Confiança estimula autocontrole das crianças
Pesquisadores revisitam o teste do marshmallow, usado para testar o autocontrole das crianças, e mostram que o ambiente exerce tanta influencia sobre a criança quanto a capacidade inata de adiar uma recompensa.
“Ser capaz de adiar uma gratificação – nesse caso, esperar 15 minutos para ganhar um segundo marshmallow – não só reflete a capacidade de uma criança para o autocontrole, mas também sua crença sobre a praticidade de espera”, explica Celeste Kidd, autora do estudo da Universidade de Rochester. “Atrasar a gratificação é apenas a escolha racional caso a criança acredite mesmo que ganhará um segundo marshmallow depois de um atraso razoavelmente curto”, completa.
O estudo, publicado no periódico Cognition, se baseia em uma série de estudos relacionados ao teste do marshmallow, que tiveram início na Universidade de Stanford, na década de 1960. Walter Mischel, psicólogo que desenvolveu o teste – entre outros pesquisadores famosos – mostrou que as diferenças individuais na capacidade de adiar a gratificação estavam relacionadas a aspectos positivos na vida adulta. Crianças que esperavam – e por isso podiam comer não um, mas dois doces – anos mais tarde tiveram uma pontuação maior no SAT (teste padrão aplicado aos alunos do 2º grau e que serve de critério para admissão nas universidades nos EUA), menos chances de envolvimento com abuso de substâncias e melhores habilidades sociais.
Por causa dessa correlação, o teste foi citado como uma prova de qualidades como o autocontrole e inteligência emocional, talvez mais confiável do que medidas tradicionais de inteligência, como o QI.
Neste novo estudo, a equipe de Rochester quis explorar mais de perto por que algumas crianças são capazes de resistir ao marshmallow, enquanto outros sucumbem lambendo, mordendo e, eventualmente, comendo o doce. Eles selecionaram 28 crianças com idades de três a cinco anos e as dividiram em dois ambientes contrastantes: um não confiável e outro confiável.
No ambiente não confiável, antes do teste do marshmallow, as crianças foram enganadas duas vezes sobre recompensas que envolviam receber objetos com os quais poderiam decorar um copo que elas levariam para casa depois. A criança poderia usar gizes de cera quebrados e usados ou esperar por uma caixa com vários novos. As crianças esperaram, porém o pesquisador voltou sem nenhum, dizendo que ele havia se confundido e que não haviam novos. Em um segundo teste, a criança poderia usar um pequeno adesivo para decorar o copo ou esperar alguns minutos por mais e maiores adesivos. Elas esperaram, mas mais uma vez o pesquisador voltou de mãos vazias.
No ambiente confiável, estes dois mesmos testes foram realizados, só que neste caso o pesquisador voltou com os ítens prometidos. Em seguida eles realizaram o teste do marshmallow com os dois grupos com a explicação de que a criança poderia comer o doce agora ou esperar o pesquisador voltar (depois de 15 minutos) e comer dois.
As crianças do ambiente não confiável esperaram uma média de três minutos e dois segundos. Apenas uma das 14 crianças deste grupo esperou o tempo combinado, em comparação a nove crianças do grupo da condição de confiança.
Para os autores, os resultados foram surpreendentes. Em estudos anteriores o tempo de espera médio das crianças foi entre 6,08 e 5,71 minutos. A manipulação do ambiente duplicou o tempo de espera no estado de confiança e reduziu pela metade no caso do grupo de ambiente não confiável.
Os autores concluem que este grande efeito da manipulação do ambiente fornece fortes evidências de que o tempo de espera das crianças reflete a decisão racional sobre a probabilidade de recompensa. “Os resultados são consistentes com outras pesquisas mostrando que as crianças são sensíveis a incerteza em recompensas futuras e estudos populacionais que mostram que crianças com pais ausentes preferem recompensas imediatas ao invés de esperar por recompensas maiores”, assinalam.
Para Richard Aslin, coautor do estudo, os resultados refletem a complexidade do comportamento humano. “Nós sabemos que, em certa medida, o temperamento é claramente herdado, porque os bebês diferem em seus comportamentos a partir do nascimento. Mas esta experiência é a prova evidente que a ação das crianças pequenas também é baseada em decisões racionais sobre o meio ambiente e como o meio ambiente também influencia nossas decisões racionais”, conclui.
por Marina Teles
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