por: Brunella Nunes
Quando o multiartista Flavio de Carvalho resolveu revolucionar o guarda-roupa masculino, foi ridicularizado e ironizado. O fato de querer ver homens de saia andando tranquilamente nas ruas quentes desse Brasil ensolarado criou uma enorme polêmica durante os anos 1950. Engraçado perceber que, 62 anos depois, o assunto ainda causa tanto espanto, aversão e zoeira. É bom que os machos começarem a acalmar os ânimos, afinal, é só uma peça de roupa e ela voltou para ficar.
Vamos começar retomando a história toda. Há mais de 2.900 anos começava a civilização ocidental na Grécia Antiga, um lugar onde existia vestimentas sem gênero, como o quíton, que era uma espécie de túnica usada por quem quisesse. Os homens também tinham mantos e vestidos, chamados de Pharos e o Himation, para os protegerem do frio durante o inverno.
Na Roma Antiga, o cenário era semelhante com o uso da Toga, um grande pedaço de tecido amarrado ao corpo, e a Túnica, até a altura dos joelhos. E ambas se parecem com um vestido de corte reto. Até no Império Romano nos deparamos com a os gladiadores, que em sua máxima de virilidade, usavam saias na hora do combate, junto com a armadura.
O tempo passou e a túnica permanece como vestimenta típica na região do Oriente Médio até hoje, como a Kandura, usada pelos árabes. Parece incoerente pensar que não admitem o uso de vestidos ou saias em seu território. E provavelmente é, independente das questões religiosas e socioculturais. Na Indonésia e na Somália se usa o Sarong, roupa tradicional bem semelhante a uma saia. Mas vamos deixar esse debate para depois.
Consultamos a professora do Instituto de Artes e Design da UFJF e doutora em História pela Unicamp, Maria Claudia Bonadio, para entender a linha cronológica da moda e seus costumes. Ela nos explica que desde o século XIV o homem comum passou a vestir roupas bifurcadas – que teriam sido adotadas com vistas a destacar o órgão sexual masculino numa espécie de lógica da sedução que contamina a Europa do final do medievo e é visível também nas cantigas de amor que se popularizam no período.
“Entre o século XIV e início do XVII as roupas masculinas irão frequentemente destacar o genital masculino também como forma de chamar atenção para a virilidade. Se aos homens era permitido exibir as formas (mesmo que fantasiosas, uma vez que eram moldadas por braguilhas nos séculos XVI e início do XVII) as formas genitais, as partes baixas femininas eram vistas como perigosas e deveriam ser escondidas, encobertas”.
A pesquisadora reforça a teoria afirmando que o pensamento iluminista, no final do século XVIII, colaborou para reforçar a ideia de que homens e mulheres não deveriam se parecer, ao contrário, eram considerados seres opostos, o que é claramente visível no século XIX. “Após a Revolução Francesa, um homem deveria destacar-se não por suas roupas e aparências espalhafatosas – como era comum na Sociedade de Corte -, mas por seu sucesso nos negócios. A rigidez das formas, cores e vestuário dito masculino marcou todo o século XIX”, destaca.
Outro fato curioso é notar que, em contrapartida, as mulheres tiveram de lutar para usar calças, traje que era proibido por lei ao público feminino, em meados de 1800 em Paris. Foi a francesa Coco Chanel quem criou a calça comprida numa modelagem adaptada para o corpo das mulheres, revolucionando a sociedade e deixando o patriarcado com os cabelos em pé. A peça caiu no gosto das atrizes de Hollywood e se popularizou para nunca mais sair de moda.
Mas as saias permaneciam no guarda-roupa feminino. E ao longo do tempo foram encurtando, a medida em que as mulheres avançaram em suas pequenas grandes revoluções diárias em prol de liberdade. Para os homens, porém, nem se pensava em resgatá-las, embora eles invejassem as pernas de fora, especialmente nos ambientes corporativos.
Um dos grandes nomes no modernismo brasileiro, Flávio de Carvalho bem que tentou, como pessoa transgressora que era. Em 1956 ele apresentou ao mundo o chamado New Look, um traje executivo masculino de cores neutras, composto de saia plissada e uma camisa manga curta de tecido leve, com aros por dentro da modelagem para impedir que a mesma grudasse sobre o corpo. Ele sugeria ainda o uso de chapéu e uma meia de modelo arrastão com sandálias de couro. No mesmo ano, desfilou pelas ruas de São Paulo com as roupas subversivas.
O projeto, batizado de Experiência nº 3, foi pensado de forma a adequar o dress code corporativo às condições culturais, econômicas e climáticas de quem vivia nos países tropicais. Ele acreditava que o tradicional terno era incabível e anti-higiênico, afinal, o design fechado e o tecido grosso da roupa só fazia com que o suor impregnasse por todas as partes.
A polêmica perdurou desde então, com algumas nuances. Os anos 1960 e 1970 foram bastante proveitosos para experimentações e inquietações. Foi neste frutífero período da história da humanidade em que os costumes passaram a ser questionados e reinventados. Como uma afronta e uma poderosa ferramenta de exteriorização, a moda – vista em festival de contracultura como o Woodstock – passou a reafirmar o então novo comportamento.
“Nesse momento, as roupas masculinas voltam a ganhar cores, as calças passam ter boca de sino e não era incomum que respeitáveis pais de família usassem salto e bolsa à tiracolo. As mulheres passam a usar calças sem que isso cause estranhamento. Toda a descontração do guarda-roupa masculino (muito associada à cultura juvenil), não permite ainda que esse use saia e apenas artistas inovadores se permitiam aparecer em público usando roupas não bifurcadas”, argumenta Maria.
O artista David Bowie, um dos seres mais iluminados e literalmente brilhantes que já habitou essa Terra, vestia na capa de seu terceiro álbum, The Man Who Sold the World, um belíssimo vestido floral bordado pelo designer Michael Fish. Em 1971, ao Daily Mirror, ele disse, ironizando: “no Texas, um cara tirou uma arma e me chamou de bicha. Mas eu pensei que o vestido estava lindo”.
Eis que chegamos ao século 21 e quem polemizou novamente com o assunto “saia” foi o cantor e ator Jaden Smith, que com pouca idade já tinha ideias avançadas, para além de seu tempo ainda conservador e patriarcal. Seu senso para a moda o levou a ser figurinha carimbada em fashion weeks, desfiles e eventos, ao lado da irmã Willow, que é tão incrível quanto ele. São duas criaturas livres em toda a sua plenitude e transparecem tal qualidade de forma invejável.
Desfilando por aí com saias e vestidos, ele teve de dar “explicações” sobre suas escolhas e numa entrevista à revista Nylon, deu uma aula de maturidade.
“O mundo vai continuar me descreditando não importa o que eu faça e eu vou continuar não ligando. Aliás, vou continuar fazendo as mesmas coisas e se bobear, vou fazer outras coisas. Faço isso para que daqui cinco anos quando um garoto for para a escola usando uma saia, ele não apanhe por isso. Porque não vai importar. Eu estou fazendo isso agora, porque depois, meus filhos e a próxima geração de crianças irá pensar que isso é normal”.
Só o fato de um garoto de 18 anos ter de dar as devidas explicações do que veste já nos mostra o quanto é gigante e incoerente o atraso de pensamento da maioria. “Ainda hoje o uso de saias por homens fora de contextos específicos – como o kilt escocês em festejos daquele país ou as roupas eclesiásticas, que provavelmente sobreviveram em sua forma criada no início do cristianismo exatamente para não permitir qualquer associação à sedução – causa estranhamento“, pontua a professora.
A revolução será de saias?
Diante de um cenário ainda não favorável para a livre expressão, vemos nos últimos anos alguns protestos pacíficos para que a saia chegue ao guarda-roupa masculino. Em 2013, condutores de trem da Suécia se manifestaram para reivindicar o uso da peça nos dias quentes, ato que foi repetido em 2017 na França, estendendo-se a motoristas de ônibus da Semitan. As empresas não cederam às vontades dos trabalhadores. E veja bem, são meros tiozinhos vestindo saias sóbrias no ambiente de trabalho.
Ainda neste ano, outros casos ganharam a atenção da internet. O britânico Joey Barge relatou toda a sua saga no Twitter ao ser impedido de trabalhar de short. Então ele foi em busca de alternativas e acabou de vestido. “Me perguntaram se eu não estava colorido demais e se não queria voltar para casa para trocar de roupa, porque iriam autorizar os shorts por causa do meu protesto. Eu disse que não, que tinha prazer em ficar”, contou ao Daily Mail. No final das contas, acabou conseguindo a liberação de short a todos durante o Verão.
Na Roma Antiga, o cenário era semelhante com o uso da Toga, um grande pedaço de tecido amarrado ao corpo, e a Túnica, até a altura dos joelhos. E ambas se parecem com um vestido de corte reto. Até no Império Romano nos deparamos com a os gladiadores, que em sua máxima de virilidade, usavam saias na hora do combate, junto com a armadura.
O tempo passou e a túnica permanece como vestimenta típica na região do Oriente Médio até hoje, como a Kandura, usada pelos árabes. Parece incoerente pensar que não admitem o uso de vestidos ou saias em seu território. E provavelmente é, independente das questões religiosas e socioculturais. Na Indonésia e na Somália se usa o Sarong, roupa tradicional bem semelhante a uma saia. Mas vamos deixar esse debate para depois.
Consultamos a professora do Instituto de Artes e Design da UFJF e doutora em História pela Unicamp, Maria Claudia Bonadio, para entender a linha cronológica da moda e seus costumes. Ela nos explica que desde o século XIV o homem comum passou a vestir roupas bifurcadas – que teriam sido adotadas com vistas a destacar o órgão sexual masculino numa espécie de lógica da sedução que contamina a Europa do final do medievo e é visível também nas cantigas de amor que se popularizam no período.
“Entre o século XIV e início do XVII as roupas masculinas irão frequentemente destacar o genital masculino também como forma de chamar atenção para a virilidade. Se aos homens era permitido exibir as formas (mesmo que fantasiosas, uma vez que eram moldadas por braguilhas nos séculos XVI e início do XVII) as formas genitais, as partes baixas femininas eram vistas como perigosas e deveriam ser escondidas, encobertas”.
A pesquisadora reforça a teoria afirmando que o pensamento iluminista, no final do século XVIII, colaborou para reforçar a ideia de que homens e mulheres não deveriam se parecer, ao contrário, eram considerados seres opostos, o que é claramente visível no século XIX. “Após a Revolução Francesa, um homem deveria destacar-se não por suas roupas e aparências espalhafatosas – como era comum na Sociedade de Corte -, mas por seu sucesso nos negócios. A rigidez das formas, cores e vestuário dito masculino marcou todo o século XIX”, destaca.
Outro fato curioso é notar que, em contrapartida, as mulheres tiveram de lutar para usar calças, traje que era proibido por lei ao público feminino, em meados de 1800 em Paris. Foi a francesa Coco Chanel quem criou a calça comprida numa modelagem adaptada para o corpo das mulheres, revolucionando a sociedade e deixando o patriarcado com os cabelos em pé. A peça caiu no gosto das atrizes de Hollywood e se popularizou para nunca mais sair de moda.
Mas as saias permaneciam no guarda-roupa feminino. E ao longo do tempo foram encurtando, a medida em que as mulheres avançaram em suas pequenas grandes revoluções diárias em prol de liberdade. Para os homens, porém, nem se pensava em resgatá-las, embora eles invejassem as pernas de fora, especialmente nos ambientes corporativos.
Um dos grandes nomes no modernismo brasileiro, Flávio de Carvalho bem que tentou, como pessoa transgressora que era. Em 1956 ele apresentou ao mundo o chamado New Look, um traje executivo masculino de cores neutras, composto de saia plissada e uma camisa manga curta de tecido leve, com aros por dentro da modelagem para impedir que a mesma grudasse sobre o corpo. Ele sugeria ainda o uso de chapéu e uma meia de modelo arrastão com sandálias de couro. No mesmo ano, desfilou pelas ruas de São Paulo com as roupas subversivas.
O projeto, batizado de Experiência nº 3, foi pensado de forma a adequar o dress code corporativo às condições culturais, econômicas e climáticas de quem vivia nos países tropicais. Ele acreditava que o tradicional terno era incabível e anti-higiênico, afinal, o design fechado e o tecido grosso da roupa só fazia com que o suor impregnasse por todas as partes.
A polêmica perdurou desde então, com algumas nuances. Os anos 1960 e 1970 foram bastante proveitosos para experimentações e inquietações. Foi neste frutífero período da história da humanidade em que os costumes passaram a ser questionados e reinventados. Como uma afronta e uma poderosa ferramenta de exteriorização, a moda – vista em festival de contracultura como o Woodstock – passou a reafirmar o então novo comportamento.
“Nesse momento, as roupas masculinas voltam a ganhar cores, as calças passam ter boca de sino e não era incomum que respeitáveis pais de família usassem salto e bolsa à tiracolo. As mulheres passam a usar calças sem que isso cause estranhamento. Toda a descontração do guarda-roupa masculino (muito associada à cultura juvenil), não permite ainda que esse use saia e apenas artistas inovadores se permitiam aparecer em público usando roupas não bifurcadas”, argumenta Maria.
O artista David Bowie, um dos seres mais iluminados e literalmente brilhantes que já habitou essa Terra, vestia na capa de seu terceiro álbum, The Man Who Sold the World, um belíssimo vestido floral bordado pelo designer Michael Fish. Em 1971, ao Daily Mirror, ele disse, ironizando: “no Texas, um cara tirou uma arma e me chamou de bicha. Mas eu pensei que o vestido estava lindo”.
Eis que chegamos ao século 21 e quem polemizou novamente com o assunto “saia” foi o cantor e ator Jaden Smith, que com pouca idade já tinha ideias avançadas, para além de seu tempo ainda conservador e patriarcal. Seu senso para a moda o levou a ser figurinha carimbada em fashion weeks, desfiles e eventos, ao lado da irmã Willow, que é tão incrível quanto ele. São duas criaturas livres em toda a sua plenitude e transparecem tal qualidade de forma invejável.
Desfilando por aí com saias e vestidos, ele teve de dar “explicações” sobre suas escolhas e numa entrevista à revista Nylon, deu uma aula de maturidade.
“O mundo vai continuar me descreditando não importa o que eu faça e eu vou continuar não ligando. Aliás, vou continuar fazendo as mesmas coisas e se bobear, vou fazer outras coisas. Faço isso para que daqui cinco anos quando um garoto for para a escola usando uma saia, ele não apanhe por isso. Porque não vai importar. Eu estou fazendo isso agora, porque depois, meus filhos e a próxima geração de crianças irá pensar que isso é normal”.
Só o fato de um garoto de 18 anos ter de dar as devidas explicações do que veste já nos mostra o quanto é gigante e incoerente o atraso de pensamento da maioria. “Ainda hoje o uso de saias por homens fora de contextos específicos – como o kilt escocês em festejos daquele país ou as roupas eclesiásticas, que provavelmente sobreviveram em sua forma criada no início do cristianismo exatamente para não permitir qualquer associação à sedução – causa estranhamento“, pontua a professora.
A revolução será de saias?
Diante de um cenário ainda não favorável para a livre expressão, vemos nos últimos anos alguns protestos pacíficos para que a saia chegue ao guarda-roupa masculino. Em 2013, condutores de trem da Suécia se manifestaram para reivindicar o uso da peça nos dias quentes, ato que foi repetido em 2017 na França, estendendo-se a motoristas de ônibus da Semitan. As empresas não cederam às vontades dos trabalhadores. E veja bem, são meros tiozinhos vestindo saias sóbrias no ambiente de trabalho.
Ainda neste ano, outros casos ganharam a atenção da internet. O britânico Joey Barge relatou toda a sua saga no Twitter ao ser impedido de trabalhar de short. Então ele foi em busca de alternativas e acabou de vestido. “Me perguntaram se eu não estava colorido demais e se não queria voltar para casa para trocar de roupa, porque iriam autorizar os shorts por causa do meu protesto. Eu disse que não, que tinha prazer em ficar”, contou ao Daily Mail. No final das contas, acabou conseguindo a liberação de short a todos durante o Verão.
Não demorou muito tempo para garotos da escola ISCA Academy, na Inglaterra, se inconformarem com o óbvio: suas colegas meninas podiam ir às aulas de saias enquanto eles são proibidos de mostrar as pernas, inclusive de short. Rolou protesto, com direito a cobertura da BBC e notícias ao redor do mundo. A instituição de ensino pensou em reconsiderar o uniforme, mas ainda com certa resistência. Mesmo que de forma um tanto debochada, tais exemplos mostram que a cabeça da molecada já não é mais a mesma.
Já no Brasil, o cenário não é diferente. Em 2013, teve um caso do aluno de Moda da USP, Vitor Pereira, que foi reprimido ao ir para a aula de saia. Isso num curso de moda. Então rolou um “saiaço”, uma manifestação aderida até por alunos de cursos mais engessados em suas vestimentas, como Engenharia e Direito, em prol do colega de universidade. Outra história boa de ser relembrada é de 2016, quando os alunos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, protestaram para ter poder de escolha entre bermuda ou saia para frequentar as aulas.
Enquanto parte da sociedade insiste em dizer que saia é coisa para mulher, que parece gay ou é coisa de gay ou todos esses comentários infantis que mexem com a frágil masculinidade, outros estão curtindo a brisa que só uma saia ou um vestido podem proporcionar. E acredite: isso não fere a orientação sexual deles, independente do que quer que seja. Por conta de vários fatores arcaicos e conservadores, usar saia se tornou um ato político.
O fotojornalista Yuri Kiddo tem 30 anos e vive na Nova Zelândia. Por lá, já usou saia e vestido. O motivo? Conforto. Mas é engraçado notar o quanto o conforto alheio ainda é desconfortável e indigesto perante os olhos da sociedade.
“O único problema de um homem vestir uma saia é a moralidade e o preconceito das pessoas, o uso de determinada roupa ou acessório deveria classificar um estilo e não um gênero. Essa discussão parece do final do século 19, quando as mulheres, que antes só usavam saia, passaram a usar calça – considerada um item masculino na época.”
Fazendo uma rápida análise por aqui, vi que todas as pessoas entrevistadas para esta reportagem – cerca de 10 – já sofreram ao menos olhares de reprovação ao circular de saia por aí e apenas três delas conseguem usá-la no ambiente de trabalho.
“Estamos completamente atrasados. Até quando seremos engessados a gênero? Infelizmente o machismo e o preconceito nos rodeia de uma forma latente, e isso reflete diretamente no comportamento da sociedade. Nunca fui uma pessoa limitada com relação a forma de me vestir, porém às vezes me sinto inseguro e até com medo, devido a essa homofobia ridícula que nos assombra”, ponderou o coordenador de visual merchandising Emanuel Possidonio (foto), de 27 anos.
Com um visual que com certeza não passa despercebido, sempre colorido e ousado para os padrões, o multiartista Leandro Dário, 34 anos, acredita que a saia não deveria ter gênero desde quando foi concebida. “Ser homem não tem nada a ver com usar saia. Ser homem tem a ver com caráter, hombridade e respeito. Ser íntegro com o mundo, com o outro. É só olhar pra Brasília…tem um monte de ‘macho’ ali que não é homem, é tudo rato: Saqueador da metrópole, Tenaz roedor, De toda esperança, Estuprador da ilusão”, argumentou, citando Chico Buarque.
Enquanto Dário brinca com seu estilo dentro e fora da profissão, o bancário Felipe Helfstein, de 29 anos, trabalha de terno e gravata de segunda a sexta-feira. Ele voltou seu olhar para a peça de roupa quando saiu na imprensa o caso de um homem no Rio de Janeiro que foi trabalhar de saias. “Vi que nele havia ficado muito bom. E me questionei ‘por que não combina comigo? Já sou afrontoso mesmo!’ Mas demorei um pouco para criar coragem e comprar uma na loja. Coloquei na cabeça a ideia de que seria para uma amiga”.
Junto com seu depoimento sobre as roupas, trouxe também um resumo do comportamento típico brasileiro, que inicia todo um ciclo de preconceito, repressão e hipocrisia. “O Brasil se diz ‘tão boa praça’ mas na hora que acontece algo fora da curva é o primeiro a apontar o dedo. E olha que estamos em São Paulo, imagina como deve ser em outro estados.”
O “X(Y)” da questão
Afinal, depois de toda essa reflexão, cabe a nós uma grande questão a ser superada, muito além dos muros da moda: roupa tem gênero? Com toda a discussão sobre o tema e uma evolução nos moldes tradicionais de entendimento de mundo, estamos pouco a pouco desconstruindo o binarismo pautado por homem x mulher; azul x rosa; e assim por diante.
De olho no mercado e no lucro, a moda também começa a se adaptar às demandas contemporâneas. O estilista João Pimenta sempre procura quebrar algumas amarras em suas coleções e neste ano, durante a SPFW Trans N42 apresentou em sua coleção uma porção de babados, cabelos coloridos, saias plissadas, blusas cropped e vestidos em tons pastel, usados por modelos masculinos.
O mesmo aconteceu em 2016 com a marca LAB, dos irmãos Evandro Fióti e Emicida, em parceria com João Pimenta. Com casting formado por pessoas negras, também apresentaram na passarela vestidos, saias longas e fendas, com pegada street wear. Vale lembrar também que o estilista Marc Jacobs já andava de saia pelas ruas e eventos em meados de 2009.
Além disso, houve recentemente o lançamento de marcas agênero, que não criam suas peças baseadas em guarda-roupa masculino ou feminino, e outras focadas apenas em fazer saias com cortes masculinos, como o caso da Narciso.
Com esse novo nicho, as escolhas começam a ficar mais democráticas na hora de vestir o corpo masculino, mas ainda há desafios para eles. “Não digo que seja difícil achar, digo que custa caro!Muitas marcas e estilistas aproveitam a pouca concorrência de mercado para elevar o preço das peças, ou seja, nos obriga a garimpar saias e vestidos no setor ‘feminino’ das lojas e brechós, onde se torna cada vez mais difícil encontrar uma peça do meu gosto e que tenha um caimento bacana. Sou meio chato com isso porque quero e gosto de me olhar no espelho e me sentir homem”, contestou Emanuel.
O produtor de eventos Alan Pereira, de 29 anos, começou a se interessar pela saia escocesa, o Kilt, mas alega que essa cultura não se encaixa no meu estilo de vida. “Então comecei a procurar saias em sessões femininas de lojas de departamento, com ótimo custo benefício”. Ele ressalva que demorou em torno de três meses para encontrar um modelo que o agradasse, coubesse no corpo e no bolso. “O que faço é comprar 1 ou 2 números maiores do que eu realmente visto, devido a cintura e comprimento.”
Maria ressalta que, embora a mudança de conceito de que “saia é coisa de mulher” só poderá ser através dos homens, as lojas tem sim um papel fundamental nessa transformação e não podem estar dormindo em meio às transformações sociais. Ela vê com bons olhos o fato de que as campanhas de moda sem gênero tenham surgido em lojas de departamento. Mesmo sendo divididas por alas feminina, masculina e infantil, não há intermediários entre roupa e consumidor, oferecendo um obstáculo a menos na hora de comprar.
“Se numa loja convencional o homem que quiser comprar uma saia irá precisar ‘ter coragem’ para pedir a peça à vendedora, em uma loja de departamentos ao menos essa etapa não existe, de modo que a aproximação entre objeto e consumidor é direta e livre de possíveis intermediações moralistas ou jocosas”.
É Dário, porém, quem finaliza o fio dessa meada, com uma conclusão que só poderia vir de quem não se inibe, e sim provoca. “Isso tudo ainda é tabu porque as pessoas adoram reprimir nos outros o que elas sentem desejo. Logo mais homem de saia vira uma coisa normal. Tudo leva um tempo pra ser absorvido e chegar no mainstream. Saia é saia! Nunca comprei uma ‘saia masculina’, isso não existe, eu uso saia e ponto! Você, rapaz, vá a uma loja, pegue uma saia e vista no provador. Se você olhar o espelho e achar que está lindo, use!”
Já no Brasil, o cenário não é diferente. Em 2013, teve um caso do aluno de Moda da USP, Vitor Pereira, que foi reprimido ao ir para a aula de saia. Isso num curso de moda. Então rolou um “saiaço”, uma manifestação aderida até por alunos de cursos mais engessados em suas vestimentas, como Engenharia e Direito, em prol do colega de universidade. Outra história boa de ser relembrada é de 2016, quando os alunos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, protestaram para ter poder de escolha entre bermuda ou saia para frequentar as aulas.
Enquanto parte da sociedade insiste em dizer que saia é coisa para mulher, que parece gay ou é coisa de gay ou todos esses comentários infantis que mexem com a frágil masculinidade, outros estão curtindo a brisa que só uma saia ou um vestido podem proporcionar. E acredite: isso não fere a orientação sexual deles, independente do que quer que seja. Por conta de vários fatores arcaicos e conservadores, usar saia se tornou um ato político.
O fotojornalista Yuri Kiddo tem 30 anos e vive na Nova Zelândia. Por lá, já usou saia e vestido. O motivo? Conforto. Mas é engraçado notar o quanto o conforto alheio ainda é desconfortável e indigesto perante os olhos da sociedade.
“O único problema de um homem vestir uma saia é a moralidade e o preconceito das pessoas, o uso de determinada roupa ou acessório deveria classificar um estilo e não um gênero. Essa discussão parece do final do século 19, quando as mulheres, que antes só usavam saia, passaram a usar calça – considerada um item masculino na época.”
Fazendo uma rápida análise por aqui, vi que todas as pessoas entrevistadas para esta reportagem – cerca de 10 – já sofreram ao menos olhares de reprovação ao circular de saia por aí e apenas três delas conseguem usá-la no ambiente de trabalho.
“Estamos completamente atrasados. Até quando seremos engessados a gênero? Infelizmente o machismo e o preconceito nos rodeia de uma forma latente, e isso reflete diretamente no comportamento da sociedade. Nunca fui uma pessoa limitada com relação a forma de me vestir, porém às vezes me sinto inseguro e até com medo, devido a essa homofobia ridícula que nos assombra”, ponderou o coordenador de visual merchandising Emanuel Possidonio (foto), de 27 anos.
Com um visual que com certeza não passa despercebido, sempre colorido e ousado para os padrões, o multiartista Leandro Dário, 34 anos, acredita que a saia não deveria ter gênero desde quando foi concebida. “Ser homem não tem nada a ver com usar saia. Ser homem tem a ver com caráter, hombridade e respeito. Ser íntegro com o mundo, com o outro. É só olhar pra Brasília…tem um monte de ‘macho’ ali que não é homem, é tudo rato: Saqueador da metrópole, Tenaz roedor, De toda esperança, Estuprador da ilusão”, argumentou, citando Chico Buarque.
Enquanto Dário brinca com seu estilo dentro e fora da profissão, o bancário Felipe Helfstein, de 29 anos, trabalha de terno e gravata de segunda a sexta-feira. Ele voltou seu olhar para a peça de roupa quando saiu na imprensa o caso de um homem no Rio de Janeiro que foi trabalhar de saias. “Vi que nele havia ficado muito bom. E me questionei ‘por que não combina comigo? Já sou afrontoso mesmo!’ Mas demorei um pouco para criar coragem e comprar uma na loja. Coloquei na cabeça a ideia de que seria para uma amiga”.
Junto com seu depoimento sobre as roupas, trouxe também um resumo do comportamento típico brasileiro, que inicia todo um ciclo de preconceito, repressão e hipocrisia. “O Brasil se diz ‘tão boa praça’ mas na hora que acontece algo fora da curva é o primeiro a apontar o dedo. E olha que estamos em São Paulo, imagina como deve ser em outro estados.”
O “X(Y)” da questão
Afinal, depois de toda essa reflexão, cabe a nós uma grande questão a ser superada, muito além dos muros da moda: roupa tem gênero? Com toda a discussão sobre o tema e uma evolução nos moldes tradicionais de entendimento de mundo, estamos pouco a pouco desconstruindo o binarismo pautado por homem x mulher; azul x rosa; e assim por diante.
De olho no mercado e no lucro, a moda também começa a se adaptar às demandas contemporâneas. O estilista João Pimenta sempre procura quebrar algumas amarras em suas coleções e neste ano, durante a SPFW Trans N42 apresentou em sua coleção uma porção de babados, cabelos coloridos, saias plissadas, blusas cropped e vestidos em tons pastel, usados por modelos masculinos.
O mesmo aconteceu em 2016 com a marca LAB, dos irmãos Evandro Fióti e Emicida, em parceria com João Pimenta. Com casting formado por pessoas negras, também apresentaram na passarela vestidos, saias longas e fendas, com pegada street wear. Vale lembrar também que o estilista Marc Jacobs já andava de saia pelas ruas e eventos em meados de 2009.
Além disso, houve recentemente o lançamento de marcas agênero, que não criam suas peças baseadas em guarda-roupa masculino ou feminino, e outras focadas apenas em fazer saias com cortes masculinos, como o caso da Narciso.
Com esse novo nicho, as escolhas começam a ficar mais democráticas na hora de vestir o corpo masculino, mas ainda há desafios para eles. “Não digo que seja difícil achar, digo que custa caro!Muitas marcas e estilistas aproveitam a pouca concorrência de mercado para elevar o preço das peças, ou seja, nos obriga a garimpar saias e vestidos no setor ‘feminino’ das lojas e brechós, onde se torna cada vez mais difícil encontrar uma peça do meu gosto e que tenha um caimento bacana. Sou meio chato com isso porque quero e gosto de me olhar no espelho e me sentir homem”, contestou Emanuel.
O produtor de eventos Alan Pereira, de 29 anos, começou a se interessar pela saia escocesa, o Kilt, mas alega que essa cultura não se encaixa no meu estilo de vida. “Então comecei a procurar saias em sessões femininas de lojas de departamento, com ótimo custo benefício”. Ele ressalva que demorou em torno de três meses para encontrar um modelo que o agradasse, coubesse no corpo e no bolso. “O que faço é comprar 1 ou 2 números maiores do que eu realmente visto, devido a cintura e comprimento.”
Maria ressalta que, embora a mudança de conceito de que “saia é coisa de mulher” só poderá ser através dos homens, as lojas tem sim um papel fundamental nessa transformação e não podem estar dormindo em meio às transformações sociais. Ela vê com bons olhos o fato de que as campanhas de moda sem gênero tenham surgido em lojas de departamento. Mesmo sendo divididas por alas feminina, masculina e infantil, não há intermediários entre roupa e consumidor, oferecendo um obstáculo a menos na hora de comprar.
“Se numa loja convencional o homem que quiser comprar uma saia irá precisar ‘ter coragem’ para pedir a peça à vendedora, em uma loja de departamentos ao menos essa etapa não existe, de modo que a aproximação entre objeto e consumidor é direta e livre de possíveis intermediações moralistas ou jocosas”.
É Dário, porém, quem finaliza o fio dessa meada, com uma conclusão que só poderia vir de quem não se inibe, e sim provoca. “Isso tudo ainda é tabu porque as pessoas adoram reprimir nos outros o que elas sentem desejo. Logo mais homem de saia vira uma coisa normal. Tudo leva um tempo pra ser absorvido e chegar no mainstream. Saia é saia! Nunca comprei uma ‘saia masculina’, isso não existe, eu uso saia e ponto! Você, rapaz, vá a uma loja, pegue uma saia e vista no provador. Se você olhar o espelho e achar que está lindo, use!”
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