Por Jarid Arraes
outubro 24, 2014
As críticas contra a Rede Globo feitas pelos movimentos negro e feminista nem sempre são bem compreendidas. Muitos acham as demandas exageradas para algo que deveria ser só uma forma de entretenimento – a suposta solução seria simplesmente “não assistir” aos programas. O problema é que o prejuízo causado não deixa de existir por causa das pessoas que se recusam a prestigiar o canal; pelo contrário, a omissão daria legitimidade a qualquer tipo de preconceito e reprodução ofensiva exibida em rede nacional.
Ao se recusarem a colaborar com o preconceito, as mulheres negras rompem qualquer passividade e revidam contra produtos ofensivos, como a série “Sexo e as Nêga” e o concurso carnavalesco “Globeleza”. A série é recente, obra de Miguel Falabella – que tem sido representado pela mídia como injustiçado e incompreendido -, enquanto o concurso já vem há muitos anos exibindo mulheres negras como símbolos do carnaval, apesar de ter se envolvido neste ano em uma polêmica que escancara o racismo no Brasil.
A controvérsia envolvendo a imagem da Globeleza aconteceu quando a vencedora do concurso mais recente, a carioca Nayara Justino, começou a sofrer ataques racistas e machistas do público. Uma das principais razões que motivaram a rejeição sofrida pela moça é a cor da sua pele, considerada “escura demais” por muitos dos seus agressores.
Nayara concedeu uma entrevista ao portal Extra, onde afirmou estar em depressão e não compreender tamanha rejeição, já que foi eleita Globeleza justamente pelo voto popular. A verdade é que não é a primeira vez que uma situação como essa acontece, uma vez que a cultura racista e machista é histórica e se apropria do corpo da mulher negra, expondo-o como exótico e pecaminoso. Aliás, o carnaval, com seu estereótipo de sexualidade promíscua, é o único momento oferecido para que as mulheres negras sejam associadas ao conceito de “beleza”. Trata-se de uma força distorcida, baseada na segregação.
Não é por acaso que a série de Falabella reproduz todos esses paradigmas sobre as mulheres negras, representando-as como hipersexuais, sempre disponíveis para o sexo, com uma clara tentativa de mascarar essa objetificação como autonomia ou independência. A cada novo episódio da série, a convicção de que o produto é racista e machista se torna mais concreta. No último episódio, que tentou abordar o tema “preconceito”, Falabella chegou ao cúmulo de fazer a mulher negra ser discriminada racialmente por um homem negro, que pede desculpas e, claro – na lógica do diretor, acaba sendo perdoado na cama, fazendo sexo com a mulher que discriminou.
Lamentavelmente, muitos continuarão tendo dificuldade para ligar os pontos e fechar o raciocínio. Várias pessoas ainda não enxergam o racismo e o machismo presente nos programas globais e, por isso, é de extrema urgência que protestemos e usemos nossas ferramentas, tal como a escrita, para destruir estereótipos que reduzem a mulher negra à posição de objeto sexual.
O fato é que as mulheres negras são diversas e plurais, cada uma com sua própria subjetividade e suas próprias aspirações. É preciso haver no entretenimento uma representatividade digna, que não nos limite a um único papel, que reconheça nosso talento, inteligência e nossa capacidade de atuar nas mais diversas áreas. Sexo e as Nêga e Globeleza nada mais são do que propagandas da mentalidade escravista que explora sexualmente mulheres de cor negra. Quer compreendam ou não, as críticas se tornarão cada vez mais incisivas.
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