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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Após 181 anos, Luiza Mahin é absolvida por conspiração contra Coroa portuguesa



Júri simulado promovido pela Defensoria Pública deu oportunidade para a heroína negra, interpretada por uma atriz, se defender de acusações

Amanda Palma (amanda.palma@redebahia.com.br)
23/11/2016


Acusada de conspiração contra a Coroa portuguesa em 1835, Luiza Mahin teve voz nesta quarta-feira (23) e pôde se defender e ser absolvida das acusações. A heroína que tem destino incerto teve a oportunidade de falar sobre sua luta e enfrentar os argumentos da acusação que usou o discurso do ódio contra o povo negro para pedir a pena de morte dela.
“Eu não sei do que me acusam, mas sei que não podem me acusar de racismo, de apartheid, de intolerância religiosa. Eu não tenho que provar a minha inocência. Quem acusa é quem deve provar a culpa”, disse ela. A fala, que poderia ter sido verdadeira, foi dita pela atriz Valdineia Soriano, do Bando de Teatro Olodum, durante um júri simulado no Teatro da Uneb, promovido pela Defensoria Pública.
A iniciativa é a primeira de uma série promovida pelo órgão, com intuito de resgatar personagens importantes da história baiana. Luiza Mahin foi uma das líderes da Revolta dos Malês, um movimento que aconteceria no dia 25 de janeiro de 1835, mas que foi descoberto pela polícia. O grupo teve que entrar em combate e acabou sendo derrotado.

Luiza e outros líderes conseguiram escapar. Ela fugiu para o Rio de Janeiro e depois desapareceu. Por causa da organização da revolta, ela foi acusada de insurreição contra a Coroa, crime previsto na Constituição de 1830, já que as reuniões do grupo aconteciam em sua casa. “O que poderia ter na casa de negros, senão negros?”, disse a heroína, interpretada por Valdineia.

Encarnando o papel de acusação, a defensora Soraia Ramos lembrou os argumentos que eram usados contra os negros que lutavam pela libertação. “Ela se associou a escravos para promover a libertação dos negros por meio da força, como forma de exterminar todos os brancos”, disse a defensora, enquanto lia seus argumentos. “Os senhores muito bons deixavam que ela, negra liberta, trabalhasse em suas casas e depois ela foi ingrata. Usou de tudo isso para conspirar”, completou o discurso.

Para a bacharela em Direito Carolina Dias, 22 anos, que foi assistir ao júri, os argumentos usados pela acusação representam o pensamento racista que ainda existe na sociedade. “Foi chocante a fala da acusação, mas infelizmente ainda é realidade que algumas pessoas pensam assim. O nosso sistema criminal é racista também. Achei essencial essa iniciativa para que a gente conheça a nossa história”, disse.

Já o defensor público Raul Palmeira ficou responsável por fazer a defesa de Luiza Mahin. Ele lembrou de momentos do massacre que aconteceu durante a Revolta, como os 200 negros mortos em frente ao Quartel que funcionava em Água de Meninos e as humilhações as quais os escravizados eram submetidos. “Os negros sequer tinham direito de usar garfo e faca nas refeições. Tinham que comer de mão para que os utensílios não fossem usados como armas contra os seus patrões”, descreveu, durante a defesa.

Palmeira falou ainda sobre o suposto abandono de Luís Gama, filho da heroína. “Ela não abandonou o filho Luís Gama, que, na época, tinha 5 anos. Ela deixou com o pai”, contou o Palmeira. Uma carta escrita pelo filho, que também foi lida no júri, revela que o contato foi completamente perdido após a fuga da heroína.

Após o júri, a secretária estadual de Políticas para Mulheres (SPM), Olívia Santana, ressaltou a importância de saber detalhes da história, principalmente de quem participou das revoltas. “Precisamos contar a história da resistência, não dá pra continuar nos empanturrando de histórias sobre os vencedores, é preciso dar voz aos vencidos, é preciso que a sociedade tenha o direito de saber da trajetória de figuras como Luís Gama, Luiza Mahin, Zeferina, Maria Felipa”, disse.

Ela lembrou ainda que as mulheres são ainda mais excluídas dos documentos históricos. “As mulheres negras são as que foram mais lesadas, no que diz respeito ao direito à memória, os homens ainda conseguem recompor algumas coisas, mas as mulheres são sempre sem rosto, sem passado, sem registro”.

História
Para a atriz Valdineia, o júri é uma oportunidade de conhecer mais da própria história, principalmente das heroínas baianas. “Eu não sei se tem a ver com justiça, mas com reconhecer esses heróis nossos e uma heroína como Luiza. Os heróis, os mártires tiveram irmãs, mães, e a gente não fala das mulheres. Eu acho que o projeto resgata isso, a valorização da mulher negra”, disse.

Segundo Rafson Ximenes, subdefensor público geral do Estado, a  ideia do projeto surgiu para dar visibilidade a momentos da história de resistência baiana. “A gente percebeu que a população baiana em geral, as pessoas que tiveram educação formal têm pouco conhecimento da educação da Bahia, especialmente os líderes populares. Então, pensamos em um evento que chamasse a população, para ter conhecimento da história do nosso povo, da existência de lideranças negras, pobres, indígenas, e cada baiano poder olhar e se orgulhar”, contou.

Apesar de o órgão já ter definido que haverá uma série de júris, os próximos personagens ainda não foram escolhidos, nem as datas foram definidas. “A partir disso começar uma discussão para o próximo, fomentar o debate na sociedade, para que aconteçam os outros e os personagens sejam escolhidos assim”, explicou Ximenes.

Para a secretária estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Fábia Reis, a iniciativa da Defensoria contribui para divulgar o movimento feminista negro. “Pra gente é de uma importância fantástica, que mostra todo esforço de movimento negro feminista, reafirmando a figura de Luiza Mahin, e que possa despertar na cabeça dos jovens o imaginário dessa contribuição, para que tivéssemos hoje a democracia no Brasil”, pontuou.

Correio 24 Horas

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