02/07/2014 por Pablo Stolze Gagliano
É possível se falar em “divórcio liminar”?
Vamos pensar um pouco a respeito.
Nada impede que, em se tratando de divórcio litigioso – aquele que desafia um procedimento judicial contencioso -, a parte autora acrescente ao pedido de dissolução do vínculo matrimonial pleitos de natureza diversa, como a fixação de pensão alimentícia, partilha de bens e definição da guarda de filhos, caracterizando uma cumulação de pedidos, a teor do art. 292 do Código de Processo Civil, especialmente à luz do seu parágrafo segundo, com os temperamentos peculiares ao Direito Processual de Família.
Nesse contexto, embora o pedido de divórcio seja de meridiana clareza e inegável simplicidade - por não exigir exposição de motivos ou fundamento - os demais poderão exigir uma instrução mais complexa, demorada e desgastante, impedindo a solução imediata da lide.
Em nossa experiência judicante, atuando por mais de 13 anos em juízo que também detinha competência para dirimir demandas atinentes ao Direito de Família, foi marcante a solicitação formulada, em audiência, por ambas as partes, marido e mulher, que também litigavam a respeito de pensão alimentícia e partilha de bens:
“Dr. Pablo, por favor, o senhor não poderia nos divorciar logo, enquanto o ‘processo corre’?”.
“Por que não?”, foi o pensamento que veio à mente.
O processo serve à vida.
Não haveria sentido em se manter aquele casal – cujo afeto ruiu – matrimonialmente unido, considerando-se não haver mais condição ou requisito para o divórcio, enquanto se discutiam – durante semanas, meses, ou, talvez, anos – os efeitos paralelos ou colaterais do casamento, a exemplo do valor da pensão ou do destino dos bens.
Raciocínio diverso, em uma sociedade acentuadamente marcada pela complexidade das relações sociais – no dizer profético de DURKHEIM - com todas as dificuldades imanentes ao nosso sistema judicial, é, em nosso sentir, uma forma de imposição de sofrimento àqueles que já se encontram, possivelmente, pelas próprias circunstâncias da vida, suficientemente punidos.
E este sofrimento – fala-se, aqui, em strepitus fori -– prolonga-se, quando a solução judicial, em virtude de diversos fatores alheios à vontade do casal, não se apresenta com a celeridade devida.
Por isso, nada impede que o juiz, liminarmente, antecipe os efeitos definitivos da sentença, com amparo no art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil, para decretar, ainda no curso do processo, o divórcio do casal:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
(...)
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (grifamos)
Empregamos, conscientemente a expressão “divórcio liminar”, na medida em que se trata de providência que pode ser adotada no limiar do processo, ou seja, in limine litis.
E não olvidamos que, em essência, trata-se da antecipação dos efeitos definitivos incontroversos da sentença, porquanto, como dito acima, por se tratar, o divórcio, de um direito potestativo, não haveria razão ou
justificativa de mérito hábil a impedir a sua decretação[1].
Nesse contexto, podemos concluir, então, ser juridicamente possível que o casal obtenha o divórcio mediante uma simples medida liminar, devidamente fundamentada, enquanto ainda tramita o procedimento para o julgamento final dos demais pedidos cumulados.
Tal conclusão vai ao encontro dos princípios fundamentais do novo Direito de Família, na perspectiva sempre presente da dignidade da pessoa humana.[2]
E que eles sejam felizes.
[1]. De fato, formulado o pedido de divórcio, no bojo de um procedimento judicial litigioso, uma vez citada a parte adversa, este ato citatório tem, em essência, a precípua função de dar-lhe ciência do pleito formulado, para permitir a instalação da relação jurídica processual. No mérito, todavia, a parte citada não terá maior espaço de defesa, na medida em que o pedido é imotivado, dispensando-se prazo mínimo para a sua apresentação. Ao menos em tese, e para efeito de investigação acadêmica, poderia o (a) demandado (a), em defesa, alegar a invalidade do casamento. De fato, a aferição da invalidade precederia a apreciação do divórcio. Todavia, na situação tomada como referência para o desenvolvimento argumentativo deste artigo, partimos da premissa de ser válido o casamento objeto do divórcio. Em tal hipótese, a capacidade defensiva de mérito do réu queda-se esvaziada.
[2]. Devemos interpretar adequadamente a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), segundo o panorama normativo inaugurado pela Emenda Constitucional nº 66 de 2010, para se admitir que, não apenas em caso de sentença (como se lê em seu art. 167, II, 14), mas também de decisão interlocutória - em face da qual não haja recurso pendente - possa, o Oficial de Registro, proceder com a necessária averbação da dissolução do vínculo matrimonial.
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