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sábado, 18 de outubro de 2014

Nós podemos


As mulheres ainda não têm uma relação de igualdade no mercado de trabalho, mas podem mudar isso. E o ganho não é só delas, é de todos nós.

Publicado em 01/01/2014
POR
Marília Moschkovich/ Ilustrações - Camila do Rosário, Thais Ueda & Julia Bax

Edição 140

Você quer pedir um aumento ao chefe, mas se sente constrangida. Na sua empresa, há muitas mulheres atuando, mas poucas chegam aos cargos de chefia. Por mais que as mulheres sejam qualificadas (e às vezes superqualificadas) para realizar certas tarefas, elas têm mais dificuldade em chegar a posições de prestígio e reconhecimento profissional. A americana Sheryl Sandberg, alta executiva do Facebook, resolveu falar sobre essas questões - e tantas outras - no seu livro, lançado recentemente, Faça Acontecer (Companhia das Letras). Sheryl conseguiu chegar a uma posição de muito sucesso e, de lá, observa suas companheiras, parceiras e funcionárias numa briga exaustiva para atingirem suas metas. Ela aponta, em seu livro, dois diferentes tipos de dificuldades enfrentados por elas: de um lado, são espremidas por uma estrutura do mercado de trabalho e da sociedade - que as pressiona a ter filhos, que não oferece creches o suficiente, que não promove a divisão igualitária do trabalho, entre outras coisas. Do outro lado, ela mesma se subvaloriza. E isso pode acontecer por conta da educação que recebeu ou ainda pelos valores sociais.

Será isso mesmo? vida simples conversou com mulheres de diferentes áreas, com variadas experiências profissionais, e descobriu que, embora o livro de Sheryl se refira principalmente aos Estados Unidos, as brasileiras vivem problemas muito similares. E que olhar com carinho e cuidado para isso pode significar não apenas um ganho para elas, mas para todos.

Critérios mais rígidos

Yasodara aprendeu a usar programas sofisticados de computador com a ajuda do pai quando era criança. E, aos 12 anos, já dominava o AutoCAD, programa que ajuda engenheiros, arquitetos ou designers a elaborarem suas complexas plantas. Como toda menina, ela adorava estar com os amigos e sempre liderava as brincadeiras, apesar de ter vergonha de mandar. Essa vergonha, aliás, a acompanhou durante muitos anos, das experimentações nos computadores do pai à coordenação de projetos no consórcio w3c, empresa que regula a internet e uma das organizações mais importantes da atualidade.

"Aprendi programação como autodidata, e meu diploma é de designer. Quando querem questionar meu conhecimento, apelam para isso dizendo que não sou programadora", conta Yasodara Córdova, hoje com 33, e especialista em programação e design. "É comum, pessoas que são subordinadas a mim num projeto tentarem me diminuir", diz. E se Yaso, como é conhecida, fosse homem? "Quando um homem é programador autodidata, ele é considerado melhor do que os outros. Isso nunca aconteceu comigo nem com nenhuma mulher que conheço", garante ela.

Tanto o livro de Sheryl Sandberg quanto diversos estudos sobre mulher e trabalho já apontaram que, de fato, parece que as mulheres são julgadas com critérios mais rígidos em comparação com homens. Yaso nos conta que os diplomas e o trabalho excelente não são suficientes para que obtenham prestígio se não forem consideradas bonitas, por exemplo. Além disso, precisam ser tecnicamente melhores do que eles e nunca podem falhar. Essa situação acontece sobretudo -mas não exclusivamente - em ambientes profissionais em que elas são minoria, mas como explicá-la?

Segundo ela, na área de tecnologia, as mulheres são tratadas como concorrentes por seus colegas, enquanto, entre si, eles se tratam como colaboradores. "Eles formam um grupo muito coeso", reflete. Foi preciso que passasse por uma experiência desagradável para concluir isso.

Tempos atrás, quando coordenava uma equipe, um colega se apaixonou por ela. Mas a paixão não era correspondida. Magoado, o rapaz, que era um excelente profissional, decidiu ter uma conversa com o chefe de Yaso. "Ele disse que eu era ruim, incompetente, e que meu chefe deveria escolher entre ele ou eu", lembra. O que fez o chefe? O que as estatísticas mostram ser o mais provável: a demitiu. "Naquele momento, eu percebi que eles formavam um clubinho", diz ela.

Encontros só de mulheres

Reunir-se em grupos pode ser a solução para lidar com os dilemas profissionais que incomodam tanto as mulheres. Foi isso o que Lúcia Freitas, 48, digital coach, comprovou. Figura conhecida na blogosfera, Lúcia se deu conta que as mulheres formavam uma parte grande do contingente de blogueiros no Brasil. No entanto, quando saíam da esfera virtual e se encontravam, elas não apareciam. Curiosa, Lúcia foi perguntar a amigas e conhecidas por que não frequentavam tais encontros. "Elas tinham vergonha", conta. "Algumas também tinham receio das cantadas masculinas, ou não iam pelo simples fato de não terem com quem deixar os filhos, entre outras coisas", completa.

Lúcia percebeu que era preciso um espaço em que elas se sentissem seguras e mais à vontade. E, em 2008, convidou as blogueiras - só as mulheres - para um encontro, que, para sua surpresa, teve participantes de todo o País. Foi assim que nasceu o "Luluzinha Camp", um conhecido grupo de mulheres internautas, que promove encontros reais, periodicamente, em diferentes cidades do Brasil. "Os grupos de mulheres são um espaço fundamental para ajudar nesse processo de construção da carreira", acredita Lúcia. A executiva Sheryl Sandberg concorda com Lúcia. Prova disso é que Sheryl iniciou, junto à publicação de seu livro, o projeto Lean In (título original da obra), que tem como proposta incentivar profissionais a formarem seus próprios grupos.

Lúcia explica que essas iniciativas precisam existir, mas que necessitam de foco. "Não adianta nos juntarmos para falar de outras coisas de nosso interesse; precisamos fazer reuniões estruturadas para falar especificamente de trabalho", diz ela. Outro ponto: Lúcia acredita que as chances de esses grupos seguirem adiante aumentam quando são formados por poucas pessoas, o que gera intimidade e sintonia entre as participantes. Por exemplo, pode ser formado por amigas próximas, ou colegas de trabalho. Os locais de encontro podem ser fixos ou variar conforme a disponibilidade. "Também podemos usar ferramentas diversas para manter a comunicação e a troca fora dos encontros, como o Whatsapp, grupos de e-mail, redes sociais, etc.", ensina Lúcia. "Mas é essencial que haja encontros cara a cara, ao vivo", pontua.

Converse, converse, converse

Você costuma negociar salário ou condições de trabalho? Se a resposta foi negativa, tudo bem. Boa parte das mulheres sente vergonha de negociar esses "detalhes". É como se deixassem a ambição de lado em nome de terem sua "feminilidade" reconhecida. Conversar sobre remuneração ou sobre os benefícios do cargo são atitudes que exigem assertividade. E essa é uma característica que, no plano simbólico, associamos ao "masculino". Outro ponto: historicamente as mulheres fazem coisas pelos outros, então se sentem culpadas ao se colocarem em primeiro lugar.

A empreendedora Julia Garcez, 32, não fugia à regra. Ela conta que por anos aceitou todas as propostas que recebia, sem nenhum tipo de contraproposta. "Com o tempo e a experiência, aprendi que havia uma margem de negociação que eu não estava aproveitando", diz. Esse aprendizado se deu justamente trocando informações com outros profissionais e colegas. "Fui entendendo o real valor do meu trabalho. Esse, aliás, é o primeiro passo para conseguir estabelecer bons valores e salários", conclui. "Fazer um nome no mercado não é inversamente proporcional ao valor cobrado".

Para ela, quanto mais segura você está sobre seu potencial e capacidade, mais assertiva será. E, então, pedir um aumento ou conversar sobre novas chances de trabalho será algo mais tranquilo e no qual você se sentirá bem mais confortável. "É possível ser gentil sem ser boazinha e aceitar tudo", finaliza Julia.

fd é socióloga e militante feminista. E acredita em um mundo mais justo e igualitário.

Vida Simples

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