No Brasil, existe uma proporção similar de mulheres e homens entre os cientistas, considerando todas as áreas, que publicam. Um estudo da Unesco aponta que no Conicet – instituição de fomento à ciência argentina – tem mais mulheres que homens em atividades nas ciências. Em 2015, o premiê canadense eleito, Justin Trudeau, compôs um ministério com metade das cadeiras ocupadas por mulheres e, quando perguntado por que, respondeu: “porque estamos em 2015”.
Foi com essas ilustrações que Nara Guisoni, pesquisadora da Universidad de La Plata, na Argentina, e ativista das questões de gênero, iniciou a mesa redonda “Mulheres na ciência”, durante o último dia da 19ª Reunião Científica Anual do Instituto Butantan, na sexta-feira, 1° de dezembro.
Para compor a mesa estiveram presentes Vanderlan Bolzani, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professora titular do Instituto de Química da Unesp, com o tema “Mulheres na ciência: Por que ainda somos tão poucas?”, e Maísa Splendore Della Casa, pesquisadora do Instituto Butantan, coordenando a atividade.
Guisoni mostrou à plateia dados de bolsas do CNPq de 2001 e 2015 que atestam a presença das mulheres quase em pé de igualdade com os homens nas bolsas menos concorridas. Mas, submetidos a uma análise rápida, evidenciam a disparidade na concessão de bolsas de produtividade de nível 1A e categoria sênior.
“Quanto mais pra cima você vai” – explica a pesquisadora –, “maior é a desigualdade entre homens e mulheres. Ou seja, ainda que entre os que publicam no Brasil nós tenhamos a mesma proporção entre homens e mulheres, isso não é verdade com relação aos lugares de maior poder na universidade e no meio científico.”
As discrepâncias estão também nas premiações e a cientista argentina não deixou de apontá-las na maior delas, o Prêmio Nobel. Entre 1901 e 2017, o Nobel foi entregue a quase 900 pessoas em suas seis categorias. Dessas, somente 48 foram mulheres. Aproximadamente 5%, mostrou em outro gráfico.
Além disso, Guizoni falou também das dificuldades enfrentadas pelas mulheres na mobilidade acadêmica e das diferenças entre os sexos na concessão de bolsas do CNPq no exterior, cenário recorrente em todas as áreas.
Ao final, Guisoni celebrou algumas cientistas mulheres, como Vera Bohomoletz e Amélia Império Hamburger: “Nós estamos proibidas de pedir essas bolsas? Não, não estamos. Mas parece que tem um teto de vidro que nos impede de chegar. Não é mais como na época da Marie Curie, que não podia estudar. Agora nós podemos, mas de todo jeito, parece que não podemos chegar ao topo”.
Desafio global
Corroborando a fala de Gisoni, Bolzani falou de sua experiência acadêmica e dos lugares de destaque que ocupa na ciência brasileira, a despeito das dificuldades impostas por regras invisíveis, identificadas por ela como herança de uma cultura patriarcal que, como disse o premiê canadense, em 2017 precisa ser superada.
“Nós mulheres – defende a cientista – já somos maioria na graduação e estamos quase iguais em muitos espaços, mas o que diferencia e dificulta é quando galgamos posições historicamente ocupadas por homens. Acredito que também fomos educadas numa cultura na qual a mulher também era “machista”, traço de nossa própria formação cultural. As meninas de hoje, certamente, não sentirão esta diferença no futuro, o que acredito seja o caminho mais inteligente – homens e mulheres construindo um mundo mais humano e sustentável”.
Recentemente, a vice-presidente da SBPC publicou um artigo na revista Ciência&Cultura analisando o fenômeno da representação desigual das mulheres nas carreiras científicas, especialmente nas áreas de STEM (Ciência, tecnologia, engenharias e matemática, na sigla em inglês). No artigo, ela aponta que as desigualdades aparecem justamente quando se observa separadamente as áreas do conhecimento – nas ciências agrícolas, por exemplo, as mulheres são menos de 30%. A desproporção é semelhante na física, química, engenharia e matemática, onde a participação feminina não chega a 40%.
“Algumas áreas são mais conservadoras do que outras, mas precisam ser mais bem analisadas. As biológicas parecem menos conservadoras, pelos índices que nós temos. É evidente que se desde muito cedo há estímulo para as crianças brincarem e desenvolverem o raciocínio sem distinção de gênero, nós formaremos tanto meninas quanto meninos altamente capazes em todas as áreas do conhecimento”, avaliou.
Bolzani enxerga na questão de gênero um desafio mundial e pelo qual temos que evoluir. E demonstrou isso ao final de sua fala: “Se nós não tivermos os meninos e as meninas unidos pelas suas virtudes, forças e fragilidades em busca de ideais comuns, nós não teremos futuro”, concluiu.
Marcelo Rodrigues, estagiário do Jornal da Ciência
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