almoço…a babá deu comida, distraiu a criança e saiu para trocá-la enquanto o casal almoçou e conversou sem interrupções apesar de haver um bebê na mesa.
Todo mundo sabe que a mulher moderna ao trabalhar fora e cuidar da casa e dos filhos muitas vezes precisa de ajuda, seja de uma empregada doméstica ou de uma babá ou ainda da avó da criança. Cada um estrutura sua vida de acordo com a sua rotina e com as suas necessidades, ou seja, tem gente que opta em cuidar de tudo sozinho e outros que preferem um ‘help’. Mas, até que ponto essa mãozinha extra pode ou não ser saudável?
O que vemos com muita frequência é mãe com os filhos e a babá até em momentos de lazer, como no parque ou no shopping, quando os cuidados daquela criança ficam apenas no entorno da mulher de branco. A mãe mesmo estando ‘presente’ naquele espaço físico dá mais atenção às compras, por exemplo, do que saciar o interesse ou necessidade do filho. “Fulana, a escova de dentes dele está boa?”, disse uma mãe a uma babá outro dia em uma perfumaria. Ou seja, essa mãe não escova os dentes do filho? Nem uma vez por dia para saber se a escova está ou não mastigada?
O psicólogo e terapeuta familiar, Alexandre Coimbra Amaral, diz que o objetivo não é condenar quem contrata uma babá, que cuida com carinho e afeto dos nossos filhos. Ele alerta, no entanto, que precisamos de cautela para não entregar a elas o cuidado e o lugar de referência. “É uma perda considerável para a criança e para os pais, porque eles deixam de viver a beleza que poderiam viver com o filho e às vezes nem tinham conhecimento. Os filhos deixam de tê-los como esteio, e isso constrói socialmente uma lacuna que é importante, embora eles não estejam descuidados necessariamente. Eles vão olhar para os lados, ver outros pais que sim, cuidam, e pensarão: “os meus não estão tão do meu lado assim”. Isto é uma fonte de sofrimento, quando chega à consciência”.
MOMENTOS DE LAZER
O psicólogo diz que as horas de lazer são momentos de construir “pequenos e sucessivos rituais de conexão com nossos filhos”, ou seja, é nesse momento que eles conhecerão melhor quem somos (seus pais) e nós teremos acesso às suas crenças e como estão construindo a sua visão de mundo. “Isto é de uma riqueza insubstituível”.
Amaral diz que se a babá fizer apenas os cuidados básicos não há problema algum. O que deve ser evitado é a babá funcionar como figura central de apego, ou seja, o adulto de referência emocional que dá sustentação psíquica para a criança construir sua exploração do mundo. “O problema é que queremos tudo: queremos ter filhos, continuar com nossas vidas cheias de compromissos, mas não temos a capacidade de suportar que nossos filhos se estruturem mais na confiança de outro adulto do que de nós. Sofremos quando não somos estas figuras de referência”.
O problema, portanto, é a transformação do cuidador terceirizado em figura de referência, figura central de apego. “A intimidade com a criança constrói naturalmente esta conexão, a criança passa a confiar e precisar da presença daquele adulto que, em frequência e excelência de cuidado, está do lado dela. Se os pais estão mais fora do que dentro do seu cotidiano, a criança vai construir esta ligação com um terceiro, necessariamente”.
MOMENTOS DE INTIMIDADE
Uma mãe pode trabalhar fora e ainda sim cuidar/criar muito bem de seu filho desde que compartilhe com ele momentos de intimidade e entrega, ou seja, chega do trabalho e brinca com ele, dá banho, jantar e o coloca para dormir. “A mãe que contrata babá de fim de semana, babá noturna, enfim, não está na linha de frente do cuidado do filho que fica desnutrido afetivamente, ou seja, há a terceirização da criação”, comenta o psicólogo.
Amaral diz que é preciso achar uma forma de equilibrar a soma entre trabalho, lazer, vida privada dos pais e não obstruir a disponibilidade mínima de tempo e energia que um bebê precisa, principalmente, nos dois primeiros anos de vida (fase de simbiose), quando a formação do vínculo com ele é crucial para o bom desenvolvimento. Ou seja, cada pai, cada mãe vai encontrar – mesmo aos trancos e barrancos – o seu ponto de equilíbrio. “Ser mãe e pai dá trabalho, exige tempo, esforço, mudanças internas, reorganização da vida, das metas, da rotina, das prioridades. Exige muitas metamorfoses, que são inclusive o que a gente trabalha com as mulheres puérperas, que começam a sacar isso logo que estão naqueles duríssimos primeiros meses, pós-nascimento do filho, acostumando-se às novas rotinas e sobretudo à nova identidade”.
O psicólogo conta que a mãe que trabalha fora não precisa terceirizar, mas compartilhar o cuidado por algumas horas seja com a babá, com as professoras da escola ou com a avó da criança. “Se tomamos o provérbio africano “it takes a village to raise a child” [é preciso uma vila para criar uma criança], na formação da ‘vila’ os pais se responsabilizam qualitativa e quantitativamente pelo cuidado dos filhos, ou seja, não delegam para terceiros, mas contam com a ajuda de outros adultos”, afirma Amaral. “Terceirizar é repassar a responsabilidade, é alienar-se da função em sua grande parte. Compartilhar é outra coisa. Compartilhar o cuidado é reconhecer que se necessita de uma vila para se criar uma criança”.
O terapeuta diz que muitas vezes quando coloca em uma sala de terapia os pais e os “cuidadores terceirizados” para conversar sobre a criança. “O resultado em muitos momentos é constrangedor para os pais, porque a babá, por exemplo, é quem dá as respostas mais precisas sobre quem é a criança que ela cuida”.Segundo Amaral, isso acontece porque são elas quem convivem mais com a intimidade daquela criança e, portanto, tem acesso às minúcias do que ocorre em suas vidas. “Os pais podem se transformar em figuras distantes, ainda que com um papel marcado como, por exemplo, de mero provedor financeiro”.
DEDICAÇÃO SUFICIENTE?
Amaral diz que quem vai dar sinas de que o tempo dado pelos pais não é suficiente é a própria criança. Ele conta que uma vez presenciou uma garota dizer: “eu tenho tudo o que quero, quando eu quero, menos o que eu quero, que é você, pai”.
Muitas vezes as crianças não vão falar tão diretamente, principalmente as menores, mas vão dar sinais que podem ser desde birras, problemas de convivência com colegas, irmãos, rejeição ou extremo apego à outra figura de cuidado, como a babá. “É o filho quem vai dizer se está bem para ele a quantidade e a qualidade da presença materna ou paterna. Quando ele sente falta, dá algum sinal. Na verdade estão apresentando sintomas para trazerem seus pais de volta”. E seu filho, já deu algum sinal de que algo não vai bem?
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