The Huffington Post | De Justin Block
29/10/2015
Greg Hardy, jogador de futebol americano condenado por agressão doméstica, retornou à National Football League (NFL) em meados de outubro com uma companhia: seu histórico de violência contra mulheres agora o seguirá até o estacionamento, pelo AT&T Stadium, pelos vestiários e até o campo.
29/10/2015
O negócio é complicado.
Greg Hardy será banido para sempre da NFL se voltar a cometer uma agressão doméstica. |
Mas, se voltar a agredir uma mulher, o mesmo histórico o expulsará do campo e da liga para sempre.
Desde que o site TMZ divulgou, há mais de um ano, um vídeo do também jogador da NFL Ray Rice agredindo a então namorada Janay Palmer no elevador de um cassino, tanto a liga de futebol americano quanto a do Canadá, a Canadian Football League (CFL), lançaram políticas contra a violência doméstica com o auxílio de especialistas, que adotam uma abordagem no estilo “me ajude a te ajudar” para agressores e vítimas.
Por trás dessas novas políticas contra a violência doméstica encontra-se um novo tipo de possível punição, talvez o maior castigo que uma liga pode impor a qualquer homem que ganha a vida jogando futebol: ser banido para sempre.
No caso da NFL, com “dois cartões amarelos”, o jogador está fora. Hardy já tem uma passagem pela polícia por agressão doméstica.
Em julho de 2014, ele foi condenado por agredir e ameaçar a ex-namorada Nicole Holder, que o acusou de estrangulá-la e depois jogá-la sobre um sofá coberto de armas no começo daquele ano.
“Se investigarmos e concluirmos que há provas suficientes que revelem que ele cometeu uma segunda infração de violência doméstica, então sim, ele seria banido para sempre, totalmente”, disse Lisa Friel, conselheira especial da NFL para investigações, em entrevista.
Greg Hardy, jogador do Dallas Cowboys, já tem uma passagem pela polícia por agressão doméstica.
A possibilidade de um banimento definitivo foi pouco discutida desde que as novas políticas foram anunciadas pela NFL em agosto de 2014, e pela CFL em agosto deste ano.
Se a punição é apropriada ou não traz questionamentos. Como disciplinar homens que agridem mulheres no ambiente doméstico de uma forma que realmente reduza a violência e ajude as vítimas, em vez de punir o agressor pela punição em si?
E quando, se realmente possível, um banimento definitivo teria esse efeito?
As respostas para essas perguntas são complicadas, já que cada caso de violência é único em relação às duas pessoas envolvidas. A simples ameaça de um banimento definitivo soa como uma poderosa arma que poderia impedir jogadores de agredir suas parceiras.
Especialistas, no entanto, discordam quanto à eficácia desse tipo de punição. Ruth Glenn, diretora da Coalizão Nacional Contra a Violência Doméstica, nos EUA, acredita que nenhum impedimento, nem mesmo a possibilidade de perder a própria vida, tem o poder de evitar que o agressor cometa um ato violento em determinado momento. Rita Smith, consultora sênior da NFL para casos de violência doméstica e agressão sexual que ajudou a criar a política da liga, contesta a afirmação.
“Não acredito que isso seja verdade para todas as pessoas que escolheram usar a violência”, disse.
“Acho que, provavelmente, vários deles podem ser educados sobre o que os leva a fazer uso da violência e outras oportunidades para que possam obter resultados sem fazer as coisas que estão fazendo.
Mas realmente acredito que exista um grupo pequeno que pratica a violência em uma escala crescente, e são, de fato, pessoas letais não importando o que façamos.”
Pesquisas sobre meios para inibir a violência doméstica foram amplamente focadas em prisões e processos como formas de prevenir um abuso recorrente.
Um relatório de 2009 do Departamento de Justiça dos Estados Unidos revelou que o envolvimento da polícia, independentemente se o agressor tenha sido preso ou não,tem um forte efeito de impedimento, mas estudos anteriores mostraram que as prisões apenas são eficazes quando o agressor tem algo a perder em seu ambiente social.
No caso das sentenças, o mesmo relatório do Departamento de Justiça dos EUA afirmou que processar os agressores sem levar em conta seu nível específico de risco não impede futuros abusos.
Em resumo, é difícil dizer se a ameaça de um banimento definitivo da NFL poderia prevenir a violência, mas a pesquisa sugere que uma intervenção inicial seja da polícia ou da comunidade local do agressor pode ter um forte impacto na prevenção de mais agressões.
Porém, uma ameaça muito severa poderia dissuadir uma vítima dependente financeiramente de denunciar uma agressão. Holder, a ex-namorada do jogador Hardy, é um exemplo. O jogador pagava seu aluguel, e ela não o denunciou imediatamente à polícia por medo de retaliação.
"Puni-lo tem o efeito de imediatamente punir a mulher e os filhos.”
Os casos não denunciados de violência doméstica são um problema de grande relevância. Um estudo de 2013 da revista American Journal of Epidemiology revelou que apenas 7% das mulheres que sofrem violência de gênero no mundo todo denunciam a agressão.
A NFL tem de fazer o possível para elevar esse número, em vez de diminuí-lo. A liga também sabe disso.
“A última coisa que queremos é fazer algo que diminua ainda mais as denúncias”, diz Friel, conselheira especial da NFL.
Mas a possibilidade de um banimento definitivo permanece, embora retirar para sempre a fonte de renda de um agressor possa desestabilizar ainda mais uma situação perigosa, como a que existia entre Hardy e Holder.
Afinal, deixar de jogar futebol significa não somente perder o salário da NFL, mas também acordos de patrocínio lucrativos e participações pagas em eventos, o que resultaria em menos segurança e mais raiva.
“[Os agressores] podem representar um apoio financeiro importante para a família, por isso, puni-lo tem o efeito de imediatamente punir a mulher e os filhos”, disse Tracy Porteous, diretora-executiva da Associação para o Fim da Violência da Colúmbia Britânica e uma das especialistas que ajudaram a elaborar a política de violência contra a mulher da liga de futebol canadense.
Infelizmente, o caso de Holder não é o único. Em 98% dos casos de violência doméstica, o abuso financeiro, no qual o agressor controla a liberdade financeira da vítima, também é denunciado, segundo o grupo de mídia U.S. News & World Report.
Porteous disse que a política da CFL foi baseada em grande parte no modelo da NFL (“por que inventar a roda?”), mas com uma grande diferença. A CFL adotou uma abordagem distinta em relação às punições para violência doméstica, permitindo que o comissário Jeffrey Orridge possa aplicar punições personalizadas — um banimento definitivo nesse caso nunca é uma certeza, mas sempre uma ameaça.
A NFL, por outro lado, adotou uma abordagem dura e rápida em relação às punições contra violência doméstica, provavelmente como resultado dos equívocos anteriores do comissário da liga, Roger Goodell, no caso do jogador Rice. Ao implementar uma suspensão inicial de seis jogos para a primeira infração e um banimento definitivo no caso de um segundo ato de violência doméstica (com a possibilidade de recorrer depois de um ano), a NFL quer garantir que as punições sejam menos dependentes da interpretação de uma só pessoa. Como Goodell, por exemplo.
Roger Goodell, comissário da NFL, está tentando aprender mais sobre o tema de violência doméstica com especialistas, diz uma consultora.
Friel, a conselheira especial da NFL para investigações, acredita que essas punições iniciais são úteis nas sentenças, uma convicção que ela atribui à sua experiência no comando da Unidade de Promotoria de Crimes Sexuais do distrito de Nova York.
Mas enfatizou que a política da NFL recomenda que o comissário considere circunstâncias agravantes ou que possam mitigar as acusações antes de aplicar a suspensão.
Esse foi o caso quando Hardy foi suspenso por dez jogos, depois reduzidos a quatro por um tribunal de arbitragem.
Em sua decisão, Goodell considerou quatro indícios de violência física, como os ferimentos no pescoço de Holder, as armas de Hardy, e o fato claramente óbvio de que um homem de 1,80 metro e com 125 kg se aproveitou de seu tamanho para atacar uma mulher com um porte muito menor — todos considerados “fatores agravantes” na política da NFL, o que levou a uma suspensão mais longa para Hardy.
Dawn Dalton, diretor-executivo do Projeto de Empoderamento Legal e Petições em Violência Doméstica, tem dúvidas se os comissários Goodell e Orridge, dois homens com total falta de experiência no campo de violência doméstica, usarão seu poder de forma eficaz algum dia.
Mas Smith, consultora sênior da NFL, e Porteous, da CFL, estão confiantes de que providenciaram os especialistas internos e recursos necessários às ligas para evitar equívocos como o ocorrido com o jogador Rice em 2014.
Um vídeo mostra Ray Rice, à direita, agredindo Janay Palmer, agora sua esposa, no elevador de um cassino
Smith destacou as visitas de Goodell às unidades da Linha Direta Nacional de Violência Doméstica e do Centro Nacional de Recursos para Violência Sexual como prova de que ele está tentando aprender mais sobre o assunto com especialistas. “Está tentando aprender pessoalmente sobre esses assuntos com o objetivo de tomar decisões mais apropriadas e esclarecendo a política para que todos saibam desde o começo quais podem ser as possíveis consequências”, disse.
Independentemente dos diferentes níveis de confiança em Goodell e Orridge, especialistas e defensores das mulheres dizem que banir um jogador da liga para sempre pode ser bom para causar impacto, mas que não resolve muito a situação.
“Em última análise, não é a resposta para acabar com a violência doméstica — pegar uma pessoa e bani-la pensando que o problema está resolvido”, diz Travis Lulay, quarterback (líder da equipe ofensiva) do B.C. Lions e uma das principais vozes da CFL no combate à violência contra as mulheres.
“Acho que tem o potencial de aumentar o risco para a vítima”, acrescentou Ruth Glenn, da Coalizão Nacional Contra a Violência Doméstica.
Porteous, da CFL, concorda. “A resposta não está em proibir imediatamente alguém de jogar futebol”, diz. “A resposta está em tentar ver uma mudança de comportamento.”
Mesmo Friel, da NFL, admite que o banimento definitivo não é o resultado ideal, embora tenha acrescentado que “adotar uma postura forte vai ser parte do esforço para mudar como a violência doméstica é tratada no país”.
Mas ela se mostra otimista que a possibilidade de recurso após um ano funcione como uma “cenoura” para o coelho, estimulando o jogador banido a mudar seu comportamento, destacando que qualquer punição pela NFL inclui a necessidade de aconselhamento.
“Queremos que isso provoque uma mudança. Para que você [o jogador] tenha uma chance de mudar”, diz.
Hardy não parece ter mudado muito. Ainda não. Ele não quis comentar o próprio caso de violência cometido quando abordado por repórteres, e Friel admitiu que seus comentários a decepcionaram.
“Parece que seu modo de pensar não é o que gostaríamos a essa altura”, disse. “É preocupante.”
“Desejo, por sua segurança, e pela segurança de outras pessoas que seu comportamento seja melhor do que seu linguajar”, diz Friel.
Se não for, será expulso. Mas a quem isso ajuda exatamente fora das relações públicas da NFL ainda não está claro.
Precisa de ajuda?
No Brasil, Ligue 180 para denunciar casos de agressão doméstica ou ameaças contra mulheres.
Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.
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