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domingo, 20 de novembro de 2016

O (novo) dilema da pílula anticoncepcional

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Ela libertou as mulheres para o prazer e para o trabalho nos anos 1960. Meio século depois, é suspeita de provocar trombose, depressão, ataque cardíaco, AVC e até morte. Ao ouvir o depoimento de garotas que enfrentaram sérios problemas de saúde, duas perguntas se tornam inevitáveis: o risco vale a pena? Quando a responsabilidade de evitar a gestação passará a ser dividida com os homens?

04.11.2016 | POR ADRIANA NEGREIROS

A triste sina da paulistana Renata Costa, 38 anos, começou em 2013. Era um dia convencional de trabalho, ironicamente, em uma clínica ginecológica, quando a técnica em alimentos começou a passar mal sem motivo aparente. Depois de um acesso de vômito e uma diarreia intensa, sentiu o braço formigar. Sua chefe e médica, a mesma que havia lhe recomendado tomar Yasmin para combater a TPM, dispensou-a do serviço mais cedo. “Deve ser uma virose”, disse. Mas no metrô, a caminho de casa, Renata começou a ter espasmos no braço. Quando sentiu um formigamento na cabeça, gritou por socorro. Os funcionários da companhia de transporte a colocaram em um táxi e pediram ao motorista que a levasse ao hospital. Enquanto aguardava atendimento, Renata teve a primeira convulsão. Minutos depois, dois coágulos estouraram dentro de seu cérebro. Os médicos que a atenderam concluíram que a trombose venosa cerebral havia sido provocada pelo anticoncepcional. Uma mulher como ela, com problemas vasculares, nunca poderia ter colocado uma pílula na boca. Foi proibida de fazer uso de hormônios para o resto da vida. Perdeu o movimento do braço direito e parte da visão.

Nos primeiros dias, foi difícil aceitar as sequelas. Ela queria continuar a fazer tudo como antes. Tentava almoçar sem ajuda e sujava a cama. Segurava o copo de plástico e o amassava, porque não controlava os movimentos. No banho, tentava lavar o cabelo e segurar a barra de sabonete, mas não conseguia. “Não aceitava que teria de tomar remédios anticoagulantes para o resto da vida. Onde quer que esteja, preciso parar tudo e ingerir um monte de comprimidos, senão entro em convulsão. Também não posso mais beber. Ainda hoje sinto o gosto do vinho na boca. A vontade é imensa”, lamenta.

Quando pôde voltar ao trabalho, foi demitida. “A médica disse que, se tivesse uma convulsão, assustaria as pacientes”, conta. Renata chegou a considerar um processo contra a ex-chefe, mas foi orientada pelo advogado a não seguir adiante. “Ele disse que não valeria a pena”, diz. A médica escreveu uma carta para Renata lamentando o ocorrido, mas não quis mais encontrá-la. Pediu ao contador para resolver a demissão. Hoje casada, Renata usa camisinha – e lembra que a responsabilidade pela contracepção, obviamente, também é dos homens. “Infelizmente, vivemos numa sociedade machista em que a mulher tem de se entupir de hormônios.”O laboratório Bayer, que fabrica a pílula Yasmin, informou por meio de comunicado que “os benefícios dos contraceptivos continuam a superar os riscos. A possibilidade de tromboembolismo venoso é pequena”. Também lembrou outros efeitos da pílula comprovados por estudos, como redução da incidência de câncer de mama, alívio dos sintomas da TPM, diminuição da oleosidade da pele e do cabelo e redução da cólica e do fluxo menstrual.

Falta de informação

O médico pernambucano Sérgio Fernandes Cabral Júnior, formado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, dedica-se a examinar estudos que relacionam o uso de anticoncepcionais ao surgimento de doenças. A análise mostrou uma associação entre pílulas e complicações como trombose venosa profunda, câncer do colo do útero e de mama, tumor hepático, doenças inflamatórias intestinais, aumento do risco de diabetes, elevação dos níveis de triglicerídeos, diminuição do colesterol HDL, maior risco para infarto e acidente vascular cerebral, diminuição da libido, aparecimento ou agravamento de varizes, alterações de humor e manchas na pele. “Nós, médicos, não informamos nossas pacientes sobre os riscos associados às pílulas anticoncepcionais. Se nos comunicássemos melhor, outros métodos contraceptivos mais seguros, como o DIU de cobre e o preservativo, seriam mais prescritos e aceitos”, diz Sérgio Cabral. Para ele, a conduta ideal do profissional antes de indicar o medicamento deve levar em consideração a história da paciente, além de exigir uma bateria de exames. Um deles, destinado a investigar alterações genéticas que possam provocar trombose, é raramente prescrito devido ao alto custo para a paciente – em torno de R$ 3 mil. O procedimento teria salvado Renata. Já o médico Carlos Peixoto, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro, discorda: “É economicamente inviável e deve ser recomendado em casos muito específicos”, avalia.

A administradora paulistana Juliana Las Heras, 40 anos, gargalha quando lembra de seu estado de espírito durante as semanais finais de 2015 e o começo de 2016. A risada é apenas a propensão natural da moça ao bom humor. O que ela viveu naquele período foi um verdadeiro suplício. Todas as noites, ao colocar os filhos para dormir – um menino de 7 anos e uma menina de 4 –, Juliana beijava-os e abraçava-os como se estivesse diante deles pela última vez. “Tentava não deixar transparecer minha aflição”, recorda. Na cama, antes de cair em um sono agitado, reforçava as recomendações para o marido: casar-se com uma de suas melhores amigas e não deixar as crianças a verem morta. Juliana tinha certeza de que faleceria durante a madrugada. Seu maior temor era que o cadáver fosse encontrado pelos filhos. “Sabia, no fundo, que aqueles pensamentos não faziam sentido. Ao mesmo tempo, eles fugiam do meu controle”, afirma. Sem nenhum histórico de depressão, Juliana demorou a entender que estava em meio a severas crises de pânico. Certo dia, num hiato entre um pensamento negativo e outro, deu-se conta de uma coincidência: aquele comportamento tinha começado quando passara a tomar um anticoncepcional. Marcou uma consulta com a ginecologista e levantou a suspeita. “Ela não chegou a nenhuma conclusão”, conta. Cansada de tanta angústia, resolveu, por conta própria, interromper o uso e voltar à camisinha. Na sequência, as crises sumiram. “A vida ficou feliz de novo”, garante. A bula do Cerazette, pílula prescrita para Juliana, alerta para “alterações de humor” como reações adversas comuns. Por meio de sua assessoria de imprensa, o laboratório MSD, que fabrica a pílula, informou à Marie Claire que a síndrome do pânico não está descrita na lista de reações.

Embora as redes sociais estejam repletas de relatos de vítimas da pílula – somente a página “Um veneno chamado anticoncepcional”, com quase 100 mil seguidores no Facebook, recebeu 8 mil depoimentos em dois anos –, a base de dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, registra apenas 267 notificações de reações adversas ao contraceptivo nos últimos cinco anos. Dessas, quatro são de óbito. “O sistema poderia ser melhorado se criássemos a cultura de avisar as autoridades sanitárias sobre todas as suspeitas de eventos relacionados aos medicamentos”, informa um comunicado enviado pela Anvisa à Marie Claire. Na comunidade do Facebook, há 12 relatos de morte. Boa parte deles contada pelos viúvos. “Para os laboratórios, é só mais uma [mulher] para as estatísticas”, diz o estudante Jonas Guimarães sobre a esposa, Michele Oliveira, 26 anos, que faleceu no dia 24 de julho de trombose cerebral profunda. A moça tomava pílula e exames mostraram que ela tinha fator de risco para a trombose – perigo que ela desconhecia.


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