Fronteiras do Pensamento
05.12.2017 | Susan Pinker
Ainda que o sucesso profissional possa trazer muita satisfação, e que bons hábitos de saúde de fato aumentem nossa longevidade, o caminho para uma vida longa e feliz é mais simples do que parece. Foi o que mostrou a psicóloga canadense Susan Pinker, durante a conferência O efeito aldeia, que encerrou a temporada 2017 do Fronteiras do Pensamento.
05.12.2017 | Susan Pinker
Ainda que o sucesso profissional possa trazer muita satisfação, e que bons hábitos de saúde de fato aumentem nossa longevidade, o caminho para uma vida longa e feliz é mais simples do que parece. Foi o que mostrou a psicóloga canadense Susan Pinker, durante a conferência O efeito aldeia, que encerrou a temporada 2017 do Fronteiras do Pensamento.
A convidada apresentou ao público do Fronteiras o percurso de sua pesquisa na cidade de Villagrande Strisaili, na Itália – um vilarejo onde o número de centenários é dez vezes mais alto do que nos EUA e em outras áreas da Europa. Na região, os homens têm ainda a mesma expectativa de vida do que as mulheres – lembrando que, no resto do mundo, as mulheres têm uma média de seis a oito anos a mais de vida. O que Susan descobriu foi que, em Villagrande, a vida social dos habitantes é intensa e formada por variados tipos de relacionamentos: desde relações cotidianas e menos profundas – mas que exercem um papel importante no sentimento de pertença – até conexões mais fortes, pessoas próximas com quem realmente se pode contar.
Desta forma, a psicóloga defendeu o caráter único das interações sociais presenciais. Conforme Pinker, é problemático o aumento do número de horas que passamos nos comunicando através de dispositivos digitais. Ela destacou que a manutenção de laços afetivos presenciais influencia no desenvolvimento de um campo biológico contra doenças, estresse, solidão e depressão.
Logo após sua fala, Susan Pinker respondeu as perguntas do público. Dentre elas, estava a Pergunta Braskem, enviada por nossos seguidores nos canais digitais. Confira abaixo:
Com o uso indiscriminado de tecnologia entre as crianças, como fazer para resgatar, dentro do ambiente familiar, as relações próximas tão importantes para a sobrevivência e a longevidade?
Este é um dos raros momentos em que tenho uma resposta fácil para uma pergunta complexa. Uma das formas mais simples de você restabelecer este contato próximo, e isso vai depois afetar a criança na adolescência, é restabelecer a tradição das refeições familiares. Comer com os filhos, sem telefones à mesa, pelo menos uma vez por dia.
Isso tem um impacto enorme no desenvolvimento infantil. Nas famílias que têm refeições em conjunto pelo menos três vezes por semana, as crianças têm melhor desempenho escolar, menos problemas com drogas na adolescência, e menos comportamentos arriscados em geral. Então, o primeiro efeito da alimentação em conjunto é o de dar uma coesão à família, mas também há estes efeitos adicionais interessantes e é algo que acontece naturalmente.
Acho que é natural aqui no Brasil, nesta cultura, as pessoas comerem reunidas. Infelizmente, isso é algo que vai diminuindo com a presença dos dispositivos digitais, também porque, hoje em dia, estamos cada vez mais ocupados, as crianças estão cada vez mais ocupadas e, em geral, a refeição em conjunto é a primeira coisa que desaparece da nossa rotina, infelizmente.
Susan Pinker também respondeu perguntas da plateia presente. Confira abaixo as lições da psicóloga sobre temas como autismo, morar sozinho e ter pets em casa. Não perca:
INTROVERSÃO
Interação social é como seu apetite. Há pessoas com apetite enorme, que comem grandes quantidades de comida, e há pessoas com apetite menor. Não podemos esperar que todos tenham o mesmo apetite pelo contato social, mas o que sabemos é que, da mesma forma que todos os seres humanos precisam comer, todos precisam de contato social.
Estudos com introvertidos mostraram que, quando eles não têm contato social, eles pegam mais gripe. Ou seja, a resistência fica mais baixa. Ainda que eles achem que para eles era melhor ter menos contato social. Na verdade, a falta de contato os deixa mais vulneráveis. Lembrando que, talvez, eles precisem de uma "refeição menor" apenas, menos contato do que as outras pessoas. Não precisem de seis ou sete horas de interação social, talvez duas horas por dia já sejam suficientes.
Muitas vezes, os introvertidos precisam controlar a situação social para poderem ir embora quando sentem que foi o suficiente. Colocar um introvertido em uma situação em que ele fica preso num jantar por seis horas sentado no meio de estranhos é uma tortura, mas se o introvertido puder ir e voltar na hora que quiser, tendo controle da situação social, então é ótimo.
ESPECTRO AUTISTA
Gostaria de falar um pouco sobre uma parte da sociedade que são as pessoas no espectro autista, e isso é inclusive parte do diagnóstico, esta dificuldade de fazer contato ocular, a dificuldade de interpretar as emoções no rosto das pessoas... Para eles, a internet é um grande benefício, porque podem formar seus grupos sociais com mais facilidade. Mas, paradoxalmente, isso não reduz a solidão. É ótimo, porque elas sentem que têm uma comunidade, mas é basicamente uma comunidade intelectual, muito mais do que um sistema de suporte emocional, que é suprido por nossos amigos.
Preciso comentar que socializar é uma habilidade. Como saber estacionar, aprender trigonometria etc, você precisa praticar. Sem exercitar, você nunca desenvolverá esta capacidade. Quem tem esta dificuldade e se isola não vai melhorar a habilidade, não vai melhorar a solidão. Outra coisa que sabemos é que a vida desta pessoa vai ser 30% mais curta do que dos demais.
OS TRÊS FATORES DA LONGEVIDADE
A pesquisa mostra que há três coisas que são altamente ligadas à expectativa de vida, que são:
- passar muito tempo sozinho, algo que muita gente faz hoje em dia, inclusive porque o trabalho é mais digital,
- quando a pessoa se sente solitária,
- quando mora sozinha.
Então, nestes casos, a vida é, em geral, 30% mais curta do que a de seus pares. E 30% é bastante tempo. É a diferença entre chegar aos 90 ou viver apenas 60 anos. Quando falamos sobre viver sozinho, é preciso lembrar que houve um aumento de 300% destas pessoas nos últimos 40 anos. Ou seja, um aumento enorme em apenas duas gerações. Hoje em dia, há mais gente morando sozinha do que em qualquer outro momento da história.
MEU AMIGO, O PET
A interação com um pet, principalmente cães, gera um vínculo que é ótimo para a saúde. Este tipo de relação também leva à liberação de ocitocina, diminui o nível de estresse, e é divertido, não é mesmo? Mas, o maior efeito de ter um pet é que isso te tira de casa e, ao levá-lo para passear, te faz conhecer outras pessoas. Você sai, conversa sobre outros cães com outras pessoas, e isso se trata dos importantes "vínculos sociais mais fracos", de uma vida social integrada, e o cão acaba sendo o motivo para este desenvolvimento.
O SENTIDO DE VIDA PARA OS IDOSOS
Em Montreal, uma jovem me contou que, na sua família, ninguém queria viver muito. Não queriam perder o cabelo, a memória, a mobilidade. Segundo ela, todos queriam morrer com 50 ou 60 anos. Isso me chocou muito. O âmago da questão é por que você vai querer viver se não tem nada significativo na sua vida para justificar você continuar vivendo? Os idosos na Sardenha eram muito respeitados, incluídos em tudo, eles não eram marginalizados ou negligenciados. Acho que isso é fundamental.
Mas, acho que este fenômeno não vai durar muito tempo por lá, porque as próximas gerações começarão a se mudar para outros lugares, para procurar oportunidades econômicas. A partir do momento em que os filhos começarem a morar longe dos pais, e o contato social dos idosos se perder, esta grande longevidade se perderá.
CONSTRUINDO VILAREJOS EM QUALQUER LUGAR
Você não precisa se mudar para Sardenha para ter os mesmos benefícios. Você precisa construir seu vilarejo onde quer que você more e isso significa priorizar a vida social, encontrar as pessoas, se reunir, planejar, marcar e ir! É neste sentido que os dispositivos digitais podem ajudar. Em geral, as mulheres são melhores nisso. No Canadá há os "clubes de leitura", que aqui no Brasil não são tão comuns, mas tanto faz. O que importa é ter uma atividade regular, seja cinema com amigos, futebol, baralho, igreja, o que for. É assim que se constrói um vilarejo.
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