A série da TV Globo virou campo de batalha da intolerância: quando se fala bem, é racismo; quando se fala mal, também é racismo.
por Nirlando Beirão — publicado 13/10/2014
É compreensível que alguém relute em falar sobre Sexo e as Nega (a Globo acabou acrescentando ao nome original um pudico "S" final, para aplacar várias vertentes de irritação). Quando se fala bem, é racismo; quando se fala mal, também é racismo. Trata-se de uma situação bem familiar neste Brasil que se deleita com a intolerância, às vezes por malvadeza, às vezes por mera ignorância.
Sexo e as Nega (insisto na versão primeira) levou a um, digamos, beco epistemológico, a um apagão do raciocínio, a uma explosão de protestos antes mesmo de ser levado ao ar. De novo, assoma a expressão daquele Brasil superficial que só lê o título e, quando lê, é incapaz de perceber a ironia, o subentendido, a paródia. Pois paródia é sim, na menção evidente ao Sex & the City das quatro meninotas safadinhas de Manhattan.
Quatro são as nega ou, como prefere a Globo, as negas, e de repente a Nova York delas é o Complexo do Alemão, o figurino é o minishortinho jeans e o collant estampado, nada de Gucci ou Manolo Blahnik, e os embalos de sábado à noite são sacudidos pelo funk rasgado, longe daqueles fricotes de techno trance com DJ dos Países Baixos.
A série é Miguel Falabella puro, ele criou, faz o texto final, certamente palpita na direção de Cininha de Paula. Falabella é um bicho da tevê, sabe tudo de ritmo e cadência, domina a linguagem das alternâncias, trafega pela estética da periferia sem o travo do paternalismo. O último episódio – a ansiedade de ser visível e o dilema de ser invisível – foi vertiginosamente sedutor. Tem um monte de branquelos e branquelas infiltrados naquele recinto de exaltação afro. Estão ali talvez para acomodar o rancor dos que não sabem apreciar as sutilezas do entretenimento – e despistar os melindres de quem não é capaz de entender que a luta justa também pode se travar com a delicadeza da inteligência.
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