90% das vítimas de estupro deixam de denunciar o agressor. Por isso, a melhor ferramenta para diminuir o número de agressões sexuais no Brasil é combater a cultura do machismo. Foi o que afirmaram os convidados de audiência pública nas comissões de direitos humanos e de assuntos sociais do senado nesta terça-feira.
As comissões se reuniram para discutir a repercussão da pesquisa do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – sobre como os brasileiros veem o estupro. Divulgada no fim de março, a pesquisa informava que 65% dos entrevistados concordavam com a afirmação de que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O instituto reconheceu um erro no cálculo, e a porcentagem correta foi informada: 26%. Número considerado ainda inaceitável, de acordo com o diretor do Ipea Daniel Serqueira.
“ Nós nos orgulhamos bastante desse trabalho, a despeito desse erro, que não modifica em nada a nosso ver o resultado das pesquisas. É trazer à tona esse problema pra discutir e falar claramente. A mulher, a criança e o adolescente que foi vítima de estupro, ela é a vítima, ela nunca é algoz. Não importa se ela está vestida, sem, roupa ou seja qual foi o seu comportamento”, afirma o diretor.
Serqueira acredita que a cultura de achar que a vítima também tem culpa pela violência sexual é responsável pelo altíssimo número de mulheres que não denunciam o agressor: próximo a 90%. A jornalista Nana Queiroz, idealizadora da campanha “Eu não mereço ser estuprada”, que se seguiu à divulgação do estudo, disse que sem querer fez a sua própria pesquisa. Ela recebeu mais de 3 mil relatos de estupro, a maior parte vinda dessas 90% que não denunciaram. E acredita que a melhor forma de combater não é endurecer a lei, mas atender melhor as vítimas.
“A lei brasileira é dura com o estuprador, e o crime, dentro da cadeia, é ainda mais duro. Porque todos sabemos que um estuprador é tratado da pior forma possível dentro da cadeia. O que nós precisamos é que a lei seja aplicada. Se você só tem 10% que denunciam, então o que nós precisamos fazer é fazer 100% denunciar. Essas histórias me doem, eu não tenho conseguido dormir. E eu espero que elas histórias doam no coração de vocês também. Porque a gente precisa que elas doam pra gente fazer alguma coisa. Tem que doer”, frisou a jornalista.
A senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB do Amazonas, que foi quem pediu a audiência, lembrou que por causa da campanha, Nana Queiroz foi alvo de ameaças. O que mostra que entre os que consideram a mulher culpada pela agressão, ainda há aqueles dispostos a incitar mais violência.
“A Nana Queiroz tomou a iniciativa de divulgar essa campanha pela internet. E a partir daí recebeu muitas, centenas de ameaças via internet. Nós encaminhamos via Procuradoria da Mulher da Casa um expediente ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Justiça para que fizesse investigações no âmbito da internet”, reforçou a senadora.
Nana Queiroz sugeriu que o estupro deixe de ser tabu no Brasil e passe a ser discutido nas escolas, em novelas e jornais, para que as vítimas não se calem. Outros debatedores citaram ainda iniciativas do governo para coletar dados mais completos sobre a violência sexual.
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