Marie Claire
14.12.2017 POR JUREMA WERNECK
Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional, escreve com exclusividade à Marie Claire sobre o Projeto de Lei 181, que retira direitos garantidos às mulheres, como a possibilidade de fazer aborto em casos de estupro e de risco à vida da mãe
A insistência na retirada de direitos garantidos às mulheres diz mais sobre um país do que as falas assustadoras dos 18 deputados presentes na aprovação do relatório da comissão especial há mais de um mês. “Vida sim, aborto não”, eles gritavam para as câmeras que registravam a votação sem nenhum constrangimento, ignorando a vida e as necessidades de muitas mulheres que, por diferentes razões, buscam exercer seu direito. Como será que eles olham e tratam as mulheres que estão em seu convívio? Mães, irmãs, esposas e filhas, todas as mulheres estão expostas ao risco de sofrer violência sexual neste país em que a cada 11 minutos uma mulher ou menina é estuprada – e muitas delas ficam grávidas como resultado desta violência e têm o direito estabelecido na lei de decidir pelo aborto.Por que tanta insistência? Porque legisladores deste país, apoiados em um código penal datado de 1940, querem nos levar a um retrocesso ainda maior? Através de um expediente quase clandestino inserido numa Proposta de Emenda Constitucional benéfica querem trazer para este ano de 2017, do século XXI, ideias e práticas medievais, visando impor à todas as mulheres que suas vidas valham menos. Não é coincidência o fato de que tal proposta tenha sido gestada em um congresso dominado por homens brancos, privilegiados e indiferentes às dores, às individualidades e às conquistas cotidianas de cada mulher deste país.
A legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez em três casos: quando é resultante de estupro, quando oferece risco à vida da mulher e no caso de fetos anencefálicos, que não têm chance de sobrevivência. Este último caso foi autorizado em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal, o que, para alguns deputados, é inaceitável. A reação deste grupo deu origem a isto que chamamos Cavalo de Troia, que, ao invés de melhorar as vida das mulheres, produz mais violência e sofrimentos.
Em novembro de 2016, uma decisão da primeira turma do STF abriu caminho para uma política pública de preservação da vida das mulheres, em um entendimento que considerou inconstitucionais os artigos do código penal que criminalizam a mulher que decide interromper a gravidez. O que necessitamos é avançar a partir daí. No entanto, esta decisão gerou um ‘temor’ em certos homens do congresso nacional de que isso pudesse refletir, em última instância, uma perda de poder dos homens sobre as mulheres e seus corpos. Vem daí esta tentativa de restringir ainda mais o direito das mulheres sobre seu próprio corpo. A Proposta de Emenda Constitucional nº 181/2015 era uma proposta afirmativa ao direito das mulheres que tinha como objetivo a garantia do dobro de tempo de licença-maternidade às mães de bebês nascidos prematuros. Ou seja, em seu formato original esta PEC está de acordo com a missão do Congresso Nacional que é garantir e ampliar direitos e certamente teria o apoio da maioria das mulheres e homens do Brasil.
Porém a insistência destes 18 homens que integram a comissão, em levar adiante sua proposta de restrição de direitos, pode colocar o Brasil no grupo restrito de apenas 5 países no mundo que proíbem o aborto em qualquer circunstância: El Salvador, Malta, Nicarágua, República Dominicana e Vaticano. Os 18 demonstram apoiar-se em argumentos não científicos, utilizando uma falsa moral religiosa ou valendo-se da seus próprios interesses e privilégios e por quê não dizer, em seu próprio egoísmo. Não pensam na mulher e na menina que, diante da tremenda angústia, do enorme sofrimento que viveram e vivem, precisam recorrer ao aborto para a defender sua própria vida e saúde física e mental. Que precisam fechar a porta deste sofrimento para poderem seguir adiante!
Atos contra a aprovação desta proposta têm sido realizados semanalmente em cidades por todo país. Mais de 248 mil assinaturas já foram recolhidas nas petições públicas abertas pela Anistia Internacional e por outras organizações. Grupos e coletivos de mulheres estão organizados e dialogando entre si, buscando um objetivo em comum: barrar essa proposta e garantir para elas e para todas seus direitos sexuais e reprodutivos. O Fórum Parlamentar Europeu, que reúne congressistas de diversos países, enviou uma carta aos presidentes da Câmara e do Senado Federal posicionando-se contra o avanço da proposta.
Há algumas semanas o Supremo Tribunal Federal negou a interrupção da gravidez de uma mulher de trinta anos e mãe de dois filhos, que por motivos psicológicos, sociais e financeiros não poderia levar adiante a sua terceira gravidez. Apoiado pela ANIS – Instituto de Bioética e direcionando a ministra do STF, Rosa Weber, o pedido foi negado individualmente. A ministra, que é relatora de uma ação no Supremo que pede a descriminalização do aborto, afirmou que essa não é a ação adequada para resolver o caso de apenas uma grávida.
Este é mais um caso onde uma mulher decide interromper a gravidez e pede que isso seja feito de forma segura, respeitando seu corpo e seus direitos e não é atendida. A cada ano, 500 mil mulheres se submetem a procedimentos diversos para interromper sua gravidez segundo a Pesquisa Nacional do Aborto. E , no caso das mulheres mais pobres, a maioria delas negras, tais procedimentos são realizados de forma insegura, contribuindo para as altas taxas de sequelas e mortes maternas no Brasil. É pela vida das mulheres que lutamos. Nós somos muitas juntas. Somos fortes e não vamos fraquejar ou desistir. Não daremos um passo atrás. Contra 18 ou centenas, nós somos milhares e nossa voz vai ser escutada. O tempo do silêncio acabou.
Contra 18 ou centenas, nós somos milhares e nossa voz vai ser escutada. O tempo do silêncio acabou
Jurema Werneck
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