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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Homens e violência conjugal: uma análise de estudos brasileiros, por Kátia Oliveira e Romeu Gomes

Resumo
O estudo analisou qualitativamente 54 textos brasileiros sobre homens e violência conjugal, relacionados a atividades de pesquisa ou de intervenção. Primeiramente caracterizou-se o material quanto aos temas abordados,  o foco principal e ao tipo de texto. A seguir fizeram-se sínteses e análises das principais considerações dos textos a partir dos eixos temáticos encontrados: diferentes inteligibilidades da problemática, magnitude da violência conjugal, sentidos de homens relacionados à violência e intervenções e/ou políticas junto a homens agressores. A análise teve como parâmetro o ramo de discussões nacionais e internacionais que se esforça por ultrapassar a polêmica em torno da definição do problema como “violência de gênero” ou “violência conjugal”, cunhando sobretudo o pressuposto de que existem diversos estilos de conjugalidade violenta. Concluiu-se que a maior  unanimidade dos estudos é pensar a problemática como questão relacional de gênero. Defendeu-se, por fim, a ideia de que a escolha da melhor abordagem articuladora entre os polos da polêmica ainda demanda mais  investigações, com metodologias qualitativas junto a atores de diferentes camadas e grupos sociais. Quanto às intervenções, propõem-se investimentos no maior número possível de alternativas, valorizando a singularidade dos casos.

Palavras-chave: Violência conjugal, Gênero, Masculinidade, Literatura de revisão, Promoção de saúde

Introdução
A violência conjugal ganhou visibilidade sobretudo pelos movimentos feministas, que denunciaram o poder patriarcal e seus efeitos de opressão dos homens contra as mulheres. Suas ações compreenderam mobilizações sociais em prol da punição exemplar dos agressores; intervenções, como abrigos para mulheres vítimas, grupos de conscientização para mulheres e mais tarde também para agressores; e ainda estudos que comprovaram a alta prevalência da violência contra as mulheres e as severas consequências para a saúde delas.

No campo da saúde pública, o tema da violência masculina no espaço privado só ganhou atenção após um percurso que se deu primeiramente pela renovação da perspectiva quanto às diferenças de morbimortalidade entre homens e mulheres, com uso de teorias feministas, e depois com análises sobre violência masculina na vida pública. Nesse caminho, agora já se defende a ideia de que mulheres e homens, embora de diferentes modos, têm problemas de saúde em razão da violência conjugal.

No Brasil, o tema ganhou importância social a partir dos anos 80, quando, segundo Grossi, “violência contra a mulher” tornou-se sinônimo de “violência conjugal”. As feministas angariaram, então, principalmente a criação de conselhos municipais e estaduais da mulher por todo o país, bem como as delegacias especializadas em crimes contra a mulher. Na década de 90, os abrigos para as vítimas também surgem como uma política central de combate à problemática. Em 2003, a promulgação da Lei no 10.778, que estabeleceu a notificação compulsória de casos de violência contra a mulher, atendidos em serviços de saúde públicos ou privados, foi um passo  preciso em direção da maior sensibilização dos profissionais. No ápice dessas conquistas históricas está, em 2006, a promulgação da Lei no 11.340, a Lei Maria da Penha, que ampliou consideravelmente a visibilidade da problemática. Ela institui penas mais severas para os agressores, a criação de juizados especiais de atenção à “violência familiar e doméstica contra a mulher”, bem como programas e centros de atendimentos aos homens agressores, entre outros avanços. Especificamente, sobre homens temos ainda outra lei importante: a 11.489, de 2007, que estabelece o dia 6 de dezembro como Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da  Violência contra as Mulheres, reforçando a Campanha Laço Branco, de mesmo tema, trazida do Canadá desde 1999.

A atenção aos homens a partir de uma perspectiva de gênero já vinha se dando desde meados dos anos 80. Mas só dez anos depois surgiram ações junto ao público masculino, de organizações não governamentais (ONGs)  brasileiras e instituições públicas da saúde coletiva no Rio de Janeiro, que sustentadas em perspectivas e movimentos feministas, embora sofrendo resistências destes, vêm discutindo assuntos como saúde sexual e reprodutiva, paternidade, formas de lidar com afetos e emoções e violência entre homens e contra a mulher. Na área da saúde, há um passo ainda mais ousado em 2009: a proposta de criação da Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem, submetida à consulta pública no portal do Ministério da Saúde.

As primeiras intervenções específicas junto a homens agressores foram em 1998, em forma de grupos de reflexão, no contexto das ONGs Instituto Papai, do Recife, Instituto Promundo e Instituto Noos, do Rio de Janeiro, além do Centro Especial de Orientação à Mulher Zuzu Angel, de São Gonçalo (RJ). Os centros de reeducação de agressores, projetados na Lei Maria da Penha, já começam a sair do papel – o primeiro, em março de 2009, em Nova Iguaçu (RJ). Vale salientar que se desenvolve desde 2006 um projeto multicêntrico com quatro universidades federais brasileiras com o objetivo principal de delinear um modelo de atendimento psicossocial a homens autores de violência numa “perspectiva crítica”.

Já no universo acadêmico brasileiro, as pesquisas sobre violência e gênero vêm crescendo enormemente, desde os anos 90, de início e majoritariamente bem atreladas à perspectiva feminista . No entanto, as pesquisas sobre homens autores de violência atraem um interesse bem menor, apesar do no âmbito internacional estarem despontando desde a década de 1980. Em Levantamento Nacional de Pesquisas sobre Gênero e Violência realizado por Grossi et al., das 286 publicações apresentadas apenas 7% (16) investigam homens ou masculinidades.

Neste artigo, nos propomos analisar a produção do conhecimento acerca do tema “homens e violência conjugal”, que vem se avolumando desde o levantamento de Grossi et al.5 em 2006, procurando apontar pontos de discussão que ajudem a elucidar/reformular a problemática, bem como aspectos que ainda são obscuros ou negligenciados. Propomo-nos, ainda, tecer considerações sobre como o conhecimento brasileiro sobre violência conjugal pode avançar a partir da investigação junto aos homens implicados.

Com esse propósito, acreditamos que o presente estudo poderá subsidiar tanto o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema, ao mapear o estado da arte na área, como as ações de saúde pública diante da problemática em questão.

Kátia Lenz Cesar de Oliveira - Faculdade de Psicologia, Universidade Federal do Amazonas. katialenz@ufam.edu.br
Romeu Gomes - Departamento de Ensino, Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz.


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