A ciência mostra como mudar hábitos ruins
Saiba como se livrar deles. É mais fácil do que parece
THAIS LAZZERI
(Foto: Tomás Rangel/ÉPOCA) |
A apresentadora Astrid Fontenelle, do programa Chegadas e partidas, do GNT, é uma apaixonada por TV. A TV não faz parte da vida dela só porque é seu meio de trabalho. Por anos, Astrid só dormia com o aparelho ligado. “Ficava louca no controle remoto. Sabia que isso me deixava mais tempo acordada do que deveria, mas não conseguia mudar”, diz. Em janeiro, Astrid descobriu que tem lúpus, uma doença autoimune que leva o organismo a destruir as células do próprio corpo. Com o diagnóstico, decidiu promover várias mudanças em sua vida. Reduziu a jornada de trabalho de quatro para duas gravações na semana. Perdeu 14 quilos. Postergou os planos de dar um irmão para seu filho, Gabriel, de 3 anos. E encontrou na doença a coragem que faltava para mexer na rotina e não ligar a televisão na hora de dormir. Em vez de ligar o televisor, ela diz que agora entra no quarto, faz suas orações e lê um livro. Conta que passou a dormir melhor e ganhou três horas de sono. “Além de mais tranquila, fico mais culta”, afirma Astrid, em tom de brincadeira.
Hábitos como ler, assistir à TV ou escovar os dentes fazem parte de nossa vida. Quase metade de nosso dia é composta deles – mais precisamente 40%, como mostra uma pesquisa da Universidade Duke, dos Estados Unidos. É como se voássemos no piloto automático por mais de nove horas do dia. Boa parte de nossas virtudes e defeitos está calcada em hábitos. Para nossa sorte, os hábitos são decisões conscientes, que podem ser mudados, por mais arraigados que estejam. Não é à toa que a filosofia, a psicologia, a neurolinguística e, mais recentemente, a neurociência estudam formas de adquirir ou de se livrar de hábitos. Não faltam estudos sobre hábitos alimentares, do sono, de boa forma e até de como mudar o humor ou a dinâmica de uma empresa.
(Foto: Rodrigo Schmidit/ÉPOCA) |
(Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA) |
Um novo livro promete revolucionar a forma de lidar com eles em todas essas áreas. Em The power of habit (O poder do hábito), com previsão de lançamento no Brasil em outubro, o jornalista americano Charles Duhigg, repórter do jornal The New York Times, afirma que existe um jeito simples e eficiente de mudar hábitos. No primeiro mês do lançamento, chegou à lista de mais vendidos do próprio Times e recebeu resenhas positivas de veículos de prestígio. Para escrevê-lo, Duhigg reuniu centenas de pesquisas de centros de excelência de países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Alemanha e entrevistou mais de 300 pessoas, entre pesquisadores e executivos, de empresas como Google ou Microsoft. O objetivo era entender como os hábitos se formam e como podem ser mudados. Foi no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um centro de referência no estudo de tecnologias avançadas, que Duhigg encontrou a tese que sustenta seu livro. A melhor forma de mudar um hábito, diz ele, é substituí-lo por outro. “As pesquisas com maior sucesso na mudança de hábitos usaram esse método”, diz Duhigg. “Transformar um hábito não é necessariamente fácil ou rápido. Mas é possível. Agora entendemos como.”
Cerca de 40% de nossa rotina é feita de hábitos. É como se estivéssemos no piloto automático por mais de nove horas do dia
O primeiro passo para mudar um hábito é compreendê-lo. Cada hábito, segundo os pesquisadores, é uma sequência com três etapas. A primeira é o sinal, ou o gatilho que desencadeia o hábito. A segunda é a rotina, ou o hábito propriamente dito. A terceira, a recompensa, ou aquilo que buscamos ao repetir o hábito. Quando iniciou as pesquisas s para o livro, Duhigg resolveu aplicar o método para mudar um hábito que tinha lhe dado 3 quilos a mais: comer cookies toda tarde. Passou a anotar o que fazia antes e depois de sair para a cafeteria. Foi identificando padrões. Entendeu que a vontade ocorria quando estava entediado. O tédio era o gatilho para o cookie. Sempre acontecia por volta das 15 horas, depois de responder a e-mails após o almoço. Era a rotina. Em seguida, percebeu as recompensas: além de saborear o biscoito, batia papo com conhecidos no café e dava uma volta no quarteirão. O próximo passo foi planejar uma maneira de mudar a rotina, sem perder de vista a recompensa. Nos dias seguintes, Duhigg tentou outras ações quando o alarme do tédio soava. Primeiro, saiu para dar uma volta. Em outro dia, comeu outro doce. Noutro, só tomou café e bateu papo. Por fim, descobriu que sua verdadeira recompensa não era o biscoito em si, mas o momento de descontração no meio da tarde com conhecidos. Duhigg trocou os cookies pelo bate-papo sem doces. Isso o ajudou a perder 5 quilos. Inconscientemente, foi o que Astrid fez, ao trocar a TV por um livro. Ela reconheceu que o gatilho para seu hábito era a hora de ir dormir, trocou a TV pelo livro e estabeleceu uma recompensa: mais horas de sono e, de quebra, tempo para ler.
“Quando temos consciência do hábito, o superamos mais facilmente”, diz Duhigg. As universidades Colúmbia, nos EUA, e de Alberta, no Canadá, realizaram estudos para rastrear como o hábito se consolida. Tomaram como foco de seu estudo os exercícios. Num dos projetos, 256 pessoas foram convidadas a assistir a uma apresentação sobre a importância da atividade física. Metade do grupo recebeu uma aula extra sobre a formação e a estrutura do hábito. Os pesquisadores pediram que essas pessoas tentassem identificar o gatilho e a recompensa naquela atividade. Nos quatro meses seguintes, quem conseguira reconhecer o padrão de seus hábitos praticou atividades físicas duas vezes mais que os demais.
(Foto: Fonte: Aderbal Vieira Júnior, psiquiatra, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo) |
Hábitos são ações que repetimos com frequência, conscientemente ou não, como lavar as mãos ou comer um doce depois do almoço. É um comportamento aprendido, bom ou ruim, que mantemos de forma automática, sem pensar nele. É impossível viver sem hábitos. Eles facilitam nosso dia a dia e liberam nossa mente para que possamos aprender coisas novas. Poupam nossos neurônios de trabalhar para atividades simples, como lavar as mãos. Imagine se você tivesse de pensar na coordenação dos pés nos pedais de freio, acelerador e embreagem o tempo todo. Aquela sensação (terrível) de motorista inexperiente toda vez que fosse dirigir. O escocês David Hume foi um dos filósofos mais importantes a estudar a fundo essa questão. Por volta de 1700, publicou uma série de ensaios sobre o tema. Para Hume, o simples ato de reconhecer os objetos familiares acontece porque estamos habituados a eles. Segundo ele, se recebermos à mesa um objeto de cor e consistência parecidas com um pão, comeremos sem parar para tentar analisar o que temos em mãos. Hume vai além do cotidiano. Diz que a soma de hábitos de nossa vida define nossa identidade. “Somos constituídos por uma multiplicidade de hábitos que faz a trama de nosso viver”, afirmava. Antes, o grego Aristóteles pregava a importância do hábito. “Somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito”, disse ele.
Embora pareçam sinônimos, hábitos são diferentes de vícios e manias. Hábitos são atos conscientes ou não, que podem estar sujeitos a nossa vontade. Podemos deixar de fazê-los quando quisermos. Você pode ter o hábito de ligar o rádio sempre que entra no carro. Se, por alguma razão seu mecânico o aconselhar a não fazer isso, você consegue interromper esse costume sem sofrimento. Com as manias, é mais difícil. Elas envolvem uma ideia fixa além do controle do indivíduo. É como se você fosse incapaz de engatar a primeira marcha sem ligar o rádio. No caso do vício, a situação é ainda pior. O indivíduo é dependente daquele ato ou substância, mesmo que cause prejuízos (leia o quadro acima).
A fisioterapeuta Talmai Terra pensou na recompensa para largar um pouco o automóvel. Mãe de Clara, de 1 ano e 4 meses, moradora de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, Talmai depende do carro para atravessar os 22 quilômetros até chegar ao trabalho, na capital. A necessidade criou um hábito, e ela passou a dirigir até para ir à padaria, a duas quadras de casa. Talmai tentou atividades a pé, como pegar dinheiro no caixa eletrônico do bairro. Mas desistia por causa da pressa ou por preguiça. Decidiu, então, se organizar para caminhar nos fins de semana, sem precisar correr contra o relógio. O marido, André Terra, veterinário, ajudou no planejamento – e foi junto. “Quando encontrava uma calçada esburacada com o carrinho da bebê, lembrava a comodidade do carro”, afirma Talmai. Ela perseverou ao descobrir que andar a pé era um jeito de passar mais tempo com a família. “As caminhadas viraram uma curtição.”
Mesmo com uma fórmula testada, acabar com um hábito (ou substituí-lo) demanda tempo e disposição. “A construção de hábitos é complexa, envolve inúmeros fatores, mas a mudança é ainda mais desafiadora”, afirma Sueli Damergian, professora de psicologia das relações humanas da Universidade de São Paulo (USP). Quando fazemos a troca, reprogramamos nosso cérebro. Mais especificamente, uma região próxima à nuca, entre o córtex motor e os núcleos da base, onde os hábitos estão arraigados. Ao substituir um hábito antigo por um novo, são criadas conexões dos neurônios. Pode demorar dias, meses e até anos para que o novo hábito fique automático. “Essa reprogramação cerebral não é simples, porque envolve esforço”, afirma Marta Pires Relvas, neurobióloga e psicopedagoga, da Faculdade Integrada AVM, no Rio de Janeiro.
Uma forma de estimular a mudança é contar com uma rede de apoio, para incentivar e cobrar resultados. Foi o que fez Renata Ceribelli, quando concordou em participar do “Medida certa”, um quadro para reeducação alimentar e atividades físicas do Fantástico, da TV Globo. “Tinha 1,2 milhão de vigias”, diz ela, ao lembrar a audiência do programa. Durante três meses, Renata e o apresentador Zeca Camargo foram acompanhados pelo educador físico Marcio Atalla, colunista de ÉPOCA, e por um time de profissionais. Ela perdeu 9,5 quilos, mas diz que esse não foi o feito mais significativo. O melhor foi abandonar o sedentarismo. “O efeito ansiolítico da atividade física regrada em minha vida foi revolucionário”, afirma. “A ansiedade sempre me atrapalhou bastante. Chegava a ser incapacitante.”
Quem não é apresentador de uma grande emissora, como Renata, pode recorrer às redes sociais ou ao círculo de amigos. Receber uma ligação toda semana para acompanhar o progresso ou uma mensagem de texto diária para saber como foi a corrida ajuda a manter o estímulo. Para tirar o melhor proveito dessas redes, é importante que as pessoas saibam o que você espera delas, e vice-versa. Senão, a cobrança pode se tornar excessiva ou pode faltar estímulo.
Usar o padrão proposto pelos pesquisadores pode ajudar também a criar novos hábitos. Foi o que fez o treinador Larri Passos, ex-técnico do tenista Gustavo Kuerten. Ele sofria de um mau humor matinal incontrolável, capaz de atrapalhar o rendimento e o relacionamento com as pessoas. Sentia-se ansioso e agitado. Por consequência, era reservado e, muitas vezes, ríspido. Em 1994, levou uma equipe de tenistas a Portugal. Em sua primeira manhã no país, acordou com a cabeça latejando com um ataque de sinusite. “Sabia que era tensão. Naquele momento, decidi que não queria mais viver daquela forma.” Larri adotou algumas das técnicas propostas nos livros do neurolinguista americano Anthony Robbins. Descobriu que a tensão da manhã era efeito de sua cobrança excessiva por resultados. Decidiu que planejaria seu dia na noite anterior. Passou a dedicar no mínimo 15 minutos tentando enxergar as atividades do próximo dia “como num filme”. Planejava mentalmente seu dia antes de ir dormir. O objetivo era formar uma imagem mental da rotina. O ritual não deu resultado no início. Mas Larri insistiu. Com o tempo, passou a acordar mais tranquilo. “Já cheguei a ouvir de mais de uma pessoa que estou sempre de bom humor pela manhã.”
Mesmo cercando-se de centenas de cientistas e pesquisas, Duhigg não escapou das críticas. O pesquisador americano Timothy Wilson, professor de psicologia da Universidade de Virgínia, nos EUA, afirma que Duhigg pecou ao subestimar a história particular de cada um, que não pode ser dissociada da formação dos hábitos. Para Wilson, a teoria do livro é superficial ao sugerir que dá para reduzir todos os casos ao esquema gatilho-rotina-recompensa. EmRedirect: the surprising new science of psychological change (Redirecione: a surpreendente mudança da ciência psicológica), ele sugere que a pessoa perceba que todos temos histórias pessoais sobre quem somos. Muitas não são conscientes. “A maioria nos ajuda a ser otimistas. Às vezes ficamos presos a experiências que nos induzem a uma visão derrotista”, diz Wilson. Antes de mudar os hábitos, é preciso investigar essas narrativas e, se for o caso, reeditá-las. “Em casos graves, isso pode exigir psicoterapia”, afirma.
Wilson fez um teste com universitários que enfrentavam dificuldades acadêmicas. Os alunos foram divididos em dois grupos. Um deles assistiu a vídeos sobre o desenvolvimento acadêmico. Tinham mensagens positivas, lembrando que mesmo estudantes com dificuldades no início podem virar bons alunos e conseguir uma carreira frutífera. O objetivo era ajudar os alunos a relativizar a experiência passada e a entender que, mesmo tendo ido mal até então, não estavam condenados a continuar assim. No semestre seguinte, todos desse grupo alcançaram notas melhores. No outro grupo, que não viu o vídeo, alguns melhoraram e outros não, como numa turma comum. Enquanto Duhigg defende a substituição de uma atitude por outra, Wilson é a favor da reprogramação. As propostas não são contraditórias. Para quem quer mudar um hábito, elas podem ser usadas de forma complementar.
Um ponto não abordado por Duhigg é a importância dos primeiros anos na formação de bons hábitos. Nascemos sem hábito algum. A criança os adquire em sua criação. “Depende do tipo de estímulo, dos valores que pais e demais pessoas que cuidam dela oferecem”, afirma a psicanalista Silvana Rabello, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Ensinar bons hábitos é tão importante quanto tê-los. Se os pais não gostam de ler, em quem o filho vai se inspirar? Vários estudos comprovam o efeito do exemplo dos pais para a aquisição dos hábitos da leitura, do sono e da alimentação. Um levantamento da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo mostrou que muitas crianças tinham os mesmos maus hábitos alimentares dos pais.
A designer gráfica Alessandra Oliveira, de Sobradinho, no Distrito Federal, tinha o hábito de cutucar a pele em volta das unhas das mãos. Acontecia à noite, quando ela começava a pensar nos afazeres do dia seguinte. “Era um momento de ansiedade. Não conseguia relaxar”, afirma. Sem perceber, levava os dedos à boca. O marido chamou a sua atenção para algo que acontecia ao lado dela. A filha, Sofia, de 2 anos, imitava a mãe. “Fiquei em choque”, diz Alessandra. No mesmo dia, Sofia mostrou uma pele que insistia em não sair. Alessandra fez com a filha o que não fazia com ela mesma. Foi buscar um alicate, cortou a pele e disse que ela não deveria puxar peles ou comer unha. Desde então, mãe e filha não cutucam mais os dedos. Em vez de esperar a ansiedade chegar, Alessandra aproveita para se ocupar com projetos que lhe dão prazer. “Mando orçamentos, busco ideias e aprendo coisas novas. Agora, minhas noites são proveitosas.”
Mudar não é simples. Em qualquer contexto exige esforço, estratégia e persistência, mas é possível. “Basta entender como funcionam e aceitar o trabalho duro”, diz Charles Duhigg. “Hábitos não são destino.”
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