ANDI
/ Por:
Márcia Acioli*
15/12/2017
Segundo o relatório “Um Rosto Familiar: A violência nas vidas de crianças e adolescentes” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em 2017, o Brasil subiu para o quinto lugar no ranking mundial de homicídio de adolescentes. O relatório evidencia um aumento alarmante de mortes de adolescentes pela violência.
Considerando o dado raça/cor, a taxa de homicídio de negros é três vezes maior do que de adolescentes brancos - 75% dos adolescentes vítimas de homicídios são negros ou multirraciais. Outro dado importante é a região onde moram, mostrando que maior risco corre quem vive na região nordeste. Ainda de acordo com o relatório, o risco de morte por homicídio de meninos é 13 vezes maior do que de meninas.
O censo do sistema socioeducativo revela semelhanças com os dados do relatório do Unicef. A maioria dos adolescentes que cumprem medida de internação são pretos/pardos, variando a proporção de região para região. E o maior contingente de adolescentes em privação de liberdade é masculino. O documento mostra que 68% do total de atos infracionais cometidos pelos adolescentes são roubo e tráfico. Ou seja, práticas relacionadas a estratégias de sobrevivência.
Mesmo sendo as maiores vítimas do abandono e da violência, os adolescentes em situação de exclusão são criminalizados por uma sociedade intolerante e preconceituosa. Muito desta postura é fruto de uma mídia sensacionalista, que adota uma abordagem condenatória em função de condições étnico-raciais, territoriais e de situação de pobreza. Alimenta-se a falsa e insustentável ideia de que a redução da idade penal é a solução para a violência no país.
Sabe-se que a prática do ato infracional não é fruto de escolha autônoma de adolescentes. A ausência de políticas públicas para a juventude ou a adoção de políticas públicas discriminatórias (que privilegiam determinada população em detrimento de outras); a falta de investimentos em áreas estratégicas, as enormes desigualdades sociais, o apelo radical pelo consumo e a repressão das forças policiais contra jovens negros são os principais motores da perversa engrenagem que leva adolescentes para o circuito da criminalidade. Há uma nítida relação entre a negligência do Estado e o ato infracional.
No momento histórico de redução de direitos, de avanço do conservadorismo e congelamento de gastos, este quadro tende a piorar. O discurso moralista e preconceituoso alimentado por áreas conservadoras da sociedade acirra animosidades, alimentando o ódio por adolescentes e convencendo de que, com encarceramentos, a violência se reduzirá. O recrudescimento de punições nunca levou à redução da violência. Os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça indicam que o Brasil detém a terceira maior população carcerária do mundo. Não há lógica: as cadeias estão abarrotadas e o Brasil ainda figura como país violento.
Uma vez cumprindo uma medida socioeducativa, os adolescentes deveriam receber do Estado educação exemplar, numa instituição de cunho fundamentalmente educativo, visando novas possibilidades de convivência com a sociedade. Se levarmos em conta o abandono e o contexto em que se encontravam antes da medida ser aplicada, são necessários esforços redobrados para reparar tudo o que foi negligenciado em suas comunidades. A educação durante a medida socioeducativa deve assegurar escolarização de qualidade e diferenciada, atividades de arte e de cultura, esportes e profissionalização, exatamente como preconiza o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
O projeto político-pedagógico nas unidades deve movimentar humanidades, estimular pensamentos sobre a sociedade e seus problemas, fomentar falas, contribuir para que se compreenda o respeito como importante dimensão das relações humanas, ajudar a compreender as diversidades, provocar a percepção sobre responsabilidades. Nunca calar. Pensar e falar são ações imprescindíveis para uma educação verdadeiramente emancipadora.
Assim, o Estado brasileiro está em débito duplamente com a população mais jovem. Primeiro, por não promover direitos em todos os territórios e segundo porque ainda não investe nas medidas socioeducativas como prevê a lei. Sem investimentos, não é possível garantir direitos.
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*Márcia Acioli é assessora política do Inesc e coordenadora do projeto Criança e Adolescente prioridade no parlamento. Márcia também é especialista em Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes, LACRI, pelo Instituto de Psicologia da USP e mestre em Antropologia aplicada à educação, pela Faculdade de Educação, da Universidade de Brasília (UnB). Já participou e coordenou vários fóruns, debates, seminários e congressos nacionais e internacionais relacionados aos Direitos da Criança e do Adolescente, Direitos Humanos, Protagonismo, Educação Popular e Arte-Educação. Atualmente, dentre outras atividades desenvolvidas no Inesc, Márcia Acioli é responsável pelo Projeto Onda: Adolescentes em Movimento pelos Direitos.
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