Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

domingo, 20 de novembro de 2016

O novo papel dos homens nos relacionamentos

14.11.2016 - POR LU ANGELO

Você se ofende se um homem se oferece para pagar a conta ou acha que ele não faz mais que a obrigação? Carrega as próprias compras ou deixa que ele fique com as sacolas? Em tempos de discussão sobre feminismo, atitudes antes vistas como gentileza hoje são rechaçadas por muitas mulheres. Cinco homens de diferentes gerações contam como lidam com o antigo cavalheirismo e o novo papel masculino dentro dos relacionamentos

Faz alguns meses que conheci pelo Tinder o Rafael*, um carioca de 33 anos, moreno, alto, gatinho que, de vez em quando, passa alguns dias comigo em São Paulo. Não somos namorados, mas nos damos muito bem, inclusive sexualmente. Numa noite de sábado, no começo do ano,  decidimos ficar em casa para assistir a um filme e pedir uma pizza. Moro no Bixiga, um bairro tradicional em gastronomia italiana, mas ele cismou que queria uma pizza vegana (meia cogumelos, meia tofu) de um restaurante de outro bairro, que tinha uma taxa de entrega altíssima. Eu estava mais a fim do clássico “meia calabresa, meia quatro queijos”, mas ele insistiu tanto que  acabei topando.

Enquanto arrumava algumas coisas na cozinha, ouvi um grito: “Crédito ou débito?”, direcionado a mim. Sem entender, me virei e vi que ele estava ao telefone esperando uma resposta minha. Meio surpresa, sem refletir muito, falei “crédito”. Instantes depois, pensei: “Será que ele vai escolher o que nós vamos comer, o lugar que vai pedir, e ainda vai me fazer pagar?”. Já me deu um leve mau humor. Enquanto Rafael assistia à TV e esperava o motoboy chegar, coloquei a mesa. Quando tocou o interfone, ele, que estava no sofá havia horas, continuou na mesma posição. Precisei  atender, descer e pagar a pizza. Foi somente quando voltei que ele levantou do “trono” para comer a “deliciosa” pizza que eu, claro, odiei. Quando terminou, voltou para a sala, sem tocar na louça suja, e religou a TV. Me vi como a própria Laura Brown, dona de casa infeliz vivida por Julianne Moore no filme "As Horas". Atônita, tirei os pratos, limpei tudo e sentei ao lado dele. Fiquei digerindo aquela situação por uns instantes enquanto refletia: “Tenho 37 anos, estudei muito, conquistei minha independência, trabalho um monte. Tudo isso para um cara completamente sem noção chegar aqui e me colocar numa posição submissa em todos os sentidos, financeira e doméstica? Cadê a gentileza, o cuidado, a educação? ”Quando me dei conta disso, fiz um desabafo tão colossal que ele deve estar digerindo até hoje aqueles pedaços de tofu.

A situação esdrúxula me fez pensar na relação entre homens e mulheres hoje em dia. Será que o gentleman está sumindo aos poucos? Ou os homens estão com receio de ser cavalheiros e as mulheres confundirem isso com machismo? Rafael, acuado, me explicou: “Não tive a intenção de ser grosseiro. Mas você é tão independente e bem resolvida que às vezes fico com receio de pagar a conta e você se ofender”. O fato é: os homens nunca estiveram tão perdidos. Querem mulheres que não precisem deles, que priorizem a vida profissional e sejam liberais na cama, mas muitos não sabem lidar com elas. Depois de ver muitos amigos heterossexuais “sambarem” em situações parecidas – serem acusados de machistas ao fazer uma gentileza, ou de folgados ao não abrir a porta do carro –, decidi levar o tema ao psiquiatra Luiz Sperry Cezar. “A mudança do comportamento feminino é recente, vem de poucas décadas”, me disse ele. “As mulheres estão se apropriando de uma série de campos que antes eram dominados pelos homens, como o  profissional, o científico, o social e até o poder nas relações. Sem sombra de dúvida, elas estão melhorando e eles piorando.”

Essa mudança traz novos comportamentos, inclusive o perigo do que Cezar chama de “síndrome de Sex and The City”: “Do lado delas, o ruim é a repetição daquele papo babaca de que ‘homem não presta’. As mulheres começam a enxergar defeitos que de fato existem, mas os veem de forma maior e mais relevante do que realmente são. Ficam mais intolerantes, tão paranoicas que não aceitam uma gentileza”. E completa: “Muitas não estão preparadas para lidar com essa igualdade de papéis, são imaturas, não têm condições de se relacionar e procuram a primeira desculpa para sair do namoro. Só que não é para existir uma ‘luta de classes’ dentro do casal. As mulheres precisam aprender a pensar a dois e chegar junto, não à frente”, explica Luiz, 37 anos, que é casado há dez com a psiquiatra Aline Gaeta, 31, e confessa já ter tido, ele próprio, esse tipo de discussão com ela. Seu conselho para evitar  desentendimentos: estabelecer o diálogo sempre. “Tem que verbalizar. Na dúvida, é sempre  bom perguntar: ‘Quer que eu vá? Você quer ir? Hoje prefiro ficar em casa’. Fale o que quer e pergunte o que ele/ela quer.” Parece algo pequeno, mas talvez, se eu não tivesse cedido em relação à pizza e falasse, numa boa, que preferia dividir a conta ou que ele pagasse já que a escolha foi dele, não me importasse em descer para pegá-la e a discussão com Rafael nunca tivesse acontecido.

MACHISMO OU GENTILEZA?

Em tempos de feminismo pós-internet, ou o que estudiosos chamam de “quarta onda do feminismo” – que começou há cerca de dois anos em manifestações nas ruas e discussões online mundo afora, inclusive no Brasil –, fica a pergunta: ser cavalheiro é ser machista? Até que ponto ainda vale seguir o modelo de “gentileza” exercido por homens até a geração de nossos pais? O empresário Facundo Guerra, de 41 anos, segue uma regra. “Sempre antes de pagar uma conta, abrir uma porta ou carregar algo para alguém, penso: faria isso por um homem, por um idoso, por qualquer outro humano? Ou só por uma mulher?”, diz. “A gentileza carregada pelo machismo tem um fundo de interesse, você coloca a outra pessoa em posição de dívida.” Há quinze anos, quando morava na Suécia, teve que lidar com a questão à força. “Abri a porta para uma mulher e ela brigou comigo, se sentiu agredida. Levei um choque. Dei um passo para trás, fechei a porta e a deixei abrir. Me desculpei e disse que não era uma ofensa. Nossa cultura latina coloca a mulher como o sexo frágil. Outros países têm a igualdade mais próxima do ideal”, explica Facundo. Pai de Pina, de 4 anos, de seu relacionamento coma maquiadora Vanessa Rozan, ele se preocupa como machismo e suas consequências. “Meus amigos me chamam de ‘feminazi’ porque os recrimino nas conversas de WhatsApp quando fazem algum comentário sexista. Mas tenho uma filha e me identifico com o feminismo. Fui à Marcha das Mulheres com ela [em São Paulo, no início de junho]. Não é minha luta, mas vai ser a dela.”

As gentilezas do dia a dia já renderam situações engraçadas para o cartunista Marco Pavão, de 37 anos, solteiro. “Tenho o costume de abrir a porta do carro para quem está comigo e uma vez fiz isso com um amigo. Ele na hora disse: ‘Você quer me comer?’. Isso mostra a  cultura machista que temos, do cavalheirismo por interesse. Porque, na brincadeira, foi o que meu amigo pensou na hora.” Criado numa casa com três mulheres (mãe e duas irmãs), em Osasco (SP), ele foi educado para ser um gentleman. “Antigamente, me preocupava com isso. Agora não entro mais num relacionamento tentando impressionar. É desconfortável, por que nós homens temos que fazer isso sempre?” O drama continua na hora da conta. “Não gosto quando me ofereço para pagar, a pessoa diz que também quer e começa uma discussão em torno disso. Sou prático, se ofereço é porque posso. Quando não posso, também falo.” Para o arquiteto Eduardo Borges Barcellos, 28 anos, solteiro, a igualdade conquistada pelas mulheres nos últimos anos confundiu ambos os sexos na hora de se relacionar. “Com o comportamento igualitário, o homem pensa que não precisa ser cavalheiro e delicado com a mulher, já que ela se tornou igual a ele. Vejo que, para muitas, isso também já não faz mais sentido”, diz. “Prefiro acreditar em um meio-termo. Prestar atenção na mulher que está saindo, sem feri-la. Algumas gostam que a gente mantenha as antigas ‘gentilezas’, outras se ofendem. É preciso  sensibilidade e, acima de tudo, respeito”, explica Eduardo. “Nos anos 50, 60, o machismo era descarado, direto. Agora está disfarçado em pequenos deslizes, como interromper a mulher em uma conversa com amigos, por exemplo.” Ele continua: “Eu mesmo às vezes me pego falando coisas erradas. É uma cultura difícil de mudar, mas estamos tentando”, confessa.

À MODA ANTIGA

“O problema é que desde pequeno ouvimos ‘tem que pegar mulher, pegar todo mundo’”, diz o ator e comediante João Vicente de Castro, 33 anos, dos programas Papo de Segunda (GNT) e Porta dos Fundos. “Isso acontece com todos os homens, os legais e os não legais. Até as mulheres reproduzem o discurso. Por isso, é comum que aconteça alguma gafe, mas não é normal que você não se corrija e não se desculpe”, diz. “Os atos machistas não são aceitáveis socialmente.” João, que se diz “mais solteiro do que nunca” – e que, quando era casado,  assumia funções domésticas como cozinhar e cuidar da decoração da casa –, espera que as mulheres ocupem o papel igualitário que lhes cabe na sociedade. E acha que é problema do homem se ele não consegue lidar com isso, inclusive nos relacionamentos. “Espero que os homens bobos, que colocam empecilhos nesse processo, se reproduzam menos até se extinguirem. E os legais, que estavam praticamente em extinção, comecem a surgir com mais frequência.”

Crescido em uma geração diferente da de Castro, o jornalista e escritor Ivan Martins, 55 anos, separado há um ano e pai de dois filhos (Diogo, 31, e Gil, 27), faz parte de uma turma que considerava o machismo algo “normal”. “Quando alguém decidia casar, havia uma tendência de ficar no sofá enquanto ela fazia a comida porque, desde o útero, tem uma mulher cuidando de você. Isso é uma vergonha! Eu, um homem de barba branca, me vi fazendo isso. Essa questão é perigosa, porque ambos acabam perdendo o tesão pela relação”, conta o autor de Um Amor Depois do Outro (editora Agir, 192 págs., R$ 27,90) e apresentador do quadro TV Homem, do programa TV Mulher. “Uma vez visitei uma amiga que tivera filho e perguntei se estava tudo bem. Ela respondeu que queria matar o marido porque ele não ajudava em nada. Era um cara com quem qualquer mulher gostaria de casar, bem-sucedido, bonitão, mas, na hora do ‘vamos ver’, não entregava”, diz. “Fui criado para ser cavalheiro e a essa altura não tenho mais como mudar. É meu instinto pagar a conta, puxar a cadeira, mas existe uma hesitação por parte das  mulheres. Com a nova onda do feminismo, há um reposicionamento muito forte das mulheres. Já ouvi: ‘Não me diga o que tenho que fazer’. Elas ganharam força e nós, homens, precisamos nos encontrar em meio a toda essa confusão.” Ainda bem, antes eles do que nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário