Carolina de Assis
Se no Brasil pouco se move em direção à descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, nos Estados Unidos e em outros países os retrocessos aos direitos reprodutivos das mulheres se dão em mudanças nas leis e fechamentos de clínicas que realizam o procedimento. Enquanto as consequências de abortos clandestinos e inseguros no Brasil são estimadas em uma mulher (pobre) morta a cada dois dias, pouco se sabe sobre as consequências de uma gravidez indesejada levada a cabo pela impossibilidade de se realizar um aborto. Um grupo de pesquisadoras da Universidade da Califórnia em São Francisco têm passado os últimos oito anos conversando com mulheres que quiseram mas não conseguiram interromper sua gravidez, e avaliando as consequências psicológicas e socioeconômicas em suas vidas.
Imagem via Flickr
As mulheres a quem se nega um aborto desejado são muito mais propensas a viver abaixo da linha de pobreza do que mulheres que conseguem abortar, e essa probabilidade triplica até dois anos depois do fim da gravidez, segundo a pesquisadora Diana Greene Foster, líder do projeto Turnaway, em entrevista ao site espanhol Materia. “Curiosamente, há um grande aumento do uso da assistência pública, como cupons de alimentos e outros apoios financeiros, mas esses não são suficientes para compensar a chegada de um membro adicional à unidade familiar”, explica. A principal razão pela qual essas mulheres decidem interromper a gravidez, inclusive, é a falta de recursos para manter mais um membro na família. “Elas sabiam que não se podiam permitir um filho, e estavam certas”, sublinha Tracy Weitz, diretora do centro de saúde reprodutiva da UCSF.
“Nossas principais conclusões são que levar a cabo uma gravidez não desejada está associado a maior risco de complicações para a saúde física, maior probabilidade de cair na pobreza, menos possibilidades de conseguir trabalho e um grande aumento na dependência da assistência pública, assim como nenhuma diferença com relação à saúde mental em comparação com realizar um aborto”, diz Foster. As complicações de saúde foram inclusive muito mais numerosas entre as mulheres que se tornaram mães e as que conseguiram abortar. Segundo a pesquisadora, o risco físico de dar à luz é maior do que o de abortar, e as mulheres do estudo da UCSF sofreram complicações mais graves devidas ao parto do que ao aborto, com maior incidência de doenças crônicas como hipertensão e dor pélvica crônica. Outra conclusão do estudo é que mulheres que não conseguiram interromper a gravidez como desejavam são mais vulneráveis à violência de gênero: um ano depois de lhes ser negado o aborto, o risco de sofrer violência por parte dos parceiros é duas vezes maior para elas do que para as mulheres que conseguiram abortar.
Imagem por midianinja
Comentando a retrógrada reforma da lei do aborto proposta pelo governo espanhol, Foster lembra o que a gente bem sabe: “As leis de aborto restritivas são propostas por políticos que não levam em conta as consequências dessas medidas para as mulheres e suas famílias”. Na edição brasileira do site El Pais, um ginecologista que diz realizar abortos em seu consultório em São Paulo há quase quarenta anos também destacou o viés social e econômico da criminalização do aborto no Brasil: “A realidade das pessoas que chegam ao SUS é algo que não pensam lá no Governo. E o aborto não tem classe social, quem faz é pobre, rico, classe média. (…) O pobre sofre mais consequências do aborto mal feito. Ou acaba tendo outro filho porque não conseguiu interromper. (…) Por isso acho a interrupção um procedimento tão ético quanto um parto. O governo não dá saúde, não dá educação, como vai exigir que uma mulher tenha mais filhos, tenha um quinto filho?” Da parte do governo federal, silêncio.
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