De banhos e lembranças
ALEXANDRE MEDEIROS
Antônio chegou há exatos 29 dias – amanhã ele completa um mês de vida. Nasceu em uma manhã de sábado, logo depois de uma noite linda de lua cheia. A manicure da minha irmã, ao que tudo indica uma sábia em termos de maternidade, já tinha dado o alerta: “Vai chegar antes da hora. Essa semana tem lua cheia, o Antônio não vai esperar até o início de setembro”. Minha irmã não deu muita trela, sempre achou setembro um mês mais bonito que agosto para dar à luz um filho, então considerou o vaticínio da manicure mais chute do que lógica. Um a zero para a manicure.
Em termos proporcionais, meu sobrinho nasceu com mais cabelo do que eu nos tempos de adolescente, com meus cachos a la Roberto Carlos pelos ombros. Foi opinião geral – minha e dos meus filhos – quando o fomos ver no berçário da maternidade, no próprio sábado em que o menino deu o ar da graça: como era cabeludo. Dava até para formar um topete tipo o do Neymar.
Visita de maternidade é rápida. Gente de bom senso até evita muita conversa porque a mãe e o pai precisam descansar de tanta intensidade vivida em tão pouco tempo. Então nos despedimos dos pais no quarto, depois de ver o Antônio no berçário, e já íamos saindo quando minha irmã me puxou pelo braço e disse: “Conto com você para os banhos”.
Não posso dizer que fiquei surpreso. Marinheiros de primeira viagem, a Beta e o Leo não tinham mesmo muita pinta de assumir tarefa de tal envergadura – ainda por cima bobearam e perderam a aula de banho da enfermeira do berçário. Por outro lado, a incomensurável disponibilidade de minha mãe para lidar com os netos esbarrava em uma impossibilidade: ela sempre teve receio de banhar recém-nascidos ainda com vestígios de cordão umbilical. Sobraria para mim, era o destino inevitável.
E, confesso, prazeroso. Primeiro porque dá um certo orgulho ser uma espécie de reserva moral de costumes tão pouco difundidos de geração para geração como a de banhar uma criança ainda com aquele toquinho de cordão à mostra. Segundo porque eu participaria dos primeiros dias de vida do Antônio, sentiria de novo aquele cheiro de criança, a sensação boa de pegá-lo no colo e a certeza de que minhas olheiras não experimentariam qualquer indício do crescimento (ou do afundamento) de outrora, quando eu passava noites em claro ninando meus filhos. Essa parte eu deixaria para o Leo.
Não bastasse, ainda tinha uma espécie de vale-refeição para o serviço. Para conciliar o trabalho diário com a nova tarefa, combinei com minha irmã de dar os banhos nos horários de almoço, até que o cordão caísse, desde que ela disponibilizasse um PF para o tio mais velho do Antônio. Feito.
Fui obsessivo com esses cuidados primários de bebês desde quando Bernardo, hoje com 15 anos, chegou ao mundo. Dei os primeiros banhos nele e nos outros três filhos, com uma perícia comparável ao pessoal do berçário, sem falsa modéstia. Li, estudei, perguntei, treinei. Não tinha Youtube com vídeo explicativo. Com o tempo aprendi até certos truques, como colocar uma fralda de pano sobre as partes da criança logo depois de tirar a fralda descartável, pois é nesses momentos de liberdade que elas costumam externar seus sentimentos em forma de urina e fezes. Convém aguardar uns instantes, sob pena de “ataques” memoráveis.
Algumas modernidades não foram capazes de me tirar do eixo no primeiro banho do Antônio. Inventaram uma prancha que fica dentro da banheira e que, em tese, desobriga o voluntário de segurar a criança com as mãos. Dispensei. Outra: a pediatra recomendou o uso do sabão líquido, aquele que vem num frasco de plástico. Óbvio que, com uma mão segurando a criança, é impossível com a outra apertar o dispositivo que faz jorrar o sabão líquido e ao mesmo tempo recolhê-lo na palma da mão. Então é necessário ter um auxiliar de banho, coisa impensável se o bom senso prevalecesse na forma de um bom e velho sabonete em pedra…
Mas deu tudo certo. Banho completo, com direito a penteado, a encomenda embrulhada em cueiro e manta, como manda o figurino. Pena que durou pouco. Quando eu já estava embalado, depois do terceiro banho, caiu o cordão do Antônio. Agora a minha mãe, a Beta e, se bobear, até o Leo vão dar banho no menino, com aquela prancha esquisita e o sabão líquido que mal faz espuma. Foi como um rito de passagem. O Antônio agora pode se esbaldar na água morna, jogando água fora da bacia. Nem vai lembrar que, um dia, nas horas mais difíceis, quem assumiu a tarefa hercúlea de lhe dar banho foi o tio, em troca de não mais que um prato feito e uma alegria imensa.
Mas eu vou.
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