Depois de sofrer perseguição e uma tentativa de estupro no ano passado, a estudante de geografia procurou ajuda da universidade e da polícia. Mais de um ano se passou desde a denúncia e nenhuma atitude foi tomada. Essa semana, ela sofreu um novo ataque e quer usar as redes sociais para aumentar sua segurança
Escrito por Isabella D’Ercole Atualizado em 30/10/2015 em Claudia
Desde quarta-feira, um post da estudante de geografia Luisa Cruz foi compartilhado por mais de seis mil pessoas. No texto, a aluna da Universidade de São Paulo (USP) relata um ataque vivido dentro da instituição. E não é o primeiro. “Ano passado fui perseguida, ameaçada e sofri uma brutal tentativa de estupro. Busquei ajuda da própria universidade, da polícia e de todos os meios legais que tinha à minha disposição. Nenhuma atitude foi tomada e as ameaças continuaram”, escreveu.
Este mês, ela encontrou outro bilhete em seu carro. A mensagem ameaçadora dizia: “Enquanto você estiver aqui, estarei”. Uma semana depois, mais um contato do perseguidor aconteceu através do e-mail da aluna. “Tive meu e-mail invadido e recebi um e-mail enviado pela minha própria conta. No texto a pessoa me ameaça, alega saber fatos sobre meu cotidiano, afirma não ser a mesma pessoa que me agrediu no ano passado e, principalmente, condena o meu envolvimento com mulheres que já sofreram agressões dentro da universidade e denunciaram as violências sofridas, sugerindo que eu deveria rever minhas amizades e o tempo que gasto “acobertando vagabundas” e, nitidamente, buscando me intimidar ao falar ‘sei seu endereço, sei sua rotina’”, relatou.
Uma pesquisa feita pela própria aluna revelou que a mensagem tinha sido enviada de um computador de dentro do prédio de geografia: o agressor de Luisa frequenta os mesmos ambientes que ela. Ela nunca viu o rosto do homem. O máximo que conseguiu foi enxergar as mãos dele durante a agressão sofrida no ano passado, quando ele a imobilizou e tentou estuprá-la dentro do carro dela. Quando ela reagiu, ele bateu a cabeça dela contra a porta do carro e fugiu.
Luisa já tem diversos boletins de ocorrência registrados. Fez, inclusive, um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal após esse episódio da agressão. Dentro da USP, uma sindicância foi aberta, mas não houve conclusão. Ela pediu acesso às câmeras de segurança da universidade e descobriu que o sistema não funcionava. Por algum tempo, até pensou em desistir do curso. Abandonou as aulas noturnas e andava sempre acompanhada por um amigo, que, depois de um tempo, recebeu ameaças do agressor pela proximidade com a vítima.
“Como é recorrente nessas situações, o caso permaneceu sem solução e logo me vi desamparada mesmo com todos meus pedidos de ajuda. O que funcionou e fez meu agressor ao menos parar de se manifestar foi a publicização do meu caso. Meu relato garantiu de alguma forma minha proteção. Mas não evitou que eu vivesse todos os dias do último ano tensa sem saber quem era o agressor e sem saber se eu estava segura. Até eu ter de fato a certeza de que não estou segura, porque mais uma vez estou sendo perseguida e ameaçada. E mais uma vez venho falar e denunciar o que está acontecendo comigo”, declarou ela em depoimento a uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa de São Paulo, que investigou violações de direitos humanos nas universidades do estado de São Paulo, finalizada em março deste ano.
Com o caso de Luisa ressurgindo e ganhando notoriedade, temos que questionar o apoio que está sendo oferecido a essas vítimas. Dentro da universidade, os coletivos estão acolhendo Luisa. Uma rede formada por professoras pelo fim da violência de gênero também está ajudando a aluna. Segundo a professora Heloísa Buarque, do departamento de Antropologia Social, é necessário organizar um movimento e levar novamente a questão à ouvidoria e aos órgãos responsáveis dentro da USP. “Todos os professores têm que ter conhecimento do que está acontecendo com Luisa. Primeiro, para ficar de olho caso vejam alguma coisa estranha. Depois, porque ela precisa ser acolhida. Não pode se sentir insegura o tempo todo. Meu medo é que, em ultima instância, ela abandone o curso por medo”, explica. A professora acredita que o motivo do agressor ter parado de perseguir Luisa no ano passado foi a exposição do caso dentro da instituição: “Ele ficou com medo de ser pego”.
Os próximos passos
Agora, há mais ferramentas para o sucesso da investigação policial. “Com o IP do computador que foi invadido, é possível precisar quais alunos usaram seu registro para acessar aquela máquina”, ressalta a promotora Silvia Chakian, coordenadora do Gevid (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica) do Ministério Público de São Paulo. Segundo ela, a investigação deve ser bem feita, pois vai garantir subsídios para o promotor poder identificar e julgar o autor do crime na ação penal. “Mas é preciso entender que, nesse caso, vários crimes foram cometidos contra a Luisa. Cada e-mail, cada bilhete, ameaça e a própria tentativa de estupro são crimes separados”, explica ela.
Fora a ação criminal, há que pensar também em uma ação dentro da universidade. Com a importância que o caso ganhou, a promotoria de direitos humanos assumiu a função de investigar se há indícios o suficiente para instaurar uma investigação dentro do campus. “Por que essas câmeras estão quebradas? É de responsabilidade da USP garantir a segurança de seus estudantes e sabemos que as mulheres estão ainda mais sujeitas à violência. A iluminação, por exemplo, precisa ser suficiente”, afirma Silvia. Até meados da próxima semana, a promotoria deve definir o resultado dessa apuração.
Silvia destaca que, para a mulher, esse momento da denúncia e da exposição é especialmente sensível. “Quando a mulher relata a violência sexual, ela é recebida com questionamentos, as pessoas não acreditam”, conta. “Nessa hora, o que ela mais precisa é ser acolhida. Se o depoimento é recebido com credibilidade e respeito, as providências corretas são tomadas”.
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