30 dezembro 2017
"Às vezes, tenho dificuldades para dormir porque posso escutar os disparos, como se estivessem grudados na minha orelha", conta Laquita Duvall, mãe de dois pré-adolescentes.
Ela vive em um subúrbio da cidade de Atlanta, capital do Estado da Geórgia, uma das 20 cidades mais violentas dos Estados Unidos, segundo dados do FBI de 2016.
A cidade foi foco de um dos maiores estudos científicos nacionais sobre o transtorno de estresse pós-traumático em centros urbanos, uma condição tradicionalmente associada a traumas de guerra.
Segundo os resultados da pesquisa, entre os moradores de bairros pobres de Atlanta a prevalência do transtorno de estresse pós-traumático era de 46%, muito maior que a identificada entre os veteranos das guerras do Iraque e do Afeganistão (entre 11% e 20%).
Para as crianças em particular, os bairros mais pobres de Atlanta podem parecer um verdadeiro campo de batalha, como constatou o repórter da BBC Aleem Maqbool, enviado à cidade.
'Guerra urbana'
Basta um passeio de carro pelas zonas mais desfavorecidas para se deparar com ambiente hostil - no qual crescem muitas crianças.
"Abuso de drogas, atividades de grupos criminosos, disparos, tiros de carros em movimento... há muitas coisas com as quais as crianças precisam lidar e que não são experiências típicas para essa idade", afirmou a tenente Shavonne Edwards, do escritório do xerife do Condado de Fulton.
"Para eles, 'a guerra' pode ser desde um tiroteio entre gangues rivais, até caminhar pela rua e pisar em uma seringa ou ver alguém usando drogas. Isso é 'a guerra'", acrescentou.
"Estas crianças veem essas coisas diariamente e podem pensar que é normal, mas nós sabemos que não é."
Algumas dessas experiências potencialmente traumáticas são comuns em muitos bairros da América Latina. Mas chama a atenção que isso também ocorra nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo.
Impacto no cérebro
O índice de assassinatos com arma de fogo nos Estados Unidos é muito maior do que em qualquer outro país desenvolvido.
Por isso, nas periferias das cidades americanas, é comum o contato com a violência urbana.
Na realidade, faz pouco tempo que o transtorno de estresse pós-traumático foi reconhecido como uma condição mental também entre os civis.
Agora, vários pesquisadores estão estudando o impacto que este transtorno tem sobre o desenvolvimento de crianças.
"No bairro, as crianças podem escutar um foguete e isso pode soar como um disparo, gerando nelas uma resposta de pânico", explica Tanya Jovanovic, diretora do projeto Grady Trauma.
"Podem experimentar um aumento do suor e das palpitações... na linguagem médica, chamamos isso de hipervigilância: a incapacidade de sentirem-se seguros", afirmou.
"Tanto seus cérebros como seu corpo crescem em ritmo mais acelerado. Seus cérebros estão se adaptando a esses disparos e a esta violência na cidade, e podemos ver isso nos scanners", acrescentou.
'Sempre em perigo'
Segundo a especialista em trauma, as experiências às quais as crianças estão expostas fazem com que seus cérebros cresçam mais rapidamente.
Como consequência, elas têm mais dificuldades de aprendizagem e para construir relacionamentos. Além disso, são mais propensas a desenvolver depressão e se envolver com drogas.
"Ao contrário dos soldados, que voltam para casa e deixam de estar em um ambiente perigoso, muitas das crianças do nosso estudo continuam vivendo nesse ambiente", disse Jovanovic.
'No chão'
Angel e sua mãe participaram por acaso no estudo do projeto Grady Trauma. Sua experiência de vida é típica do bairro onde vivem.
"Estávamos na cama e começaram a disparar. Então, minha mãe entrou e falou para nos deitarmos no chão e não nos levantarmos até que (o tiroteio) acabasse", lembra Angel, pré-adolescente, com um meio sorriso, que contrasta com a gravidade da história que está contando. "Depois pararam e morreu uma pessoa. Aí, veio a polícia."
"Às vezes, quando as crianças descem do ônibus escolar, escutamos disparos que vem do complexo de apartamentos ao lado", relata sua mãe, Laquita Duvall.
Segundo os pesquisadores, os níveis de transtorno de estresse pós-traumático nos bairros de periferia dos Estados Unidos são comparáveis aos encontrados em acampamentos de refugiados de muitos países do mundo.
Mas, por outro lado, passam despercebidos. E aqueles que sofrem com isso precisam lidar com a situação por conta própria.
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