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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A vida com e sem filhos

Ou as vantagens de ser quem você é

ISABEL CLEMENTE

19/10/2014

Conviver é a arte de interpretar. Precisamos interpretar o outro o tempo todo e somos muito mal interpretados também. Um estado de confusão de ideias permeia relações sociais, profissionais e familiares. Erros de interpretação adoram um debate. Atingem participantes e plateia na mesma medida, ricos e pobres, graduados e iletrados. Pelo menos são democráticos. Mas existe uma confusão que poderia ser esclarecida de uma vez por todas pelo bem da humanidade. Darei aqui minha contribuição: não é porque a pessoa decidiu não ter filho que ela odeia criança. Estou falando do lado bom da força, aliás, antes que alguém venha acrescentar à minha opinião outra interpretação.

São recorrentes os debates públicos em que casais sem filhos se sentem obrigados a justificar suas escolhas. Sentem-se pressionados e devem ter motivo para isso. No auge da argumentação, alguém decide que crianças são mesmo um saco, que essa aí que fala de maternidade prega a reprodução geral e irrestrita e assim o caldo entorna. Peraí, gente.

Crianças são tudo de bom. Elas nos oferecem gratuitamente lições de humor e persistência. Pegue pela frente uma bem cabecinha dura e você saberá do que estou falando. Há mérito nessa atitude que pode te irritar em segundos porque, mesmo pequena e sem os mesmos recursos intelectuais, ela sabe o que quer. Genial a natureza humana.

Como já ouvi de gente igualmente bem-humorada e sem filhos, o legal de curtir o sobrinho é que você pode devolver para os pais na hora que encrencar ou sujar a fralda. Nem todo mundo quer pegar o pacote todo e são tantas as razões que é pura perda de tempo especular a respeito disso. Quem não gosta de criança bom sujeito não é mas essa distinção entre bons e maus cidadãos não é dada pela reprodução. Antes fosse simples assim. Estão aí, para repúdio geral, os pais, padrastos, mães e madrastas capazes de atrocidades contra os próprios filhos. Em compensação, há gente amável com as pequenas criaturas mesmo sem criá-las. E isso é muito bom.

É saudável a troca de ideias, não me interprete mal, vai. Muita gente sem filho gosta de ouvir daquele que tem um para chamar de seu as vantagens e desvantagens dessa aventura, se não for para balizar a própria decisão sobre ter uma família, pelo menos parar rir e se compadecer do outro. O intercâmbio nos enriquece mas a vida do outro vem num manequim único. Só veste bem o outro. Ninguém conhece as vantagens e as desvantagens de ser quem você é, com ou sem filhos.

Casais com filhos não estão do lado de lá do balcão em relação a quem que não tem. Não somos faces opostas de moeda alguma, mas um conjunto multifacetado de pessoas com caminhos próprios que ora se esbarram e ora se distanciam.  Ser mãe me define tanto quanto o fato de eu ter um relacionamento duradouro, a minha profissão e idade. Essas características me aproximam e me afastam de várias pessoas ao mesmo tempo. Somos um mosaico de interesses difusos e outros bastante objetivos compondo nossos alicerces individuais.

A vida com filhos é uma viagem sem volta. Esse novo lugar onde vamos parar é, na realidade, a construção das nossas escolhas e elas nos seguirão vida afora. Com filhos ou sem filhos, vivemos cercados de uma paisagem cujas tonalidades e nuances só nós podemos enxergar. 

Muitas vezes, quem tenta se justificar demais por não ter tido filhos ou convencer o outro que tê-los é sensacional envereda por um caminho que não termina bem. Cada um quer, à sua maneira, provar que seu modo de vida é mais feliz. E é aí que começam os erros de interpretação, como acreditar que casais sem filhos não enxergam graça em criança.

Convido a todos para o lançamento do meu livro A pior mãe do mundo: uma biografia não autorizada de todos nós (Grupo 5W). O livro traz crônicas inéditas e uma seleção das melhores publicadas nos últimos cinco anos aqui na Época e já está à venda nos sites da Travessa (www.travessa.com.br), da Amazon (www.amazon.com.br), da Saraiva (www.saraiva.com.br), da Cultura (www.livrariacultura.com.br) e da Livraria da Folha (www.livraria.folha.com.br/livros). Aguardo vocês.

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