DIEGO OLIVARES · MARÇO 28, 2016
Um indivíduo de 30 anos num relacionamento amoroso cujo futuro não parece promissor, uma carreira profissional incerta e pais que, mesmo vendo o filho já bem crescido, vivem no limite entre a superproteção e o autoritarismo. A descrição encaixaria em muita gente, de diferentes lugares do mundo, neste início do século XXI.
Um indivíduo de 30 anos num relacionamento amoroso cujo futuro não parece promissor, uma carreira profissional incerta e pais que, mesmo vendo o filho já bem crescido, vivem no limite entre a superproteção e o autoritarismo. A descrição encaixaria em muita gente, de diferentes lugares do mundo, neste início do século XXI.
No caso, é o cotidiano de Cristiana (interpretada por Elena Popo), a protagonista de Autorretrato de Uma Filha Obediente, segundo longa da diretora romena Ana Lungu, que estreia nos cinemas após passagem pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Formada em psicologia, Ana coloca sua personagem em primeiro plano no filme. Assim, acompanhamos alguns dias na vida de Cristina em que nada muito grandioso acontece: ela começa a morar sozinha, pensa sobre ter filhos ou adotar um cachorro, encontra-se com amigos e com o homem casado com quem tem um caso.
“Para mim, a estrutura de roteiro em três atos simplifica a realidade para se ajustar mais fácil à fórmulas narrativas que eu tentei evitar”, explicou a cineasta, por email. Ao optar por um estilo naturalista, ela usa planos fixos e longos em suas cenas, num ritmo propositadamente lento, como a própria vida de sua heroína. A cineasta também escalou os próprios pais e amigos para formar o elenco, que conta apenas com Elena como atriz profissional.
Sem se apegar a análises sociais ou políticas, Ana Lungu mantém seu interesse na psiqué dos personagens que constrói, e também não está particularmente preocupada com a discussão sobre feminismo que vem crescendo no cinema mundial: “Acredito que as maiores questões da vida humana não são políticas nem sociais, mas individuais”.
De Bucareste, sua cidade natal, a diretora conversou com o TelaTela:
TelaTela – A personagem principal do filme é uma mulher de 30 anos que vive uma vida sem grandes aspirações, um relacionamento não muito romântico e ainda depende emocionalmente dos pais. Você sente que Cristiana representa uma geração?
Ana Lungu – O filme lida com o amadurecimento de Cristiana, a hora em que ela tem que sair de casa – o que, no caso dela, acontece ao contrário, já que são os pais que saem e deixam o apartamento para ela morar sozinha.
Enquanto na Europa ocidental a fase de separação dos pais acontece numa idade anterior, quando os filhos saem para fazer faculdade e a influência dos pais em suas vidas diminui, no leste europeu este processo é bem mais lento. O modelo dominante (pelo menos em minha geração) é o autoritário, no qual o filho só é elogiado se é bonzinho ou respeitoso. Cristiana é confrontada com esta maneira de construir relações, com a qual tenta romper, sem estar pronta para abrir mão das vantagens que ela traz.
Além de cineasta, você é também psicoanalista. Como isto ajuda quando você está construindo uma personagem?
Com relação ao roteiro, acredito que minha formação em psicologia faz com que eu seja mais interessada nas personagens do que na trama. Procuro por gestos pequenos e sinais de comportamento que contrariem impressões mais gerais. Em termos de atuação, me interesso por um estilo naturalista que elimine toda a dramatização. Por isso a maioria do elenco é formado por não profissionais. Acredito que estes acabam por se expor mais, devido a sua falta de experiência.
Este estilo naturalista é algo bem comum no cinema europeu, utilizado por diretores como os Irmãos Dardenne ou, para citar outro romeno, Cristian Mungiu. Quais aspectos desta narrativa você considera mais interessante?
A história não tem uma narrativa clássica: ela foca em incidentes comuns, dramas do cotidiano, não há eventos de mudança de vida. Para mim, a estrutura de roteiro em três atos simplifica a realidade para se ajustar mais fácil à fórmulas narrativas que eu tentei evitar. Os personagens – intelectuais, não muito retratados no cinema romeno contemporâneo – eram de importância vital para mim. Eles se autoanalisam, racionalizam e teorizam bastante.
Nos últimos anos, vemos cada vez mais realizadoras e críticos no mundo todo falando sobre feminismo e a forma com que as mulheres são representadas nas telas. Qual é a seu posicionamento neste assunto? É uma preocupação quando você faz um filme?
Honestamente, não é uma preocupação quando estou fazendo um filme. Mas não me oponho à interpretações feministas, porque acredito que as interpretações estão além das intenções dos diretores. Em termos de discriminação, na minha opinião, não há na Romênia discriminação com diretoras mulheres. Acredito que existam menos porque há menos mulheres interessadas em dirigir do que homens.
O que é compreensível, já que acredito que a direção é, de alguma forma, uma profissão “masculina”. Assim como, por exemplo, psicoterapeuta é uma profissão “feminina”. O que, é claro, não quer dizer que não pode haver terapeutas homens excelentes, às vezes até melhores, e vice-versa.
Aqui no Brasil há muitas mulheres lutando por mais reconhecimento no audiovisual, uma luta que nós, do próprio TelaTela, acompanhamos e encampamos. Qual é o motivo que faz você acreditar que a direção de cinema é uma profissão mais masculina?
Te respondo citando Robert Bresson (famoso cineasta francês, responsável por obras fundamentais, como Pickpocket), no livro Notas de um Cinematógrafo: “Cinematografia é uma arte militar. Prepare um filme como uma batalha”.
Para mim, a maior luta é conseguir financiamento, e então reconhecimento, por um filme que não tem uma mensagem política nem comercial, ou potencial popular. É cada vez mais difícil. Acredito que as maiores questões da vida humana não são políticas nem sociais, mas individuais.
O que você se lembra da sua passagem e das conversas com o público na Mostra de São Paulo?
Foi uma experiência maravilhosa. Me apaixonei pela cidade de São Paulo. A natureza, especialmente a vegetação, é tão diferente do país onde vivo que o sentimento foi um pouco como mágica para mim. Por outro lado, as pessoas me pareciam muito familiares. Acredito que o público entendeu muito bem os personagens e suas relações psicológicas. Espero que isso seja confirmado com o lançamento comercial.
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