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sábado, 25 de outubro de 2014

Compreensões como a da fragilidade física ou da hipossuficiência como caracterizadoras do gênero revelam a discriminação

ela wiecko no informativo 7

De acordo com a vice-procuradora-geral da República Ela Wiecko, a falta de entendimento da desigualdade de gênero que é estruturante no Brasil e a naturalização de supostos papéis femininos geram discriminações em grande escala, inclusive por parte de operadores do direito, que podem ser obstáculos ao acesso das mulheres à Justiça.


Confira a entrevista:
A Lei Maria da Penha é bastante explícita ao dizer que para ser aplicada basta a vítima ser mulher, uma vez que a desigualdade de gênero já está pressuposta na definição de violência doméstica e familiar. Ainda assim, há casos em que o Sistema de Justiça não faz essa aplicação, como aconteceu recentemente com a atriz Luana Piovani. O que gera estes equívocos?
O Sistema de Justiça não tem uma compreensão muito adequada baseada no gênero. Vemos muitas decisões em que se interpreta gênero como sinônimo de sexo – o que é um equívoco, mas que pode não interferir no acesso das mulheres aos direitos previstos na Lei Maria da Penha.
E há situações em que a falta de compreensão leva a negar direitos às mulheres, quando, por exemplo, se interpreta o gênero como hipossuficiência, fazendo essa construção do caso da Luana Piovani. Outro equívoco muito comum é considerar que a mulher faz jus à Lei Maria da Penha porque ela tem uma ‘inferioridade física’, uma visão preconceituosa, estereotipada e discriminatória.
Compreensões como a da fragilidade física ou da hipossuficiência como sendo caracterizadoras do gênero revelam uma discriminação. Aí, quando, por exemplo, a mulher não for fraca ou ganhar bem, vão dizer que não se aplica a Lei Maria da Penha, prejudicando o seu acesso à Justiça.
Como essa naturalização de papéis discriminatórios de gênero incide no acesso das mulheres à Justiça?
Esses supostos papéis estabelecidos funcionam tanto para homens quanto para mulheres: criam-se estereótipos que afetam a vida das pessoas. Mas, no caso da mulheres, esse impacto acontece em maior grau, porque esses estereótipos historicamente tem impedido o acesso ao poder econômico e político e à direitos, gerando desigualdade.
Há toda uma série de barrerias que são criadas para as mulheres. E, nesse contexto, algumas pessoas usam inclusive da violência física e psicológica para manter aquilo que acham que é ‘correto’, manter o que avaliam ser o lugar da mulher.
Essa discriminação impacta também em situações que extrapolam a violência doméstica. Existe dentro dos serviços públicos e das empresas, por exemplo, onde se colocam barreiras para as mulheres ascenderam nas carreiras. Eu posso caracterizar isso como uma violência institucional, na medida em que as instituições não promovem condições para que as mulheres tenham os mesmos direitos.
Que procedimentos podem ser adotados ou que fatores devem ser identificados para contribuir com a detecção da violência de gênero nos casos que chegam ao Sistema de Justiça?
Nos cursos de capacitação ou aperfeiçoamento de juízes, promotores, policiais, servidores, tem que se discutir mais, trazer o que significa essa categoria – o gênero, como ela foi construída e mostrar que ela tem relação com esses papéis sociais que foram naturalizados para as mulheres, que colocam ela em determinadas posições na sociedade e, às vezes, colocam de uma forma que ela não pode sair daquela ‘caixinha’.
Nos casos em que a violência não deixa marcas visíveis, como nas violências psicológicas, é mais difícil a compreensão da violência de gênero e da gravidade da situação ?
Pensando na ameaça e também os outros casos de constrangimento e humilhações, nós podemos afirmar que a violência psicológica é a que mais acontece,  mas também a que fica mais invisibilizada ou que não tem uma resposta adequada. Se caracterizar, por exemplo, uma lesão corporal em boa parte dos casos de violência psicológica, porque ela pode levar a uma depressão, a tentativas de suicídio e outras doenças psicossomáticas, que são um agravo à saúde da mulher.
Acontece que você tem que comprovar, fazer um nexo de causalidade entre o que acontece nesse ambiente doméstico, familiar ou na relação de intimidade e esse agravo à saúde. Só que os Sistemas de Segurança e Justiça não têm essa pratica. É possível fazer essa relação e a lei não coloca impedimentos a isso, mas se estabeleceu uma cultura de que a lesão corporal tem que ter um sangue, uma fratura, uma lesão evidente. Então, não há a prática de fazer exames quando há a lesão psicológica.
Esse é um desafio que persiste: que esses relatos sejam examinados pela perícia com um olhar sensibilizado para se estabelecer o nexo de causalidade.

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