Conversamos com o Ivan Martins e Tulio Custodio para falar sobre o papel da agressividade no cotidiano dos homens
9 de Dezembro de 2017
E como isso pode ser danoso. A agressividade é parte quase que integrante da formação masculina, chegando desde de muito cedo em nossos ouvidos, ensinado desde sempre entre parentes mais velhos e amigos da rua, nos filmes e desenhos animados.
No evento Homens Possíveis, que o PapodeHomem realizou agora em dezembro, nós conversamos sobre masculinidades agressivas e como avançar em melhorias neste tipo de comportamento, algo que beneficiaria a sociedade como um todo e ps próprios homens, que se veriam livres de muitos pesos.
Na conversa, Ivan Martins (jornalista e escritor) e Tulio Custodio (sociólogo e pertencente ao coletivo Sistema Negro) falam dos problemas da agressividade masculina e da anulação do outro neste processo:
Para além disso, eu conversei com cada um deles para falar um pouco mais do tema, nas entrevistas aqui embaixo:
Papo com Ivan Martins: "são simplesmente sentimentos humanos. Que a gente precisa deixar que eles apareçam"
1. Qual é o papel da agressividade na masculinidade de hoje?
Ivan: É um papel muito forte. Forte demais, na realidade. Cada homem sabe como vive dentro de si com um pequeno tirano exigindo que a gente seja agressivo e nos censurando mortalmente se a gente age de qualquer maneira que seja parecida com covarde, com um bunda-mole, com um cuzão. Isso é uma coisa muito forte.
Existe esse impulso dentro de nós, uma espécie de super-ego masculino hipertrofiado que fica dizendo pra gente o tempo inteiro que a gente tem que ser macho, que você não pode arregar, que você tem que resolver as coisas de uma maneira física, que você tem que se impor sobre os outros exigindo respeito. É uma espécie de Bruce Willis. Todo homem tem uma espécie de Bruce Willis dentro de si.
Agora, francamente, o Bruce Willis dos filmes é um psicopata. Então a gente também tem um pequeno Bruce Willis, um psicopata dentro de nós exigindo que a gente faça merda o tempo inteiro pra provar que é homem. Provar pra si, pros amigos, pra sociedade, pra as mulheres e, sobretudo, pra nós mesmos.
2. Como você acha que podemos avançar, como sociedade, para minar o comportamento agressivo dentro da masculinidade, seja no fator interno (querer reagir ao invés de resolver uma situação tensa), seja no fator externo (o de se ver agir no coletivo contra casos como o da briga de casal em que o homem tinha uma postura truculenta contra a namorada)?
Ivan: Gradualmente educando a nós mesmos e os nossos amigos. Sobretudo os nossos filhos, as próximas gerações, a viver uma cultura menos machista. Porque esse negócio é machismo, que é transmitido de pai pra filho, que é transmitido na escola, nos grupos de amizade, com algumas mulheres que a gente arruma, que ficam cobrando que a gente seja "macho".
A gente tem que superar isso, enxergando que esse não é um modelo de felicidade. Esse é um modelo de infelicidade para os homens e de violência para a sociedade, que acarreta mortes, criminalidade, acidentes de trânsito, bebedeira, auto-destruição física. Então a gente tem que superar a masculinidade vulgar, infantil e destrutiva pra chegar em uma outra coisa. E essa coisa é: os homens serão como eles quiserem ser! Sem ter um padrão tão rígido de comportamento.
Um caminho é se mirar um pouco na cultura feminina. As mulheres são muito mais flexíveis que nós na feminilidade delas. Tem muito mais jeitos de ser mulher do que de ser homem. Reparem. As mulheres são mais flexíveis! Elas não têm medo de ser de um jeito ou de outro. Simplesmente são. Elas admitem as fraquezas e vulnerabilidades delas. A gente pode aprender isso com as mulheres. E a gente tem que aprender a olhar dentro de nós e permitir que se manifeste esse lado mais feminino que é menos agressivo... e que tá lá, que a gente reprime durante a infância, que é reprimido no processo educacional, no processo de crescer, no processo familiar.
Então eu acho que a gente tem que se mirar um pouco mais nas mulheres, aprender com elas e entrar em contato com esse sentimento que são apresentados como femininos, mas que são simplesmente sentimentos humanos. Que a gente precisa deixar que eles apareçam.
3. Que buscas mais benéficas os homens podem fazer em vez da busca pela constante autoafirmação?
Ivan: Os homens podem fazer uma busca pelo autoconhecimento, uma busca pela expansão dos seus horizontes, uma busca pelo crescimento interior, pra entrar em contato com mais pedaços de si mesmo, que não seja essa coisa...
Ser homem não é essa caricatura "eu bato", "eu fodo", "eu prevaleço", "eu engano". Ser homem pode ser tantas coisas! A gente tem que buscar essa expansão, sabe, ser um bom pai no sentido de um cara amoroso que tá lá [presente], ser um bom companheiro pra sua mulher ou pra sua namorada, no sentido de cuidar dela, ser feliz com ela, estar livre com ela no sentido da sua sexualidade, no seu comportamento.
A gente tem que buscar fronteiras dentro de nós e compartilhar as descobertas dessas fronteiras com aqueles homens que estão próximos da gente, e não escondê-la. Você não tá fazendo nada de errado se você se torna um cara mais sensível ou mais isso, ou mais aquilo. Ser mais feminino não é uma coisa ruim, é uma coisa a ser partilhada.
A gente tem que crescer existencialmente e dividir isso.
Papo com Tulio Custodio: "para olharmos masculinidades de maneira mais ampla, assim, basta que não nos enganamos de achar que é possível discutir o assunto de maneira isolada, ou tecnicista"
1. “A gente exercita a ideia de que o outro pode ser anulado. No trabalho também”. Como você vê um possível avanço neste sentido, em que homens parem se trabalhar com a ideia da anulação do outro? Pra onde uma mudança desse comportamento pode nos levar?
Tulio: Para essa mudança de paradigma, as coisas são um pouco mais complexas. Na verdade porque não se trata apenas de uma mudança de atitude – do sentido "agora vou tratar bem as pessoas e tal" –, mas de uma mudança de valores.
Colocar valores que preconizam a vida do outro como tão importante quanto a sua, e não como "competidora dos mesmos e escassos recursos" está no cerne dessa mudança de paradigma.
Como fazê-lo? Primeiro, talvez, é entender o quanto nós estamos nos interagindo com outro a partir da lógica do conflito. Por que o outro é um inimigo, ou necessariamente estou competindo contra ele? Depois, reconhecer a vida do outra não apenas na sua humanidade mas também como potência, e se fazer a pergunta: como essa vida pode se conectar com a minha? O que posso aprender com ele? Talvez são maneiras práticas de começarmos a reverter esse mindset do conflito e da competitividade.
2. Como podemos observar a masculinidade de maneira mais ampla, abordando questões como raça e disparidades sociais?
Tulio: Para fazermos esse movimento, precisamos pensar que nenhuma discussão sobre lugares de representação social – como designa um marcador de gênero – pode ser analisado sem levar em conta as amplas camadas que sucedem tal experiência.
O que quero dizer é: você é homem, mas não existe "homenidade" sem um lugar histórico, concreto e específico; e essa especificidade é marcada por outros marcadores como sua nacionalidade, sua situação de classe, sua cor, sua condição física, sexualidade entre outros. Para olharmos masculinidades de maneira mais ampla, assim, basta que não nos enganamos de achar que é possível discutir o assunto de maneira isolada, ou tecnicista (no sentido de apenas "especialista em Gênero" podem falar no assunto).
Gênero é parte de um corpo amplo, portanto deve e pode ser trabalhado, discutido e refletido em amplas matrizes de referências, como com a questão racial, ou social e econômica.
3. Você comentou em sua palestra que não adianta apenas a conversa, mas que há a necessidade da ação “violenta” para mudar o status quo. Quais ações práticas você recomenda para que as pessoas saiam das leituras, das conversas, das teorias, e possam avançar genuinamente na questão das masculinidades tóxicas e agressivas?
Tulio: Bem, para falar disso é preciso retomar a própria noção do que significa violência no contexto falado.
Violência é uma prática calcada na destruição, via atitudes, de um comportamento não desejado. O ponto fundamental nisso é que a violência (da contra-violência) deve ser maior para que se supere a estrutura de violências (competitividade, anulação do outro, entre outros) que impera no mundo que vivemos. Nesse sentido, o ato violento é atacar as atitudes e normas que ajudam a reproduzir a violência da estrutura, instaurando uma outra prática, que também é violenta, para aniquilar aquela outra.
Como levei o exemplo na fala: quando viramos para um homem conhecido e confrontamos ele, por exemplo, perguntando porque ele está gastando com cerveja e não está pagando pensão, estamos "agindo com violência", pois na perspectiva da masculinidade tóxica, outros homens não poderiam intervir numa dinâmica familiar, do que seria um espaço privado do outro. No entanto, ao agir assim, estamos sendo "violentos" com aquela norma, para tentar emergir outra: da responsabilidade afetiva e financeira com as famílias e pessoas com as quais aquele homem se relaciona.
Assim, em termos de ações práticas, podemos agir contra todas as atitudes que marcam a reprodução do que é vigente nas masculinidades tóxicas: silêncio, "deixa-pra-lá", "não-tenho-nada-com-isso", "é briga deles, não tenho nada a ver", entre outras coisas.
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