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Recentemente, a ministra e presidente de Supremo Tribunal Federal Carmen Lucia visitou de surpresa a penitenciária masculina da Capital do País. O acontecimento pouco repercutiu, talvez por ser uma realidade que não interesse à audiência em tempos de defesa ferrenha à moral e aos bons costumes na sociedade brasileira. Antes da visita em Brasília a Ministra já havia conhecido outros presídios no Rio Grande do Norte. Em nota o CNJ declarou que a visita serviu para "comprovar pessoalmente" o déficit de pessoal e a superlotação no presídio. Se aproximar da realidade do presídio me parece algo que importa à ministra para que tome uma decisão sobre o justo.
Não é comum um Ministro da Suprema Corte visitar presídios, antes de Carmén Lúcia o ministro Ricardo Lewandowski também visitou alguns. Mas não estranharia se o feito tivesse vindo pela primeira vez de uma mulher ministra. Escritas e pesquisas sobre cadeias são tradicionalmente dominadas pelo discurso patriarcal hegemônico. Fala-se muito de crimes, horrores e sangue, mas pouco, muito pouco de vivências na prisão. Talvez o lema "bandido bom é bandido morto" tenha influenciado a resistência de muitos em reconhecer que homens e mulheres presas são também sujeitos de direitos e proteções.
Cadeia: relatos sobre mulheres, livro de Debora Diniz é um convite às leitoras para se aproximarem das histórias e vida na cadeia. Os relatos são sobre o vivido e ouvido dos instantâneos da vida de mulheres presas no momento em que visitavam o Núcleo de Saúde do presídio. Debora Diniz permaneceu durante seis meses no Núcleo de Saúde da penitenciária feminina do Distrito Federal. Com um caderno de notas e vestida de preto para ser ignorada, ouviu histórias de sobrevivência e resistência de mulheres anônimas vivendo em regime de precarização da vida e abandono.
O livro relata 50 histórias. Debora Diniz as descreveu como "crônicas etnográficas" - curtas como o instantâneo do encontro, mas com a intensidade do real vivido. As histórias são de diferentes mulheres, mas que pertencem a uma multidão particular - a maioria delas sobrevivendo no comércio ilegal das drogas. Muitas mulheres jovens, pobres e negras, algumas idosas, outras estrangeiras, mas há também singularidades de mulheres únicas. Os relatos podem ser compreendidos como registros de resistências, de vidas escondidas entre as grades.
Debora Diniz tem tese e argumento no livro: o presídio é uma máquina de abandono habitada por mulheres refugiadas do mundo. Arriscaria dizer que há transgressão em sua escritura sobre as mulheres habitantes do presídio da capital do país. Diniz atravessa fronteiras, mas cumpre os ritos e rigores da ciência. Se alguns descrevem sua escrita como poética, tenho a hipótese de que isso se dá pela perturbação que seu livro provoca na ordem hegemônica da escrita acadêmica herdada de homens brancos. Durante a leitura de Cadeia: relatos sobre mulheres é pouco provável não nos aproximarmos dessa multidão de mulheres. No instante da leitura Diniz faz aparecer mulheres desaparecidas e banidas entre muros e nos convida à aproximação pelo encantamento.
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